Iniciada por volta de 1400, seus livros são de duas classes e de duas épocas: os dos monges inquisidores do século XV e os dos juízes leigos do tempo de Henrique IV e de Luis XIII. A volumosa compilação de Lyon, feita e dedicada ao inquisidor Nitard, reproduz uma quantidade desses tratados de monges. No fundo, contém muito pouca coisa. Repetem-se fastidiosamente.
De monge em monge, a bola de neve vai crescendo sempre. Por volta de 1600, quando os compiladores eram eles mesmos compilados, ampliados pelos que vinham depois, chegou-se a um livro enorme.
Se tudo é heresia no século XIII, tudo é magia no XIV. Na grosseria daquele tempo, a heresia difere pouco da possessão diabólica; toda crença errônea e todo pecado são um demônio, que se escorraça pela tortura e pelo chicote. Essa passagem da heresia à magia é um progresso no terror e beneficia o juiz. Nos processos de heresia (de homens, na maioria), ele tem assistentes. Mas nos de magia, de feitiçaria, que envolvem quase sempre mulheres, tem o direito de ficar só, frente a frente com o acusado.
Esse rótulo terrível de feitiçaria abrangeu pouco a pouco todas as pequenas superstições, a antiga poesia dos lares e dos campos, o traquinas, o duende, a fada. Que mulher seria inocente? A mais devota acreditava em tudo isso.
A feiticeira nasceu muito antes disso tudo e seus segredos se perdem na sombra do tempo. Os camponeses, ditos mais simplórios, ignorantes, nunca perderam o relacionamento com a terra e aquela que conhece seus mistérios, a quem sempre recorrerão para sanar suas moléstias. A literatura da feitiçaria surgiu depois, junto com a histeria e os processos da Inquisição.
Quem produziu os grimórios não foram nem os magos, nem as bruxas, mas os padres. Estes mesmos, que tiveram coragem e audácia para inventarem evangelhos, não lhes seria dificil imaginar os grimanços, ora com a tônica da denuncia, ora usando de deboche, ora para satisfazer os apetites da aristocracia e, mais tarde, da burguesia até, enfim, tornar-se cultura popular e ser definitivamente massacrada, morta e enterrada pela desintegração comercial.
Texto composto a partir do livro "A Feitiçeira" de Jules Michelet, pg 19-22.
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