É tempo de arar a terra do nosso quintal, o azorrague dos “Lupinos” prepara o terreno, e eles são recompensados com fecundas e belas visões, ao realizarem sua cerimônia.
Vêem a si mesmos como “Filhos da Luz”, e uivam para a Lua, interessados em impetrar o fundo da escuridão fria e abrasadora, e fecundá-la com luminosidade. Os lobos feiticeiros em pleno estado desfigurado percorrem na forma lupina para tocar as almas. Bebem um valimento chamado ‘Claret’, que possui a faculdade de produzir a mudança da próxima obra na lavoura.
Observam o cerimonial para ajustar deformidades, seguindo a prescrição da expiação contra enganos.
O adágio, de fato, é a metodologia e investimento para vida nova. Ele deve ser acrisolado pela diligência. Tornamo-nos aquilo que pensamos, este é o mistério eterno.
O próximo mistério é o da purificação, para ser digno de tornar viva a sua origem divina. O outro mistério é o dos sacrifícios.
O mistério derradeiro está para admitir o arcano da extinção e suplantar a rota das causas e dos perecimentos, e com isso obtém-se poder sobre a arte de chamar uma nova existência para o filho de Saturno.
Após receber estes ensinamentos do Rei Zagal, os quais estão associados à feitiçaria, tornam-se livres do temor e da morte, alcançando aquilo que só se pode obter a partir das trevas do antimônio.
Acessa-se o domínio fantasma que dificilmente tolera essa reserva. Em lugar disso, procura apoderar-se da realidade por trás dessas manifestações, influenciá-la e servir-se dela por meio do rito, da purificação, do sacrifício, da expiação.
Tenta abolir o caráter gasto e camuflado da realidade anterior da coletividade, se dispondo dela. Não contestando nem cultivando deformações em nossa crença, desde que não cobiçamos decifrar e manejar o código, mas em vez disso, aceitamos como nosso fluxo, e o sagramos enquanto vivenciamos.
Eis um ritual sacrificial e iniciatório em que todos os anos revigoraram sob o luar, o brilho do mais caro pêlo, e isso implica alguns pontos a serem abordados para uma boa compreensão.
Os feiticeiros-Lobos são compromissados num pacto com o “Espírito” tutor do clã oferecendo-lhe o sangue da sua virilidade em permuta do produto plácido da feracidade. É um sacrifício que, através do sangue, garante o estado de prodígio da divindade, e é aqui que Lupércus se torna um pastor de cabras, não de ovelhas.
Com isso, nos cabe sagrar o seguinte tabu: “Num acurado alento, reside o foco do seu poder, deve comê-lo uma vez ao ano, e não deleitar-se com o contrário dele”.
A instrução parece-se em muitos aspectos com um “sacramento” que põe em contato transcendente, quer porque lhe revela parte do sagrado, quer porque sacraliza o ser.
O lobo toma pra si definitivamente a existência profano-sagrada. É natural e por isso passa consagrada, desde que foi assumido pelos antepassados, responsabilizando-se pela continuação, move-se para sempre dentro do circuito místico da participação vital. Nenhum dos seus sinais ou gestos serão estranhos aos mundos visível e invisível.
É sucinto considerar a iniciação mais como uma transformação lenta do indivíduo, como um trânsito progressivo da exterioridade à interioridade e vice-versa, uma expiação total que parte do geral para o particular, e em seguida, do particular para o geral.
A descoberta que o iniciado faz da sua realidade sacro-humana e os fundamentos míticos da Lupercália obrigam a uma introversão na qual descobre o dinamismo interior da sua vida participada com variadas potencialidades. A iniciação consegue uma “metanóia”, conseqüência da mutação ontológica, da mudança substancial de personalidade que operou no ex-neófito. Deve morrer para a vida anterior, recusá-la e matá-la, e renascer para uma natureza dessemelhante, que é ao mesmo tempo livre das amarras da terra estéril.
Nos contextos iniciáticos, a morte significa a superação da condição profana, a condição conspurca do “ser preso”, do leigo do sagrado, do cego de espírito ou do espírito cego. O enigma dessa aragem vai revelando pouco a pouco ao catecúmeno as adequadas dimensões da existência: ao introduzi-lo no sagrado, a iniciação o obriga a assumir a responsabilidade de homem-deus/mulher-deusa.
O acesso a esse arcano lupercal, traduz-se num simbolismo de morte e de novo nascimento. Desse sabor, vem o gosto da purificação e os elementos da ablução para passar à época adjacente; a expiação para iluminar os olhos, a mente e a alma, e por último, a fertilidade e feracidade do espírito de carne.
O elemento mágico que o enquadra marca para sempre a criança lupina, “Este é de Lupércus, ninguém tasca!”. Torna-se difícil renunciar ou romper os conceitos antigos nas pessoas mais velhas, expressões de ritos que acompanharam o seu novo nascimento, o transformarão para sempre. É indubitável que o homem e/ou a mulher, durante toda a vida, referir-se-á, ainda que seja só em termos do subconsciente, a estes ritos que lhe deram fé, benção e maldição na personalidade mágica.
Prometeu observou atentamente o vôo das aves de garras aduncas, revelando as que são por natureza fausta ou infausta; como revela o sustento que nutre cada uma, os apegos, as coexistências, as hostilidades e qual macieza e cor devem ter as suas vísceras para que se tornem agradáveis aos deuses, bem como o multiforme aspecto favorável da bílis e do fígado. Diz: “Iniciei os homens na arte difícil de queimar os adiposos membros e o osso sacro das vítimas. Tornei claro aos seus olhos as constelações do fogo, que antes lhe permaneciam encobertos e obscuros, e para ti, os 12 labores nada mais são que a forja das virtudes oferecidas ao herdeiro da décima terceira geração da linhagem de Io”.
O ser humano deseja intensamente, mas ele não sabe exatamente o quê, pois é o Ser que ele deseja; um Ser do qual se sente privado e do qual algum outro lhe parece ser dotado e, aparentemente já dotado de um Ser superior, desejando algo, só pode se tratar de um instrumento capaz de conferir uma plenitude de Ser ainda mais Iluminado. O sacrifício é um ato religioso que, insubstituível, pela consagração de uma vítima, transforma o estado da pessoa moral que o executa ou de alguns artifícios aos quais ela diz respeito.
Os Lupinos se despem de sua pele artificial, onde pêlos e garras não são nada mais que o produto maldito da divinação licantrópica, e estilhaçam a caça cujo alimento espiritual habita no alvedrio, se sujeitando a excursão aonde se vai dois e volta um.
O fundamental a reter nesta fórmula é a idéia una de mutação. Um sacrifício sempre implica numa consagração, que modifica o estado das coisas: une-se o domínio do profano com o do sagrado e do maldito.
O inverso também ocorre; basicamente, o sacrifício é um processo de sacralização e dessacralização de algo. Entretanto, esta consagração pode ser de vários tipos (como a consagração de um rei, por exemplo, que não interfere em nada além da pessoa do rei) sendo que o sacrifício é de um tipo muito particular: seu traço distintivo é que a consagração ultrapassa a coisa consagrada. Neste sentido, este algo consagrado intermedia a relação sacrificante X divindade. A vítima do sacrifício possibilita o contato entre estes dois mundos, o sagrado e o profano. É fundamental que esta vítima seja destruída pela consagração, o que confere um caráter sacrificial mesmo aos rituais "não-sangrantes" como o caso das oferendas que a terra nos dá. O “objeto” assim destruído é a vítima-ego sacrificial, e disso obtém-se a licantropia.
Não há rito sacrificial sem uma "entrada": é necessário que o estado natural dos envolvidos no sacrifício seja alterado, por isso, o Claret dos Lobos possui propriedades secretas no modo de preparar sua fórmula. Antes deste, nem sacrificador, nem sacrificado, vítima ou objetos envolvidos no ritual estão em um grau específico para o contato com o santificado. Este estado deve ser alterado, convertido em congresso, para a transmutação e só depois, o acesso aos verdadeiros mistérios da Lupercália. O profano é divinizado na entrada do sacrifício: todos os ritos de entrada têm esta função.
Com relação ao sacrificador, temos que este pode ser um indivíduo ou uma coletividade que assiste à cerimônia. A partir dos movimentos de preparação do sacrificador ao sacrifício do Claret, os feiticeiros partem para uma uniformidade de elementos comuns a esta etapa: a sacralização do sacrificador é feita através de restrições (jejuns diversos, não cortar cabelos, unhas, etc..) e regressões ("volta-se" a um estado inicial, de feto, que irá "renascer" ou transformar-se em lobo): "tudo o que toca aos deuses é divino; o sacrificador é obrigado a tornar-se deus-lobo ele próprio para estar em estado de agir sobre".
Uma série de abluções, consignações e outras sequencias preparam o sacrificador, profano, a executar seu papel no espaço sagrado do sacrifício.
Com relação ao sacrificador, a princípio este não deve ser motivo de muitos rituais iniciais: alguns cuidados são suficientes, uma vez que o sacrificador é geralmente algum sacerdote/sacerdotisa, o que já lhe confere uma proximidade maior ao sagrado. Apenas, pelos ritos, aumentando sua “santidade”, ele facilita e sobrecarrega seu potencial de relação com o sagrado. Isto é necessário para que ele cumpra, por vezes, o papel de intermediário da divindade, em nome da qual ele agirá. Neste sentido, seu papel é o de um “bode expiatório”, carregando consigo as mazelas do indivíduo ou da alcatéia toda.
O Ritual é suspenso no ar, traduzindo os risos de um novo aparecimento.
Existe um ditado entre os lobos que diz: “Você não é a mesma pessoa depois da Lupercália”.
Feliz Lupercália!
Sorcerer Sett
Tradição Familiar Lupino [link morto]
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