Assim como os deuses gregos tinham passeado entre os céus e a terra, sem deixar de morar em ambos, Mitra é o primeiro deus exclusivamente celestial, morador das alturas inalcançáveis para os mortais,guarda das regiões destinadas às almas que triunfam nas duras provas do último julgamento e condutor do seu trajeto através das sete esferas.
Mitra tinha nascido na união entre índios e iranianos, e assim vê-se como aparece entre as linhas dos textos sagrados índios, nos Vedas, mas também o Avesta persa o faz seu, embora custe muito fazer com que o monoteísmo zaratustriano deixe que uma nova figura divina entre no escasso espaço que deixam as duas forças opostas e complementares do bem e do mal, de Ahura e de Ahriman. Mitra já existia na Babilônia conquistada pelos persas e nessa cidade, agora residência de inverno da nova corte, se misturam os seus dados originais com os da antiga divindade babilônica de Shamash, o deus do Sol; também com a influência astronômica e astrológica dos assírios, o céu persa, o céu dos três planos, se enriquece e passa a ser um firmamento composto por sete esferas,incorporando os reinos do Sol, da Lua e dos astros e estrelas, os sete planos por onde hão de transitar as almas, com a sábia e benfeitora guia de Mitra. Mas Mitra, apesar da sua importância, não é nenhuma divindade principal, é apenas um dos veneráveis, dos santos que acompanham Ahura-Mazda e que estão a seu lado na sempiterna luta. Mitra tem o seu lugar preciso na montanha fendida, onde se apóia a ponte que leva as boas almas para o céu, porque ele é o deus desse céu, o deus da salvação para as almas dos mortais.
No seu contato com o mundo grego, o deus solar dos assírios e o deus auxiliar dos persas, Mitra, passa a enriquecer-se com os dons pessoais de três deuses olímpicos: Apolo, Hermes e Hélios. Mitra se engrandece e aproxima do modelo clássico ao receber graças divinas de Apolo, deus da juventude, da beleza e das artes; de Hermes, mensageiro dos deuses; de Hélios, o mesmo deus do Sol, por sua vez outra encarnação de Apolo.
Depois de ter sido helenizado, o renovado Mitra é levado em triunfo pelos legionários romanos, originários ou destacados, da Ásia Menor para Roma, lá, no coração de um império onde os deuses gregos latinizados estão languidecendo, o novo e apaixonante culto a Mitra se assenta com força entre a classe militar e os seus imperadores, muitos deles surgidos da própria milícia legionária, e ao estar protegida por tão influente casta, converte-se num dos principais,construindo-se templos subterrâneos, os mitreus, por todo o império romano, onde se adorava Mitra como o guarda desse universo celestial, matando o touro que, no Avesta, tinha sido criado por Ahura-Mazda e morto por Ahriman, de cujo corpo tem que brotar toda a vida que há sobre a Terra, o touro que é fonte de vida para o reino animal e para o reino vegetal. Com essa invocação de Mitra tauróctone, o deus das almas também se torna divindade da vida que renasce constantemente, da vida que brota estacionalmente. Outras vezes aparece saindo da rocha afundada onde a ponte das almas tem a sua base, leva numa mão a faca com que tem de sacrificar o touro e na outra uma lanterna. Também vemos Mitra saindo entre as folhas de uma árvore, conseguindo que a água, também fonte de vida, brote abundantemente com a sua divina presença.
Na reserva e exclusividade dos reduzidos mitreus celebrar-se-ía o mistério da vida e ressurreição, o culto mistérico de Mitra, o triunfador sobre a morte e dador de vida, o condutor de almas e o salvador dos humanos. O mistério de Mitra deve reconstruir-se também pelos restos arqueológicos, artísticos, dos mitreus, pois não há mais dados que os que se desprendem do que nas suas paredes e memória ficou gravado; celebrar-se-íam os banquetes de união entre os iniciados e também se celebrariam as provas de admissão à iniciação, que tinha que cobrir sucessivamente sete provas para chegar ao máximo, dado que se tratava de celebrar a passagem da alma humana pelas sete esferas planetárias, como no devido momento instituíram os assírios sobre o culto persa. Os sete graus eram estes:
1.º o corvo
2.º o oculto sob o véu nupcial
3.º o soldado
4.º o leão
5.º o persa
6.º o mensageiro do Sol
7.º o pai
Após as provas correspondentes, umas de piedade, outras de doutrina, outras físicas, após essa passagem pelos sete graus, o fiel podia considerar-se dentro do clã de Mitra, do grupo dos iniciados no culto mistérico, com o tácito diploma de fidelidade e pertinência ao Senhor do céu; porque nestes cultos mistéricos, a idéia era (e continua a ser nas maçonarias e outros ritos iniciáticos e simbólicos) a de fazer passar o iniciado pelas provas de dificuldade crescente, fazendo-o avançar gradualmente pela depuração terreal, antecipando-se às provas após a morte, ganhando tempo ao mais além, fazendo no templo o que se supõe que a alma que tivesse passado as sete esferas planetárias da mão de Mitra teria tido que fazer para alcançar a vida eterna.
A grande festa do renascimento mitraico celebrava-se grandiosamente em Roma no mês de Dezembro, exatamente no dia 25, desde que Júlio César deu o seu visto ao calendário definitivo que teria de reger no seu Império.
César fixou esse dia 25 de dezembro como o dia oficial do solstício de inverno e, anos mais tarde, o imperador Aureliano, no ano 274, fixou o 25 de Dezembro como o dia dedicado a celebrar o nascimento do Sol, quando chegava a data do solstício de inverno e o dia, após ir encurtando-se, começava o seu crescimento que o levaria ao máximo, ao anual e renovado solstício de Verão.
Como muito acertadamente aponta Isaac Asimov nos seus estudos comparativos sobre os textos bíblicos e o evangelho, a nova e triunfante igreja cristã, assentada também na mesma Roma que teve que combater e pela qual foi combatida, não teve mais remédio que aceitar a popularidade de Mitra e tentou substituí-lo com um Jesus menino nesse dia, embora tivesse que decorrer uma boa parte do século IV para que se chegasse a considerar o Natal como algo estabelecido. A partir dessa declaração da igreja cristã, da igreja de Jesus, o seu nascimento era o que tinha que celebrar-se anualmente no dia 25 de Dezembro desde agora, e para não deixar detalhes soltos, "deixou grávida" Maria com uma antecedência de nove meses exatos, de modo que a sua Anunciação se celebraria no dia 25 de Março, quando Isabel estava no seu sexto mês de gravidez, com o qual se colocou o nascimento de João o Batista três meses (mais ou menos) por atrás da Anunciação, com tanta sorte que o seu calculado nascimento caiu muito perto do solstício de Verão, em 24 de Junho, fazendo com que com a discutida e discutível figura de João Batista, o primo, ou o irmão suposto e não admitido de Jesus, outro suposto Messias, ocupasse o outro grande espaço pagão por onde se podia escapar uma grande parte da nova paróquia tão duramente conquistada, contrapondo com êxito as novas divindades aos mais antigos e assentados cultos.
Fonte: O Mito Persa, no Scribd [texto deletado]
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