As autoridades civis e o próprio povo, antes indiferentes, demonstraram-se logo hostis à nova religião, porque [snip] recusavam o culto [snip] e a adoração às [snip] de Roma. [Snip] foram por isso acusados de deslealdade para com a pátria, de ateísmo, de ódio pelo gênero humano, de delitos ocultos, como incesto, infanticídio e canibalismo ritual; de serem causa das calamidades naturais, como a peste, as inundações, a carestia, etc.
A religião [snip] foi declarada: strana et illicita: estranha e elícita, exitialis: perniciosa, prava e immodica: malvada e desenfreada, nova et malefica: nova e maléfica, tenebrosa et lucifuga: obscura e inimiga da luz, detestabilis: detestável; depois foi posta fora da lei e perseguida, porque considerada como o mais perigoso inimigo do poder de Roma, que se baseava na [snip] religião nacional e no culto do [snip], instrumento e símbolo da força e unidade do Império.
Este texto não é diferente de muitos que circularam a Europa entre os séc. XV ao séc. XVIII, mas não fala do mesmo fenômeno que ocupou a atenção de filósofos, teólogos, historiadores e escritores da época. Este é um texto da época do Império Romano sobre os Cristãos. A única diferença, se podemos falar assim, é que o Cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano e, portanto, sua história (ou historicidade) foi reescrita conforme os interesses dominantes.
Então cabe a pergunta: se o Cristianismo não tivesse sido 'adotado' por Roma, a existência ou perseguição aos Cristãos seriam descritos da mesma forma como hoje em dia descrevem a existência ou perseguição às Bruxas?
A impressão, quando se lê um livro acadêmico atual sobre a crença e prática da Bruxaria, é a mesma que se tem ao ler os argumentos dos acadêmicos do tempo dos Césares. Muito sutilmente misturam o fenômeno da Caça às Bruxas, especialmente à refutação aos dogmas da Igreja, como elemento para provar que a própria crença e prática da Bruxaria não existiram. Ou são fruto de uma interpretação ou supervaloração do folclore europeu. Ou são fruto de histeria, auto-hipnose, auto-indução...superstição.
O que se é preciso separar é aquilo que o sistema dominante acreditava (conceituava) ser Bruxaria daquilo que a Bruxaria efetivamente era e ainda é, em suas formas contemporâneas, assim como o Cristianismo existia de uma forma que não a definida pelo Império Romano. Se não existisse ou não fosse um sistema coerente aos que o seguiam, a própria razão das leis e das perseguições não teria qualquer sentido. Se não existisse ou não fosse coerente, não teriam pessoas interessadas em conhecer e seguir esse preceito religioso, a despeito dos perigos que corriam. Se não existisse ou não fosse coerente, teria desaparecido e não teria produzido suas diversas correntes contemporâneas.
Portanto, o atual revisionismo histórico não é nada mais que uma continuação da Inquisição da Igreja, agora nas mãos de acadêmicos que apenas estão reproduzindo os mesmos preconceitos de que foram vítimas. Uma tendência muito comum entre seres humanos quando se conquista o poder: perseguir e erradicar tudo que discorde ou ameace sua visão de mundo. A Igreja cometeu genocídio cultural, a Academia comete genocídio cultural. Quando nós poderemos, efetivamente, ter nossos direitos humanos reconhecidos e respeitados?
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