Por Vitor Fernandes.
Toda vez que um cristão demonstra toda sua maldade, como nas falas raivosas de Malafaia, ou quando cristãos comemoram um massacre, como a maior chacina da História do Brasil, com 117 mortos, é comum surgirem críticas alegando que estes seriam “falsos cristãos” ou que estes são opostos aos ensinamentos da bíblia.
Mas a questão é: que bíblia? O Novo ou o Velho testamento? No Velho Testamento, que tem muito em comum com a Torá judaica, não há uma figura do “diabo” ou “Satan”, como algo central. Não há o maniqueísmo, de um Deus (representação do bem) que luta contra o Diabo (representação mal). Então Deus, é todo poderoso e justo. Não é essencialmente bom! É também mau, vingativo, etc. No Velho Testamento, há a defesa da escravidão, da submissão completa da mulher, do genocídio, etc. Ex.: Deus decide destruir toda a humanidade, exceto Noé e sua família (Gênesis 6–9); Ordens para guerra contra os cananeus (Josué), com a aniquilação de povos locais; Deus envia uma peste que mata 70.000 pessoas (2 Samuel 24). Deus no velho Testamento, não é bom. É justo. E ser justo inclui tudo o que foi citado acima e muito mais.
No Novo Testamento, que tem os ensinamentos de Jesus, há a figura do Diabo, de Satan, bem desenvolvida. Então Deus é um ser essencialmente bom. Os ensinamentos de Jesus se caracterizaram por compaixão, amor, perdão e justiça social, como em “Ama o teu próximo como a ti mesmo.” (Mateus 22:39); “Amai os vossos inimigos…” (Mateus 5:44); “Perdoai setenta vezes sete.” (Mateus 18:22), etc.
Quando então queremos apresentar os cristãos como sendo hipócritas, contraditórios ao que estaria escrito na bíblia, precisamos definir que Testamento estamos nos referindo, se é o Novo ou o Velho. A maldade dos cristãos é perfeitamente compatível com um Deus (também) mau e vingativo, que está presente no Velho Testamento e é contraditória com os ensinamentos de Jesus. Pois os ensinamentos de Jesus são completamente diferentes do Velho testamento. Aí entra o X da questão, o protestantismo, particularmente o neopentecostal, que cresceu no Brasil nos últimos 30 anos, é geralmente, na prática, baseado no Velho Testamento. Não em Jesus.
Vejamos esse protestantismo na prática: os evangélicos são a principal base de sustentação ideológica do bolsonarismo (quase 70% dos evangélicos votaram em Bolsonaro) e da extrema-direita em praticamente todo o continente Americano.
Policiais do Bope (tropa de elite da PMERJ, que tem uma caveira como símbolo e sabidamente entra nas favelas para “deixar corpo no chão”, como eles próprios dizem) criaram uma Igreja evangélica na sede do batalhão (algo ilegal, inconstitucional, em um Estado laico). Isso lembra Jesus ou o Velho Testamento?
A condenação da homossexualidade e do feminismo se baseia em Jesus? Jesus nunca sequer tocou no tema da homossexualidade, nem estipulou qualquer norma sobre sexualidade, nem nunca defendeu a submissão da mulher. Quem condena a homossexualidade e diz claramente que mulheres devem ser submissas ao homem é o Velho Testamento, escrito entre 1200 e 500 A.C.
A defesa do extermínio como na chacina do Rio de Janeiro no último dia 28 de outubro. É incompatível com Jesus, mas é compatível com um Deus mau e vingativo, onde há o extermínio de “povos inimigos” feitos por Deus no Velho Testamento.
Os símbolos mais usados pelos evangélicos são geralmente do Velho Testamento, embora possam aparecer no Novo com relação apenas à linhagem genealógica de Jesus. O Leão, amplamente usado pelos evangélicos, é o leão de Judá, se referindo ao povo de Israel (Velho Testamento). Os evangélicos comumente usam a bandeira do Estado de Israel e apoiam Israel incondicionalmente, mesmo cometendo um genocídio, que é justificado em muitas interpretações do Velho Testamento. Israel este que sequer crê em Jesus, e comumente é visto como impostor pelos judeus. Aliás, o Velho Testamento, que diz que os Judeus são o povo eleito de Deus é escrito pelos… Judeus (!). A teologia evangélica que cresceu nos últimos 30 anos, é muito mais voltada na prática, ao Velho Testamento e isso faz toda a associação com o Bolsonarismo e a extrema-direita mundial, à defesa do extermínio, etc. fazerem sentido.
O próprio Jesus, criticava os judeus de seu tempo e seus costumes e hoje, cristãos reavivam a cultura criticada por….Jesus!
Como usar Jesus para justificar o genocídio dos Palestinos? Como usar Jesus para defender Boslsonaro que debochou da morte de 770.000 pessoas na pandemia? Como usar Jesus para defender uma das maiores chacinas da História do Brasil? Qual a relação entre Jesus e Malafaia? Estranho, não é? Mas se você lembrar de um Deus mau e vingativo do Velho Testamento, tudo faz sentido.
É por isso, que parte significativa dos cristãos, particularmente dos evangélicos, gostam tanto do Velho Testamento e na maioria das vezes, quando se cita a bíblia é citação ao Velho Testamento. Ele dá embasamento para a homofobia, machismo, extermínio, genocídio, chacina, armamento da população, etc. que essas pessoas tanto gostam de defender. E Jesus? O que tem a ver com isso? Esquece Jesus! A maioria dos cristãos nem gosta dele. Ele é apenas o garoto propaganda! É só pra dar legitimação social, colocando o cristão como bom e caridoso.
Vitor Fernandes – Cientista Social, Mestre em políticas públicas (UERJ)
Fonte: https://jornalggn.com.br/artigos/jesus-e-apenas-o-garoto-propaganda-dos-cristaos-por-vitor-fernandes/
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