quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Preconceito e intolerância ilegal

A postagem de um deputado distrital que expõe uma professora de escola pública do Lago Sul gerou polêmica entre a comunidade escolar. O parlamentar acusou a docente, que leciona uma matéria eletiva – de escolha facultativa por parte dos próprios alunos do ensino médio –, de incitar “crianças a pronunciarem nomes de deuses” de religiões de matriz africana em sala de aula.

No vídeo, publicado pelo Pastor Daniel de Castro (PP) nas mídias sociais, o distrital disse que denunciou a professora ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) por “fazer rituais de magia em sala de aula”. “Estou fazendo uma representação junto ao MP agora, inclusive com áudios e vídeos em que essa professora incute na cabeça das crianças uma religião afro e as leva a falar nomes e cultuar essas entidades. Isso é um crime”, declarou.

Após a repercussão do vídeo, a Diretoria do Centro Educacional do Lago (CEL) divulgou uma nota de repúdio contra as declarações do deputado e afirmou que Daniel de Castro acusou injustamente a professora da disciplina optativa de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena.

“Na última semana, um deputado distrital publicou gravação sem autorização de atividades do Centro Educacional do Lago e teceu uma série de ataques, acusações caluniosas, racistas e de intolerância religiosa contra servidores públicos no exercício de suas atribuições. Tal afirmação não é apenas inverídica – uma vez que que ‘rituais de magia’, conforme dito pelo deputado, não acontecem nessa escola –, mas também expressa um preconceito contra as religiões de matriz afro-brasileira”, ressaltou a escola, por meio da nota.

Os gestores do CEL acrescentaram que o conteúdo ministrado pela professora está “em total conformidade com as diretrizes educacionais estabelecidas pelo Ministério da Educação (MEC) e pela Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF)”. Além disso, enfatizaram que o conteúdo do currículo “segue rigorosamente” as leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008, “que determinam a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena nas escolas”.

“[A matéria] faz parte do catalogo oficial de disciplinas da SEEDF e visa promover o respeito e o reconhecimento das contribuições culturais e históricas desses povos na formação do Brasil. É essencial que os alunos recebam uma educação plural e que respeite a diversidade cultural e religiosa”, completou a escola.

A direção do CEL ressaltou que apoia “integralmente o trabalho” da professora, além de reafirmar o “compromisso com a educação inclusiva e respeitosa”. “Não toleramos qualquer forma de preconceito, inclusive a intolerância religiosa. Nossa escola permanece um espaço de promoção do respeito às diferenças e de aprendizado livre de discriminação.”

Críticas em plenário

Os responsáveis pela gestão do Centro Educacional do Lago também denunciou o caso à Comissão de Educação da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF).

Ao Metrópoles o deputado distrital Gabriel Magno (PT) contou que visitou o colégio escola para entender o caso e detalhou que, no momento da gravação do vídeo mencionado pelo deputado, a professora desenvolvia com os alunos uma tarefa para o Dia da Consciência Negra.

Ainda segundo o parlamentar, o tema da atividade foi escolhido pelos próprios estudantes, e o resultado seria apresentado em uma feira escolar por ocasião da data. Em discurso no Plenário da CLDF, o distrital destacou que Daniel de Castro não confirmou a informação que recebeu e publicou o vídeo sem saber o contexto das imagens.

“Toda vez em que publicamos algo sem saber, corremos risco de errar. Dizer que uma professora da escola obrigou os estudantes a falar nomes e cultuar entidades […], primeiro, é [uma fala] carregada de preconceito, de racismo, porque quer comparar ou tentar traduzir religiões de matriz africana a rituais de magia. [Segundo, afirmar] que a professora em questão tentou obrigar os estudantes a isso: não foi o que aconteceu na escola”, declarou o petista.

Gabriel concluiu o discurso dizendo ser fundamental que um parlamentar ou um servidor público respeite a lei e a profissão do magistério. “Eu lamento e repudio que nossos professores, infelizmente, tenham sido vítimas desse ataque e dessa perseguição. Encerro dizendo que estamos à disposição dos educadores”, afirmou.

Caso na corregedoria

A reportagem entrou em contato com a SEEDF. Por meio de nota, a pasta comunicou que “recebeu, em 23 de outubro, o Ofício nº 164/2024, enviado pelo deputado distrital Pastor Daniel de Castro, pedindo apuração de fatos supostamente ocorridos” na escola.

“Em resposta, a SEEDF encaminhou as informações à Corregedoria [da secretaria], para adoção das providências cabíveis, como estabelece a Instrução Normativa nº 2, de 19 de outubro de 2021, da Controladoria-Geral do Distrito Federal. A pasta reforça o compromisso com a transparência e com a condução criteriosa dos processos, seguindo as normas e assegurando uma gestão educacional democrática e responsável”, salientou a secretaria.

“Valores constitucionais”
Questionado pela reportagem acerca do ocorrido, o deputado Daniel de Castro confirmou ter protocolado a representação junto ao MPDFT, pois os alunos “teriam sido instigados a participar de rituais religiosos” durante as aulas em questão, e alegou que as atividades da disciplina optativa representam “uma possível afronta ao princípio da laicidade do Estado, assegurado pela Constituição Federal”.

Leia na íntegra a nota emitida pelo parlamentar:

“Em respeito ao compromisso com a proteção dos direitos dos alunos e a defesa do princípio da laicidade do Estado, o nosso gabinete protocolou representação junto ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), referente a relatos de práticas religiosas específicas ocorridas em ambiente escolar sem o consentimento prévio dos responsáveis legais.

A representação foi motivada por denúncias de que alunos teriam sido instigados a participar de rituais religiosos durante atividades ministradas no Centro Educacional do Lago Sul. O ocorrido representa uma possível afronta ao princípio da laicidade do Estado, assegurado pela Constituição Federal, que determina que o espaço escolar deve ser neutro e respeitoso para com todas as crenças e convicções, garantindo que nenhuma religião seja imposta aos alunos.

Considerando a importância da pluralidade e o direito dos responsáveis de serem informados e autorizarem a participação dos seus filhos em atividades que envolvem aspectos religiosos, foi solicitado ao MPDFT a apuração dos fatos e a adoção das medidas cabíveis para cessar tais práticas. Reiteramos nosso compromisso com o respeito aos valores constitucionais e à diversidade de crenças no ambiente escolar.“

Fonte: https://www.metropoles.com/distrito-federal/deputado-acusa-escola-de-ensinar-magia-e-religiao-afro-em-aula-optat

Nota: quem cometeu crime foi o deputado. Cassação nele. E se fosse algo ligado ao evangelismo? E se alguém também entrasse com uma ação contra, digamos, aulas bíblicas na escola? O deputado ficaria com mimimi de liberdade de expressão e de crença.

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