Trecho [traduzido] da obra de Suetônio, “As Doze Vidas dos
Césares”:
“No dia dos comícios distribuía às tribos Fábai e Captia,
das quais era membro, mil sestércios para os cofres de cada uma para que nada
fossem pedir a qualquer candidato. De outro modo, emprestando grande
importância ao fato de conservar o povo romano puro de qualquer mistura de
sangue estrangeiro ou servil, foi parcimoniosíssimo na concessão de direitos de
cidadania, restringindo as manumissões”.
No original:
“Comitiorum quoque pristinum ius reduxit ac multiplici poena
coercito ambitu, Fabianis et Scaptiensibus tribulibus suis die comitiorum, ne
quid a quoquam candidato desiderarent, singula milia nummum a se dividebat.
Magni praeterea existimans sincerum atque ab omni colluvione peregrini ac
servilis sanguinis incorruptum servare populum, et civitates Romanas parcissime
dedit et manumittendi modum terminavit”.
O termo usado por Suetônio é “peregrini”, não “estrangeiro”.
Na Roma Antiga, apenas o patrício possuía o direito à
cidadania romana. Plebeus, escravos e pereginos somente tiveram direito à
cidadania romana após o decreto de Caracala. Mesmo em alguns casos, cidadãos
romanos perdiam parcialmente sua cidadania, caso se tornassem servos [clientes]
de outro romano [patrocinadores]. Em casos raros, escravos recebiam a
manumissão e podiam se tornar homens livres [ingênuos].
Curiosamente, os demais povos latinos somente teve a cidadania
romana reconhecida após a Guerra Civil [91 AC - 88 AC].
Quando Roma expandiu seu território, os outros povos se
tornaram províncias de Roma e seus habitantes, ainda que nascidos, não foram
considerados cidadãos romanos, eram “peregrinos” em sua própria terra. O
sucesso militar de Roma pode ser atribuído ao alistamento para as famosas Legiões
Romanas que, pelo decorrer da história e extensão territorial, tornou o serviço
militar uma porta de ascensão social para homens livres, peregrinos e escravos.
Roma chegou a contratar soldados [mercenários]. Roma concedia cidadania romana
a esses legionários e os concedia o direito de estabelecer uma villae [colônia]
no seu território de origem, reforçando e mantendo o domínio de Roma. Mesmo Augusto
encorajou o casamento entre as diversas classes de cidadãos.
Então por que Augusto fala em “conservar o povo romano puro de
qualquer mistura de sangue estrangeiro ou servil”?
O que, realmente, incomodava o Imperador Augusto?
“Em 18 a.C., Augusto apresentou aos celibatários a Lex Iulia
de Maritandis, que tornava o casamento instituição obrigatória para todos os
cidadãos romanos. Incentivava os casamentos com o intuito de aumentar os
cidadãos. Entretanto, proibia o casamento entre senadores e escravas ou
libertas e cidadãos e libertas. Esta política imperial se baseava na ideia de
manter as tradições e perpetuar o poderio romano, impossível de conseguir, para
Augusto, se membros da ordem senatorial se casassem com membros de outras
ordens, não mantendo a pureza e tradição das linhagens”.
[https://cinedebateuneb.org/_files/200000052-24e4d25da8/O%20principado%20romano.pdf]
“Diz Suetónio (Aug. 40.3-4) que Augusto procura manter a
pureza de sangue, contendo as misturas com elementos estrangeiro e servil, mas
tratar-se-ia antes de regular a entrada de novos cidadãos, cujo número aumenta
drasticamente nos censos. Procura manter também a distinção de status, no que
respeita ao tratamento dos libertos (Suet. Aug. 74), embora os incluísse em
atividades importantes”.
[https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/47836/3/Historia_de_Roma_II.pdf]
Eu acho que tem algo mais. Augusto dividia o Segundo Triunvirato com Marco Antônio e Marco Emílio Lépido. Marco Antônio era amante de Cleópatra VII Filopátor, a mesma que também manteve uma relação amorosa com Júlio César e ela teve filhos com ambos. Augusto deve ter sentido algum desgosto [desculpe a péssima piada] ao ver que a família César teria herdeiros “não-romanos”. O “pecado” de Cleópatra era ser de origem Egípcia [na pior das hipóteses, para os racistas, “Africana”], mas ela era também de origem Macedônica, como descendente legítima de Ptolomeu Sóster, general macedônico de Alexandre o Grande. Então, por sua descendência “Helênica”, os filhos de Cleópatra e Júlio [César] ainda eram descendentes da mesma origem indo-européia, eliminando o “perigo” do sangue “estrangeiro”. Eu diria então que Augusto agiu de forma despeitada. Quando Augusto e Marco Antônio entraram em combate pelo Império, Cleópatra escolheu ficar ao lado de seu amante. Se tivesse escolhido Augusto, a história seria diferente. Certamente Augusto queria experimentar as mesmas delícias que seu tio-avô [Júlio] e Marco Antônio desfrutaram.
Nenhum comentário:
Postar um comentário