John Halstead escreveu no Patheos o texto “The Neo-Pagan Mysteries” discorrendo, segundo ele, os aspectos do Paganismo Moderno enquanto uma “religião de mistério”. Nada mais equivocado, mas o tema é apropriado para colocarmos alguns termos em seus devidos lugares, algo que este pagão que vos escreve vem fazendo há um bom tempo neste blogue.
Eu vou citar a definição de John Halstead quando ao “Paganismo Centrado no Self”:
O paganismo centrado no Self significa que um sentido maior do "eu" que transcende o ego e até mesmo o individual. A meta da prática pagã centrado no Self é o desenvolvimento pessoal, espiritual e / ou psicologicamente, através da conexão com o Self Profundo. Isso pode ser descrita em termos de integridade psicológica ou união extática com o "Uno" divino.
Isso coloca diversos problemas. Quando se fala em transcendência, entende-se que há um conflito entre o corpo e a alma, entre o mundo natural e o mundo divino. O Paganismo Moderno não tem essa clivagem, o sagrado está no corpo e no mundo. Quando se fala em desenvolvimento pessoal, entende-se algo como auto-ajuda e psicologia de bolso. Diante de tantos filósofos e pensadores antigos, ler essas armadilhas da literatura mercenária nos conduzirá para a mediocridade. Quando se fala no Uno, entende-se ora a vertente do monoteísmo, ora a vertente do monismo. Diversas vertentes do Paganismo Moderno são completamente adversas a estas tendências.
John não escreveu qual a definição dele para mistério ou religiões de mistério e isso é outro problema, especialmente quando escrevemos para o público geral, mais interessado em fórmulas do que no estudo.
Eu vou recorrer ao oráculo virtual [Google] para definir a religião de mistério:
Religião de mistério ou Mistérios é uma forma de religião com arcanos, ou um corpo de conhecimento secreto. Nela, há um conjunto central de crenças e práticas de natureza religiosa que são reveladas apenas aos iniciados em seus segredos. Os Mistérios eram, em todos os países nos quais eram praticados, uma série de representações dramáticas, onde a cosmogonia e a natureza oculta eram personificadas por sacerdotes e neófitos, desempenhando o papel de diferentes deuses e deusas, repetindo alegorias (cenas) de passagens de suas vidas. As encenações eram posteriormente explicadas aos candidatos em seu sentido oculto e incorporadas às doutrinas filosóficas e a vida cotidiana. Os iniciados recorriam a um conjunto de práticas como o jejum, a flagelação, o sacrifício de animais (como o touro ou os porcos) ou o rapar da cabeça. O sacerdócio que estava ligado aos Mistérios não tinha uma estrutura rígida, sendo na sua maioria constituído por mulheres. [Wikipédia]
O mistério consiste no cerne do ensinamento contido dentro de um mito específico, reencenado ritualisticamente, por sacerdotes ou sacerdotisas, em um templo ou santuário. A priori, mistério vem de mistes, que eram os sacerdotes de Isis, cujo prestígio e influência aumentaram muito na época de Alexandre, o Grande, a ponto de Isis quase se tornar a Deusa Una. Antes de Isis, a Deusa Ishtar alcançou uma extensão de proporções continentais em numero de adoradores. Curiosamente ambas as Deusas possuíam mistérios que remetiam ao Deus Consorte, o que deixa ainda mais evidente o fiasco das “religiões da Deusa”.
Existem quatro características comuns nas religiões de mistérios:
1. O cerne de cada religião era o emprego de um ciclo anual de vegetação, no qual a vida era renovada a cada primavera e terminava a cada outono. Os seguidores dos cultos de mistério imprimiram significações simbólicas complexas nos processos naturais de crescimento, morte, decadência e renascimento.
2. Faziam uso de cerimônias secretas, frequentemente relacionadas a um rito de iniciação. Todas elas compartilhavam um "segredo" ao iniciado, que consistia basicamente em informações sobre a vida do deus ou deusa cultuado e como os humanos poderiam alcançar a unidade com aquela deidade. Esse "conhecimento" era sempre um conhecimento secreto, inacessível a qualquer pessoa fora do círculo do grupo.
3. Centravam o culto ao redor de um mito, no qual a deidade tinha, como característica principal, o retorno da morte à vida ou o triunfo sobre os inimigos do grupo. Era implícito nos mitos o tema da redenção, mas sob o aspecto terrestre e temporal. O significado secreto do culto e de seu mito era expresso por meio de uma "tragédia sacramental", o que aguçava os sentimentos e as emoções dos iniciados. O êxtase religioso os levava a pensar que estavam experimentando o começo de uma nova vida.
4. Atribuíram pequena ou nenhuma atenção às doutrinas e à reivindicação de possuírem uma crença correta e verdadeira. [fonte perdida]
Ainda que o impacto dos rituais se dava a nível do consciente, do self, trabalhando a partir do interior divino do celebrante, os mitos faziam referência a uma realidade divina externa, daí a transcendência, na qual o celebrante supera seu ego, sua individualidade e consegue, assim, purgar, purificar seu espírito das máculas do corpo e tornar-se uno com o divino.
Assim sendo, sem o mito, sem o divino externo, sem a transcendência, o Self por si só não chega à transcendência. Sem a execução dos devidos rituais, não se ativa a consciência divina do Self que nos torna capazes de conquistarmos esse desenvolvimento espiritual/pessoal. Nem com todo coaching ou terapia behaviorista o indivíduo poderá ser conduzido ao necessário êxtase que arrebata o espírito de volta ao divino. Conclui-se, portanto, que o texto de John é equivocado.
O pagão moderno tem diversos caminhos, cada qual com seus métodos. Sem caminho, sem uma trilha, ainda que nós caminhemos, não se chega a lugar algum sem bússola. Em tempos modernos, onde respostas fáceis e agradáveis são vendidas como sendo a solução de todos os nossos problemas, reafirmar certos princípios e valores chega a ser arriscado, diante de tantos gurus paraguaios e suas multidões de seguidores. Felizmente existem pessoas sinceras, honestas e dedicadas, como este pagão que vos escreve, que irá teimosamente defender a Wicca Tradicional, simplesmente por que meu serviço é para os Deuses.
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