O brasão de Estado russo, a águia de duas cabeças, é um dos símbolos indo-europeus mais antigos. Cristianismo, paganismo, ensinamentos de Zaratustra, época dos grandes impérios e fragmentação feudal estão embutidos em sua história. Civilizações e Estados inteiros desapareceram no passado, mas a águia de duas cabeças continuou a pairar sobre os povos da Ásia Ocidental e Europa Oriental.
Para entender o por que desse importante símbolo, basta seguir a ordem cronológica. Primeiramente, o brasão da águia de duas cabeças apareceu na simbologia do poderoso reino dos hititas, que ocupava uma grande parte da Turquia moderna, nos séculos 17 a 12 a.C.. Na época, foi adaptado para as necessidades do Império Bizantino, que havia previamente herdado a águia romana de uma só cabeça. Logo a águia se tornou um símbolo de todo o cristianismo oriental, aparecendo no brasão da Sérvia e Montenegro, da Alemanha (Sacro Império Romano) e da Armênia.
Os reis da selva
No início da Idade Média, o clima na Europa era muito mais quente do que agora. Por exemplo, no século 12, havia leões e leopardos no sul da Ucrânia. Matar um leão era algo especialmente valorizado – um tipo de caça para representantes escolhidos da aristocracia e grandes príncipes. Com o tempo, esse fato transformou o animal em um símbolo heráldico, que representava a nobreza e a coragem.
A águia “pousou” na Rússia apenas no século 13, substituindo o tridente, antigo símbolo da dinastia. No início, a águia de duas cabeças apareceu em Chernigov, no território da atual Ucrânia; em seguida, em Vladímir, a 176 km a leste de Moscou; e depois, na própria capital. A águia apareceu no brasão do Estado logo depois do nascimento da palavra “Rússia”. No final do século 15, o grão-príncipe Ivan III, conhecido como “coletor das terras russas”, introduziu a palavra “Rússia” em substituição da antiga “Rus” – e nesse momento a águia foi inserida no emblema nacional.
Após a queda de Constantinopla (atual Istambul), a Rússia se tornou o único país Ortodoxo independente, e a águia, no símbolo do brasão do Estado unificado, afastando também a imagem icônica do leão.
Águia metamórfica
Cada tsar russo mudava a forma da águia conforme vontade própria. Durante o período de relações próximas com a Prússia e a Áustria, a águia se tornou mais rígida e geométrica. Em períodos de liberalização do regime político na Rússia, o contorno das asas ficou mais suave, e as formas, arredondadas.
Durante a ocupação de Moscou por invasores poloneses, em 1612, o lírio real católico foi incluído no peito da águia. Em outras épocas, havia no peito do animal São Jorge ou o grifo – símbolo da dinastia Romanov.
A quantidade de coroas nas cabeças da águia também mudava constantemente. Isso se devia às mudanças na ideologia do Estado. No começo havia duas coroas, como um símbolo da igualdade entre os poderes seculares e eclesiásticos. Após a vitória do poder do rei sobre o patriarca ortodoxo, apareceram três coroas. Duas delas significavam a igualdade dos poderes secular e eclesiástico, e a terceira era posicionada acima das duas primeiras e simbolizava a primazia do poder do Imperador, como o chefe da Igreja e de todos as divisões do Estado.
De acordo com a tradição heráldica russa, havia um brasão estatal grande e outro pequeno. O brasão grande, além da águia, continha também o símbolo da dinastia Romanov e os das terras mais importantes que faziam parte do Estado russo. O imperador russo era ao mesmo tempo o rei polonês, georgiano, siberiano e o grão-duque da Finlândia. O lema oficial da heráldica russa era “Deus conosco”. Para enfatizar o caráter cristão do Estado, perto da águia de duas cabeças foram colocados os arcanjos Miguel e Gabriel.
URSS e depois
Após a Revolução de 1917, o governo provisório excluiu a coroa. Essa águia democrática é agora apresentada em moedas da Federação Russa. Das garras da águia foram retirados também os símbolos do poder monárquico: o cetro e o globo. Durante a guerra civil, as forças antibolcheviques fizeram da águia seu emblema, mas a coroa foi substituída por uma cruz. No entanto, o cetro e o globo apareceram novamente nas garras de uma águia.
A águia de duas cabeças voltou à Rússia após o colapso da União Soviética e depois de três anos de trabalho de comissão especial encarregada por selecionar os símbolos do Estado. Em 1993, por decreto do então presidente Boris Iéltsin, o símbolo adotado como o brasão do Estado era semelhante àquele adotado após a revolução: sem coroas e sem símbolos de poder.
Mas as metamorfoses continuaram. A águia continua a mudar da mesma maneira como durante a época dos tsares. O fortalecimento do poder do Estado sob o presidente Vladímir Pútin se refletiu no símbolo da Rússia, que recebeu três coroas e símbolos de poder.
Vladimir Khutarev é doutor em História e representante da Comunidade de Proteção de Monumentos de Históricos e Culturais em Moscou.
Fonte: Gazeta Russa
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