Bruxaria Tradicional é um termo sujeito a uma série de equívocos que, na verdade, advêm do próprio termo. A idéia completa é que a bruxaria seja uma categoria extremamente ampla que passa através de toda a história e geografia, e conta toda uma série de concubinas, prisioneiros, astrólogos, mulheres bonitas, gente miserável, criminosos, hereges e assim por diante. É um termo pejorativo que denota aquele que desafia a ordem social cívica e seus limites. Isso significa que toda a idéia da 'bruxa' seja um termo desenvolvido pela ordem social profana, e como tal, é natural que a idéia da Arte das bruxas convide igualmente aqueles que desejam restaurar a intenção no coração da matéria, tanto as almas perdidas que vivem na alienação da Arte, e aqueles que procuram impor seu evangelho sobre a Arte das bruxas. Dada a diversidade que a própria palavra tem sido sujeita, é natural e verdadeiro que a Arte também fique sujeita a diversidade de fé e rito - mas isso nunca muda a doutrina em sua raiz.
A Arte das bruxas é tradicional - e mesmo se a idéia do que é tradicional, hoje, seja geralmente limitada a uma idéia bastante horizontal, profana e cívica de transmissão de algum tipo de conhecimento, a questão é outra. Uma Arte tradicional deve ser tradicional no verdadeiro sentido da palavra: deve revelar uma fundação em uma visão tradicional do mundo, que reconhece a importância do espírito de tal forma que teremos a encruzilhada ali, girando através dos mundos, convergindo como duas serpentes - uma em tempo telúrico e a outra através de anjos, elementais e espíritos, com uma sede pela manifestação repetida. A Arte tradicional é sempre orientada a partir de uma compreensão profunda, e da aceitação de como o ponto e o círculo são mediados por um milhão de tons, como o arco-íris e as escalas de cinza ...
Esta origem complexa também resulta em acusações de elitismo, direcionadas aos poucos grupos tradicionais da Arte que escolheram mostrar uma face pública por algum tempo. Esse elitismo é muitas vezes entendido em premissas modernas, que define uma "elite " como algo superior, enquanto se refere simplesmente sobre eleitos pelo sangue e ancestralidade. Isso não quer impor uma polaridade de superioridade e inferioridade a qualquer um, mas de parentesco ou não-parentesco. O fato de que você nunca possa pedir para ser introduzido em um clã fechado - e ter que ser convidado pelo reconhecimento de consanguinidade - provoca a alguns devido a um sentimento infeliz de inferioridade. A partir deste complexo de inferioridade e desejo velado na alienação, vemos criaturas rastejando para fora de seus buracos, pregando alguns evangelhos estranhos. Eles querem formar federações e querem reunir seguidores - tudo em nome de inferioridade e injustiça - ainda que o evangelho soe diferentes nas palavras que abrangem os complexos que estão exercendo.
A Arte propriamente pode assumir muitas formas, de caminhos solitários a adoção de uma forma de guilda ou ordem como aprendiz, caminhante e mestre, assim como um membro de um clã. No coração da Arte, encontramos ainda o mistério que liga tudo isso – relaciona-se à terra feita fértil pelas estrelas, anjos e todas as suas implicações. É neste mistério, simples e grandioso, que se estende ao centro da terra, da mesma forma que ao ponto imóvel nos céus, que encontramos a Arte - e aqui se encontra a explicação da diversidade. Terra e a esfera se comportam de maneiras diferentes, de região para região, como fizeram ao longo do tempo. Nisto encontramos a fluidez da Arte, como o Único Mistério possui mil caminhos. A Arte segue as leis silenciosas da Natureza - não da sociedade ou a ordem cívica. Ela fala da grandeza da Terra e dos muitos sábios que deram o seu sangue, ossos e carne à terra. A Arte fala na voz de terra, dos lugares selvagens, dos anjos e ancestrais - e como esta lingua ser "humana"? Esta é uma linguagem que fala com sua alma e agita seu coração!
Acredito que muitos dos delírios modernos sobre a Arte decorram de nossa ordem cívica que insiste em valores artificiais e mundanos. Os que buscam, perdidos neste assalto à natureza se sentirão ainda mais perdidos, e suas alienações serão dolorosamente evidentes à medida que tentam chamar os espíritos de uma terra agora coberta de concreto, asfalto e vidro. Um jardim dá consolo nessa alienação - e se você cuidar bem do jardim e dos espíritos, eles irão falar com você – mas na falta de até mesmo esse pequeno pedaço de terra abençoada, a pessoa estará perdendo uma parte importante da Arte propriamente.
Tenho afirmado através meu livro Artes da Noite (Editora Rosa Vermelha), que a bruxa é uma imagem poética de um legado que pertence a todos nós - e acredito que isso seja muito verdadeiro. Porém, este legado fala através da terra e do espírito, assim como era e é agora. Precisamos buscar esse legado nas nascentes e bosques, nas cavernas e lugares selvagens. É aqui, nos domínios da Natureza selvagem que esse legado é encontrado - não em federações, ou nas nefastas condenações e exaltações, ou em brigas sobre crenças. A Arte fala sobre a voz pura da natureza, assim como ela fala do sangue e o estimula a ser sábio para encontrar a sua paz.
Tradução do original publicado em Speculum Celestae, de Nicholaj de Mattos Frisvold
Fonte: Speculum Celestae [tradução divulgada no blog Diablerie, entrada do dia 18/01/2011]
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