O fenômeno religioso manifestou-se e concretizou-se sob duas formas opostas e contraditórias. Uma ligada ao mundo da natureza, a outra ligada ao mundo da cidade.
A religião da natureza representa o conjunto dos esforços do homem para compreender a natureza, para harmonizar-se com ela, penetrar-lhe os segredos, cooperar na obra dela. Nessa aproximação não há separação do domínio corporal do domínio intelectual e espiritual, o corpo é o instrumento de todas as realizações humanas e deve ser tratado como tal.
Nessa religião, somente aqueles que compreendem o mundo natural, que se identifica com ele, que ocupa um lugar entre as árvores e animais é que pode se aproximar do mundo dos espíritos e dos Deuses. Para o homem consciente de que a natureza é a própria forma do divino, todo ser, toda vida, todo ato ganha um caráter sagrado, torna-se um rito, um meio de comunicação com o mundo astral. A alegria e sobrevivência do homem dependem da realização do lugar que ele ocupa entre os seres vivos - como espécie - e entre os homens - como indivíduo. Quando o homem atribui a si um papel que não é o seu na sociedade, ele se torna um inimigo da sociedade; quando atribui a si um papel de predador, um inimigo das outras espécies, ele se torna um inimigo dos Deuses.
A religião das cidades, da sociedade dos homens, impõe sanções divinas a convenções sociais, erige leis humanas em atos sagrados, serve de desculpa às ambições humanas para dominar e usar a natureza, promove a prepotência humana em detrimento à outras espécies, até as supranaturais.
Essa religião adquiriu esse caráter antropocentrista surgiu sob a influência das concepções religiosas rudimentares dos conquistadores nômades. Os povos nômades não tem verdadeiro contato com a natureza, não vivem em comunidade com os outros seres, a não ser os que dominaram ou domesticaram e por isso eram mais predispostos ao monoteísmo. Qualquer religião que considera seus fiéis como eleitos que pretendem ter recebido de um deus o direito e o dever de propagar suas crenças, seus costumes e destruir ou sujeitar os 'incrédulos' é uma impostura.
Quer se trate do brahmanismo, do zoroastrismo, do budismo, do judaismo, do cristianismo, do islamismo, sempre se encontrará a mesma oposição à Religião Antiga. Uma das armas dessa religião é a tirania moral, baseada em dogmas que lhes permitem disciplinar o homem, opor-se à sua realização. O puritanismo é totalmente desconhecido no mundo natural, a perseguição à sexualidade é uma técnica característica de todas as tiranias patriarcais, sejam estas políticas ou religiosas. O poder secular ou sacerdotal autoritários são incompatíveis com a liberdade necessária a toda pesquisa, seus sacramentos são apenas ritos sociais, sua moral reduz-se a uma perseguição do sexual que faz daqueles que suportam tal tirania em seres frustrados, agressivos e perigosos.
Texto composto a partir do livro: Shiva e Dioniso de Alain Danielou, pg 7-12.
Nota: Nossa espécie tem por característica a necessidade de viver em grupos e disso se desenvolveram a sociedade, a cidade e a civilização. Paradoxalmente faz parte de nossa natureza e, portanto, é igualmente uma forma do divino. Nós vivemos em um mundo dual e celebramos a Polaridade Divina. Coisas opostas não são necessáriamente antagônicas e conflitos poderiam ser resolvidos sem violência.
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