Ninguém pode viver senão destruindo a vida, senão matando outros seres vivos. Nenhum ser pode subsistir sem devorar outras formas de vida, vegetal ou animal. Isso é um aspecto fundamental da natureza. Toda a vida do mundo, animal ou humana, é uma interminável matança. Existir significa comer e ser comido. Todo ser vivo alimenta-se de outros seres e irá se tornar o alimento de outros seres num ciclo interminável.
Já que ninguém pode existir sem se alimentar da vida de outros seres, deve-se assumir a responsabilidade perante a si mesmo e perante aos Deuses que o quiseram assim. Para associar os Deuses aos nossos atos, é necessário ultrapassarmos a fase instintiva, ritualizarmos o ato de matar como o ato de amor. Para partilhar com os Deuses as responsabilidades do ato fratricida pelo qual somos obrigados, para sobreviver, a devorar outros seres vivos, devemos oferecer-lhes vítimas em sacrifício. Nós devemos oferecer aos Deuses as primícias das colheitas, o primeiro bocado de todo alimento. Nós devemos matar diante deles o animal que devoraremos.
Somente se nos conscientizarmos do valor de nossos atos, realizando a vontade do Deus que quis que a vida só subsistisse pela morte, pelo assassinato, é que poderemos limitar os seus efeitos, representar a parte que nos cabe na harmonia do mundo. Só então poderemos evitar ultrapassarmos nosso papel e evitar as hecatombes que sobrevêm quando se pretende ignorar a verdadeira natureza do homem e do divino.
O homem só deveria comer a carne de animais que ele mesmo ritualmente sacrificou, tomando os Deuses como testemunhas da crueldade de um mundo onde a vida é possível apenas destruindo-se a vida e representando assim honestamente seu papel na harmonia do mundo, sem falsa sensibilidade nem hipocrisia.
Toda religião baseia-se na noção de sacrifício e consumo da vitima sacrificada, seja a vítima vegetal, animal ou humana. Nosso corpo é apenas um cemitério e servirá em sua totalidade, material ou mental, de alimento a outros seres vivos.
A crueldade, por ser um dos elementos constituintes fundamentais do mundo, faz parte da natureza de todo ser vivo, de um modo mais ou menos secreto. O gosto pela violência, pela morte, está sempre latente em todas as sociedades.
Nós não podemos lutar com eficácia contra uma dessas formas do instinto, da necessidade de crueldade e aceitar outras. Um dos objetivos dos sacrifícios sangrentos é canalizar esse instinto, enfrentá-lo, invocar dos Deuses o testemunho da nossa crueldade, vacinarmo-nos contra suas formas perversas. Os sacrifícios, que satisfazem nossa necessidade subconsciente de crueldade, juntamente com o estabelecimento de um sistema social que dá lugar a todas as raças, crenças, desvios, evita a dominação ou a perseguição de um grupo em relação a outro, são talvez a única maneira de estabelecer o equilíbrio e o desenvolvimento de uma sociedade justa e humana.
Texto composto a partir do livro "Shiva e Dioniso" de Alain Danielou, pg 145-146, 155-156.
Já que ninguém pode existir sem se alimentar da vida de outros seres, deve-se assumir a responsabilidade perante a si mesmo e perante aos Deuses que o quiseram assim. Para associar os Deuses aos nossos atos, é necessário ultrapassarmos a fase instintiva, ritualizarmos o ato de matar como o ato de amor. Para partilhar com os Deuses as responsabilidades do ato fratricida pelo qual somos obrigados, para sobreviver, a devorar outros seres vivos, devemos oferecer-lhes vítimas em sacrifício. Nós devemos oferecer aos Deuses as primícias das colheitas, o primeiro bocado de todo alimento. Nós devemos matar diante deles o animal que devoraremos.
Somente se nos conscientizarmos do valor de nossos atos, realizando a vontade do Deus que quis que a vida só subsistisse pela morte, pelo assassinato, é que poderemos limitar os seus efeitos, representar a parte que nos cabe na harmonia do mundo. Só então poderemos evitar ultrapassarmos nosso papel e evitar as hecatombes que sobrevêm quando se pretende ignorar a verdadeira natureza do homem e do divino.
O homem só deveria comer a carne de animais que ele mesmo ritualmente sacrificou, tomando os Deuses como testemunhas da crueldade de um mundo onde a vida é possível apenas destruindo-se a vida e representando assim honestamente seu papel na harmonia do mundo, sem falsa sensibilidade nem hipocrisia.
Toda religião baseia-se na noção de sacrifício e consumo da vitima sacrificada, seja a vítima vegetal, animal ou humana. Nosso corpo é apenas um cemitério e servirá em sua totalidade, material ou mental, de alimento a outros seres vivos.
A crueldade, por ser um dos elementos constituintes fundamentais do mundo, faz parte da natureza de todo ser vivo, de um modo mais ou menos secreto. O gosto pela violência, pela morte, está sempre latente em todas as sociedades.
Nós não podemos lutar com eficácia contra uma dessas formas do instinto, da necessidade de crueldade e aceitar outras. Um dos objetivos dos sacrifícios sangrentos é canalizar esse instinto, enfrentá-lo, invocar dos Deuses o testemunho da nossa crueldade, vacinarmo-nos contra suas formas perversas. Os sacrifícios, que satisfazem nossa necessidade subconsciente de crueldade, juntamente com o estabelecimento de um sistema social que dá lugar a todas as raças, crenças, desvios, evita a dominação ou a perseguição de um grupo em relação a outro, são talvez a única maneira de estabelecer o equilíbrio e o desenvolvimento de uma sociedade justa e humana.
Texto composto a partir do livro "Shiva e Dioniso" de Alain Danielou, pg 145-146, 155-156.
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