terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Let the girls rock!

Por Glauber Piva.

Há doze anos, o Girls Rock Camp Brasil transforma o cotidiano de meninas e adolescentes em Sorocaba. Liderado pela incansável Flávia Biggs, em 2025, entre os dias 13 e 18 de janeiro, a iniciativa alcançou um marco extraordinário: com o apoio de quase 100 voluntárias, o projeto reuniu 96 meninas por cinco dias na escola pública Júlio Bierrenbach. Ali, entre oficinas, ensaios e trocas afetivas, elas descobriram não apenas o poder da música, mas também o de suas próprias vozes. O ponto alto da experiência foi a apresentação de 16 bandas no ginásio do SESC Sorocaba, uma celebração pública de criatividade, autonomia e transformação.

Sensibilidade e reconexão

A proposta do Girls Rock Camp vai além do aprendizado técnico de instrumentos ou da composição de músicas. O que está em jogo é a criação de um espaço de sensibilização, onde as participantes aprendem a sentir, a se conectar com suas histórias, suas emoções e seus desejos, e a se expressar de maneiras que lhes foram sistematicamente negadas. Essa formação passa pela ampliação da percepção de si mesmas e de sua relação com o outro, com o espaço público e com os desafios coletivos, reforçando a autonomia e o senso de pertencimento.

A escolha dos espaços – uma escola pública e o ginásio do SESC – é emblemática. Esses lugares, muitas vezes marcados por dinâmicas de exclusão ou passividade, tornam-se territórios de criação e poder. A apresentação das 16 bandas no SESC Sorocaba, resultado de cinco intensos dias de trabalho, é um ato político e performático que transcende a música: é a afirmação de que, mesmo em tempos de tanto obscurantismo e violência, meninas podem ocupar o palco e o mundo, sendo ouvidas e vistas em suas potências.

Voluntárias: a rede que faz diferença

O envolvimento de quase 100 voluntárias é outro aspecto essencial do projeto. Mulheres de diversas formações dedicam seu tempo e expertise para compartilhar conhecimentos, apoiar as participantes e construir um ambiente acolhedor e inspirador. Esse ato de solidariedade intergeracional é um exemplo vivo de como a educação sensível se manifesta e fortalece a noção de que a emancipação é um processo coletivo e que, juntas, as mulheres podem reescrever narrativas de exclusão.

Um ato revolucionário no cotidiano

No Girls Rock Camp Brasil, a revolução acontece no cotidiano. Mais do que um evento musical, é uma prática de formação política que atua diretamente nos sentidos, uma verdadeira experiência de educação política dos sentidos. Ao permitir que meninas ocupem espaços historicamente negados às mulheres no universo da música – especialmente no rock, gênero associado a uma masculinidade dominante – o projeto subverte normas e ressignifica territórios sociais e culturais.

O que poderia ser uma simples oficina de música transforma-se em uma experiência que amplia horizontes e reconfigura identidades. Para as 96 meninas que participaram este ano, tocar um instrumento ou subir ao palco talvez tenha sido um ato de coragem e descoberta. Mas, para além disso, foi um exercício de ocupar seu lugar no mundo com confiança e criatividade.

O impacto não se restringe às participantes. A presença de meninas tocando rock autoral em um palco como o do SESC Sorocaba inspira novas gerações e provoca reflexões profundas na sociedade sobre gênero, poder e criatividade. É uma mensagem poderosa: o futuro pode ser diferente, e ele começa a ser construído agora, por essas meninas e pelas mulheres que as acompanham.

Apoio de gestores públicos de cultura: um chamado urgente

O Girls Rock Camp Brasil é um exemplo concreto de como a música e a arte podem ser ferramentas poderosas de transformação social e política. Seu impacto ultrapassa os muros da escola e do ginásio, reverberando na comunidade, na cidade e em debates maiores sobre inclusão e equidade.

Por isso, é fundamental que gestores públicos de cultura conheçam e apoiem essa iniciativa. Projetos como este têm um enorme potencial para inspirar políticas públicas que articulem educação, arte e empoderamento. Instituições como a Funarte, secretarias estaduais e municipais de cultura e programas de fomento de empresas públicas e privadas devem olhar para o Girls Rock Camp Brasil como um modelo a ser replicado e ampliado.

Esse tipo de parceria pode garantir recursos para sua sustentabilidade e possibilitar que ainda mais meninas tenham acesso a essa vivência transformadora. O Girls Rock Camp Brasil nos mostra que a cultura pode e deve ser um pilar da formação cidadã. Apostar nessa experiência é investir em um futuro mais sensível, igualitário e criativo. Que o som dessas meninas encontre eco em políticas públicas que sustentem e ampliem essa revolução sensível.

Fonte: https://revistaforum.com.br/opiniao/2025/1/23/girls-rock-camp-brasil-educao-politica-dos-sentidos-172940.html

Nenhum comentário: