sábado, 18 de janeiro de 2025

Denunciando um plano de dominação

Por Zé Barbosa Junior.

O que parece um simples evento religioso pode esconder muito mais do que se imagina. É o caso do “2º Congresso Internacional Legado Cristão” que acontece nos dias 17 e 18 de janeiro (sexta e sábado) no Memorial da América Latina, na Barra Funda, bairro da capital paulista. Em pauta, temas como família, educação e liberdade sob uma perspectiva cristã.

Embora o evento se apresente como um fórum para promover valores cristãos, há de forma inequívoca a promoção da chamada "teologia do domínio", que defende a subordinação das esferas pública e privada aos preceitos religiosos.

A "teologia do domínio" é uma doutrina que prega a necessidade de os cristãos assumirem o controle sobre todas as áreas da sociedade, incluindo governo, educação e cultura, para implementar uma nação sob “princípios bíblicos”. Especialistas alertam que essa ideologia ameaça diretamente a laicidade do Estado e a diversidade religiosa, fundamentais em uma sociedade democrática. A adoção dessa teologia por líderes religiosos e políticos no Brasil tem gerado debates sobre os riscos de uma agenda que busca impor valores religiosos específicos a toda a população.

O evento se apresenta como um “congresso para discussão sobre o papel da família, a essência da educação e o significado da liberdade, tudo sob a perspectiva cristã.” E traz, dentro de suas propostas, “um ambiente dinâmico e inspirador, rodeado por pensadores inovadores e líderes visionários.” Este ano o congresso se reúne sob o tema “Unir propósitos e avançar o Reino”.

A “marca” LEGADO CRISTÃO é um esforço de vários movimentos, atores da sociedade civil, empresas, ministérios que realizam desde o ano de 2024 um congresso anual, mas mantém seminários que acontecem durantes todos os meses em diversos lugares do país, com um único objetivo: disseminar o projeto de “recolocar o Cristianismo nos debates da nossa sociedade para contornar o status quo das ideias hegemônicas desse mundo” a partir de uma tríade que resume todas as ações do “legado”: Família, Educação e Liberdade.

Logo na página oficial de divulgação do Congresso na internet, os organizadores não fazem a mínima questão de esconder os “compromissos” que serão selados no evento, e apresentam uma série de pontos a serem defendidos e divulgados como essenciais na trajetória e no “legado cristão” que o encontro espera deixar. Analisemos apenas alguns deles (são 15 no total).

Apoiar a candidatura política de cristãos.

Leia-se aqui apoiar candidaturas fundamentalistas que defendam pautas moralistas e antiestatais (uma das pautas do Congresso é o “autogoverno”). Duas das principais preleções do evento serão realizadas pelo vereador Gilberto Nascimento, de São Paulo, e a deputada estadual em Santa Catarina Ana Campagnolo, ambos conhecidos pela virulência na defesa de pautas da extrema direita. No 1º Congresso, realizado em 2024, uma das principais falas (que inclusive é exposta na página de divulgação do 2º) foi do ex-procurador e ex-deputado federal Deltan Dallagnol. Dallagnol teve o mandato cassado por uma "fraude" contra a Lei da Ficha Limpa ao pedir exoneração do Ministério Público Federal (MPF) 11 meses antes das eleições, enquanto enfrentava processos internos que poderiam levar à sua demissão — e, em consequência, à sua inelegibilidade.

Incentivar jovens a ingressar em CURSOS-CHAVES para ocupar POSIÇÕES DE INFLUÊNCIA

A tática de ocupar os espaços, explícita na “teologia do domínio”, é incentivada principalmente para a juventude e aqui ocorre uma das muitas aparentes incoerências do movimento, mas que se justifica pelo “produto final” que é a doutrinação massiva da população brasileira: apesar de defensores ferrenhos do homeschooling (falaremos sobre isso mais tarde), há um incentivo para que jovens estudem e se formem como professores nas áreas conhecidas como de “humanas”, principalmente história e geografia (geografia mais analítica) afim de reverterem os “ensinos comunistas e errôneos”, tanto como nas ciências biológicas, cujo objetivo é contrapor o “ensino ateu” que vai de encontro ao criacionismo “bíblico”. Além, principalmente, do curso de Direito, que é um dos principais alvos do “legado cristão”.

Buscar uma relevância social e DENTRO DO PODER PÚBLICO local, regional e até mesmo nacional

Aqui se apresenta mais uma das aparentes incoerências, mas que se trata de uma estratégia muito bem elaborada: ocupar os espaços de poder público para enfraquecer o próprio poder público. Em diversos documentos e falas nas redes sociais e nos eventos, os promotores do “legado cristão” defendem um Estado mínimo e o “autogoverno”, principalmente no que se refere à educação e à cultura (o que favorece o domínio da manipulação e doutrinação para as quais são treinados incansavelmente). Os proponentes do evento são, em sua maioria, inimigos das políticas públicas, principalmente as que buscam o acolhimento e dignidade das minorias de “diversidade” (principalmente comunidade LGBTQIAPN+).

Fortalecer alianças NACIONAIS E INTERNACIONAIS que defendam as liberdades individuais

Em postagem na página do Instagram do evento, uma das principais líderes do movimento no Brasil apresenta de forma efusiva uma matéria publicada recentemente, onde se apresenta um Fundo Cristão formado nos Estados Unidos que gerencia um montante de 20 BILHÕES de dólares, que tem como principal objetivo lutar contra políticas progressistas e da diversidade. Essa já é uma ideia em desenvolvimento no Brasil, a tirar pelos patrocinadores do evento, que é “gratuito”, ou seja, já existe um forte investimento de empresas, empresários, políticos e organizações para a disseminação e fortalecimento dessas ideias fundamentalistas e de dominação evangélica conservadora da política nacional. Estamos em um momento muito delicado.

Envolver-se na divulgação do que é EDUCAÇÃO DOMICILIAR, sua defesa COMO DIREITO HUMANO NATURAL tanto no âmbito estadual como nacional

Essa é uma das principais bandeiras do movimento, abraçada pelos principais organizadores: o chamado homeschooling. Nos últimos anos, o homeschooling – ou educação domiciliar – tem ganhado popularidade em diversos países, incluindo o Brasil. A proposta é educar os filhos em casa, sem a necessidade de frequentar uma escola tradicional, “personalizando” o ensino e “protegendo” as crianças de “influências externas.”

Um dos principais riscos do homeschooling é o isolamento social das crianças. A escola não é apenas um espaço de aprendizado acadêmico, mas também de interação e convivência com outras pessoas, fundamentais para a formação de cidadãos participativos e tolerantes . É nesse ambiente que os alunos desenvolvem habilidades sociais cruciais, como trabalho em equipe, resolução de conflitos e empatia. É sempre bom lembrar o que qualquer estudioso de movimentos sectários e separatistas sabe: uma das principais ferramentas de dominação, manipulação e doutrinação, principalmente de jovens é o isolamento.

Isolando-o do convívio social e da diversidade humana, cria-se fanáticos fundamentalistas capazes de quaisquer coisas para defenderem suas “causas”.

Engajar comunidades locais de fé na formação integral do indivíduo, tanto como pessoa, quanto como cidadão. Em cada comunidade, um centro de formação

Preste bem atenção nisso: “em cada comunidade, um centro de formação”. O objetivo é fazer com que cada “comunidade local de fé” (igreja) se transforme num “centro de formação”. Mas para formar o que? Exatamente a multiplicação de defensores desse modelo de Estado mínimo, precursores de um neoliberalismo extremo carregado de fundamentalismo religioso que fará os neopentecostais (e seu projeto de poder) parecerem crianças indefesas perto de um sistema muito mais complexo e entranhado na sociedade.

Fomentar o legado cristão cultural nas mídias sociais demonstrando os resultados de sua aplicação ao longo do tempo
Já estamos experimentando um pouco desse “legado cristão cultural” exatamente nas ações de Elon Musk e Mark Zuckerberg em retirar de suas plataformas e mídias sociais o sistema de checagem de fatos. É a “pós-verdade” levada ao extremo. Valerá a “verdade” do grupo que detiver o poder. A prosperarem as ideias, ideais e projetos do “legado cristão” (aqui as aspas são necessárias, pois o Cristo nunca pregou um projeto de poder), é bom que nos preparemos para a total ausência do contraditório, do debate político e a instauração de uma espécie de teocracia bem piorada dos sistemas já conhecidos.

Quem faz a cabeça dessa gente?

Um dos elementos principais para analisarmos os objetivos e processos que esse evento traz a tona é a simples observância de alguns de seus principais palestrantes/pregadores. Principalmente atrelados aos temas que trarão como projeto de pensamento e execução. Como foi dito anteriormente, no 1º Congresso, em 2024 um dos principais oradores foi Deltan Dallagnol. Em eventos diversos da “rede legado cristão” (o Congresso Internacional é apenas o principal evento – outros em “menor escala” acontecem por todo o Brasil e em todo tempo) temos como pensadores Damares Alves a Aaron Pierce (não, não é o ator), executivo da Christian Halls Brasil, uma espécie de difusora de treinamentos em parceria com escolas em todo o Brasil (já atuam em 17 estados). Quais serão então os/as palestrantes do “Legado Cristão 2025”.

Fonte, citado parcialmente: https://revistaforum.com.br/brasil/2025/1/15/evento-em-sp-escancara-plano-de-dominao-evangelica-para-brasil-172468.html

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