Não há Entrudo sem tropelias. Em Podence, aldeia do concelho de Macedo de Cavaleiros, nada, ou quase nada, detém os bandos de Caretos que todos os anos saem para as ruas em desenfreadas correrias, perseguindo as moçoilas para as “chocalhar”.
Talvez mais do que em qualquer outro lugar, o carnaval de Podence é uma elegia do movimento. Nos dias grandes da festa os Caretos só param para se dessedentar ou para combinarem mais uma investida sobre o Largo da Capela, a pequena praça da aldeia onde a gente do lugar e um punhado de forasteiros curiosos se juntam para assistir ao ritual. E como em todas as culturas e latitudes onde se celebra a funçanata, o mote da agitação está impregnado de um desígnio de licenciosidade, feição que tem pai e mãe na dualidade profana e religiosa da tradição: tanto desvario serve para despedida do Inverno e para anunciar a chegada da Primavera (em Podence, os foliões costumam contar com a benção assídua do sol), por um lado, e, por outro, para marcar (em excessos que supostamente se filiam nas antigas saturnais romanas, festas de homenagem a Saturno, deus das sementeiras) o início da Quaresma, um período de contenção no calendário religioso cristão.
As poucas centenas de habitantes de Podence ainda colhem uma parte substancial do seu sustento da actividade agrícola, cereais e castanha, essencialmente, ainda que nos últimos anos a oliveira tenha vindo a ganhar terreno. Nos difíceis anos da agonia do antigo regime e nos que se seguiram à revolução de Abril, a emigração sangrou uma boa parcela da população e o fenómeno teve as suas consequências tanto na dimensão das actividades agrícolas como na garantia de continuidade de tradições como as dos Caretos.
Nas festas do Entrudo, é a máscara que confere todo o poder. Às iras dos Caretos endiabrados ninguém se atreve a opôr-se. Apenas as Matrafonas (raparigas disfarçadas de homens, ou vice-versa) são poupadas à sumária justiça carnavalesca, assaz singular no caso da aldeia transmontana: os demónios mascarados lançam-se ao assalto das moças e, encostando-se a elas, ensaiam uma dança um tanto erótica, agitando a cintura e fazendo embater os chocalhos que trazem pendurados contra as ancas das vítimas. Rápido se aprende o que há a fazer: não resistir e deixar o corpo ser levado no balanço do ritual, a única forma de amenizar as nódoas negras.
Na investida bárbara que faz ecoar por toda a aldeia o alarido dos chocalhos e o tropel surdos dos passos, os Caretos levam tudo pela frente, indistintamente. É um modo de dizer: por detrás da máscara de latão os olhos em fogo procuram muitas vezes, confessam, “as moças mais apetecidas”, as da terra ou as que de fora vêm — ainda que inadvertidamente — para o sacrifício.
Dica dada pelo Caturo [Gladius]
Fonte: Bragança Net [link morto]
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