O Mahashivaratri é um dos maiores festivais religiosos ocorridos na Índia. Festejado não só por adeptos da Tradição Shaiva, esta celebração é comemorada em vários locais do continente pan-indiano.
Na Índia, onde os devotos de Shiva são inúmeros, costuma-se observar – de acordo com o Shiva-Purána –, todos os meses, o Shivaratri, dia dedicado ao Senhor Shiva, na décima quarta noite da lua, i.e. o último dia da lua minguante. Essa devoção inclui jejum e cânticos devocionais.
O Mahashivaratri é um grande Shivaratri. Grande porque nesse período do ano, que se situa entre fevereiro e março, o poder exercido pela lua (negra), no último dia da lua minguante, é menor, em relação ao resto do ano. Daí a grande celebração.
O aspirante espiritual, aquele que se esforça para obter purificação e transformação interna, vê na comemoração desse evento uma oportunidade de entrega, através do jejum, da dança e da repetição do Nome do Senhor Shiva, entoando mantras e cânticos devocionais.
Inúmeros grupos distintos de devotos ao Senhor Shiva realizam a cerimônia de adoração (pújá) em uma extraordinária festa noturna. Os Páshupatas, Aghorís, Kápálikas e Kálámukhas, adeptos mais radicais da tradição Shaiva, comemoram o Mahashivaratri intoxicados por uma bebida inebriante chamada thandai (a base de cannabis, amêndoas e leite), cantando mantras, bhajans e kirtans enquanto dançam ao ritmo dos tambores. Lembranças de uma aurora xamânica.
A prática de cantar e louvar ao Senhor Shiva, por si, já tem o poder de acalmar a mente inquieta. Essa mesma prática, realizada com fervor na noite em que a lua tem mínima ascendência sobre a mente, tem seu valor potencializado. Por meio dela, a mente pode ser pacificada, para que a Luz Divina possa penetrar sem a resistência do ego.
Esta noite é sagrada porque é o dia em que Shiva toma a forma de Lingam, para benefício dos devotos. Portanto, nesta noite, os devotos do Senhor Shiva praticam a contemplação sobre o atmalinga ou jyotilinga, i.e. o símbolo da Suprema Luz da Sabedoria, e se convencem de que Shiva está no íntimo de cada um. A realização do abhisheka (banho sagrado no Shivalingam) e do agnihotra (cerimônia do Fogo Sagrado), torna explícita esta mensagem.
Na auspiciosa ocasião em que acontece o Mahashivaratri, é dito que o Senhor Shiva perfaz sua dança extática de realização. Neste feito, o Senhor é conhecido como Shiva Natarája. A dança simboliza a emoção da auto-realização para além dos reinos de vigília, sonho e sono profundo. Além das experiências do corpo e suas percepções, da mente e dos sentidos, do intelecto e dos pensamentos. Para além disso tudo o Senhor Shiva Natarája provê seus devotos com uma intoxicante dança de suprema bem-aventurança.
O Senhor Shiva
O Senhor Shiva – que significa “O Auspicioso” – é a terceira pessoa da Trimurti ou Trindade Hindu, e personifica o aspecto Destruidor ou Transformador de Deus. Shiva domina a energia de tamas, que representa a inércia ou ignorância e deve ser eliminada para que haja a renovação.
Muitas vezes, Shiva é tratado não só como o Destruidor ou o Transformador da Trimurti hindu, mas sim o próprio Absoluto, sendo denominado Maheshvára (Grande Senhor do Universo), Paramashiva (Consciência Cósmica), Páshupati (Senhor das Bestas), Natarája (Dançarino Cósmico), Bhairava (o Terrível), Dakshinamurti (o sábio que ensina em silêncio) etc., de acordo com a tradição.
Geralmente, o Senhor Shiva é representado como um renunciante vestido com peles de animais e adornado com cinzas, serpentes e colares de rudrákshas. Essa é a imagem personificada mais popular que apareceu primeiro nas upanishads e nos puránas. Estas escrituras idealizaram a imagem de Shiva que crescia (1500 a.C. a 100 d.C.) como um Deus soberano, que, como asceta, propunha a perfeição como meta de vida. Na Shvestáshvatara Upanishad, Shiva designa o arcaico Rudrá védico. Literalmente, Rudrá significa ‘trovão’, mas o nome denota ‘rugido’, ‘grito’. Este rugido expressa à fúria da tempestade com seus assustadores trovões. A partir desta aparição, Shiva se converte na versão benigna das forças mais assustadoras da natureza, alojadas no interior de todos os seres humanos.
Outra importante forma de Shiva é o Shivalingam. O culto a Shiva na forma do Lingam é o ponto alto no Mahashivaratri. A palavra lingam (ou linga) significa ‘símbolo’ ou ‘aquilo através do qual se pode ver outra coisa’. O Shivalingam é uma das mais sutis representações de Deus conhecidas pela humanidade. Trata-se de uma pedra em formato de elipse (ovalada) que, tendo uma configuração “abstrata”, tanto pode representar o Absoluto sem forma, quanto o Senhor dotado de atributos.
Por não ter uma forma humana ou animal específica, o lingam indica que Deus é sem atributos, estando além de qualquer limitação ou definição. Mas, como possui um formato básico, também mostra que o Senhor pode assumir a forma que desejar, como realmente o faz, ao se manifestar em toda a Criação. Ele simboliza todo o processo de Criação, Manutenção e Destruição do Universo, pois, do Sem Forma nascem todas as formas, que por fim, voltam a se dissolver no Absoluto.
Na intenção de reverenciar o Senhor Shiva, inúmeros devotos realizam as peregrinações aos doze jyotilingas. Um jyotilinga ou jyotilingam é um santuário onde o Senhor Shiva é adorado na forma de um lingam de luz. Na Índia existem doze santuários de peregrinação. Acredita-se que uma pessoa pode ver esses lingas como colunas de fogo através de perfuração no planeta depois que ele atinja um nível mais elevado de realização espiritual.
Fonte: Erick Schulz [link morto]
Nota da casa: Infelizmente, como é de se esperar, a belíssima cerimônia sagrada apenas foi noticiada pela imprensa local por que os sadhus fumam cannabis sativa.
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