Para conhecer a verdade a respeito desses povos antigos, deve-se estudá-los sem pensar em nós, como se nos fossem completamente desconhecidos, com o mesmo desinteresse e liberdade de espírito com que estudaríamos a Índia antiga ou a Arábia.
Encaradas desse modo, a Grécia e Roma apresentam-se-nos com um caráter absolutamente inimitável. Nada do que é moderno lhes é semelhante. E no futuro nada poderá ser-lhes semelhante.
As grandes transformações, que de tempos em tempos aparecem na constituição das sociedades, não podem ser efeito do acaso, ou apenas da força. A causa que as provoca deve ser poderosa, e essa causa deve estar no próprio homem.
A história da Grécia e de Roma é testemunha e exemplo da estreita relação que há entre as idéias da inteligência humana e o estado social de um povo.
Mas, à frente dessas instituições e dessas leis, colocai as crenças, e os fatos tornar-se-ão claros e sua explicação tornar-se-á evidente. Se, considerando as primeiras idades dessa raça, isto é, a época em que fundou suas instituições, observamos a idéia que fazia então da criatura humana, da vida, da morte, da segunda existência, do princípio divino, percebe-se íntima relação entre essas opiniões e as regras antigas do direito privado, entre os ritos que se originaram dessas crenças e as instituições políticas.
A comparação das crenças e das leis mostra que a família grega e romana foi constituída por uma religião primitiva, que igualmente estabeleceu o casamento e a autoridade paterna, fixando as linhas de parentesco, consagrando o direito de propriedade e de sucessão. Essa mesma religião, depois de estabelecer e formar a família, instituiu uma associação maior, a cidade, e predominou sobre ela como o fazia na família. Dela se originaram todas as instituições, como todo o direito privado dos antigos. Da religião a cidade tirou seus princípios, regras, costumes e magistraturas.
É necessário, portanto, estudar antes de mais nada a crença desses povos. As mais antigas são as que devemos conhecer melhor, porque as instituições e crenças que encontramos na época áurea da Grécia e de Roma nada mais são que a evolução de crenças e instituições anteriores; é necessário que busquemos as raízes em um passado bem longínquo. Foi em época mais antiga, em uma antiguidade que escapa às datas, que se formaram as crenças e se estabeleceram e prepararam as instituições.
Felizmente, o passado nunca morre por completo para o homem. O homem pode esquecê-lo, mas continua sempre a guardá-lo em seu íntimo, pois o seu estado em determinada época é produto e resumo de todas as épocas anteriores. Se ele descer à sua alma, poderá encontrar e distinguir nela as diferentes épocas pelo que cada uma deixou gravada em si mesmo.
Autor: Fustel de Coulanges - A Cidade Antiga
Fonte: Ebooks Brasil
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