«Tal como aconteceu entre outros povos indo-europeus, também os Lusitanos tinham bosques e plantas sagradas. Hoje, a sua tradição perpetua-se nos galheiros com oferendas, que enfeitam os cortejos ou os bazares em dias festivos. A cornalheira do sul teria sido um arbusto sagrado, a julgar pelas histórias dos pastores. O mesmo podemos dizer do trovisto, que é considerada também como venenosa. Mas as árvores mais importantes entre as sagradas seriam o carrasco e o carvalho. O mesmo aconteceu com os Celtas, o que não é de estranhar dada a origem comum e formas de actividade sócio-económica, na fase do pastoreio. Também os Celtas se reuniam em bosques de carvalhos.
Talvez haja aqui uma referência ao simbolismo mágico-religioso do carvalho, que segundo Máximo de Tiro era o símbolo de Zeus, adorado pelos Celtas. O carvalho seria, pois, uma árvore cósmica, que ligaria a Terra ao Céu e ao Inferno. Era sinal de força, carácter que ainda não perdeu.
Alguns ditos populares podem mergulhar remotamente a sua origem nestes cultos. Por exemplo: "Se queres bolota, trepa", com o significado: "Se queres vencer, esforça-te!"Outras plantas teriam valor mágico-religioso: a artemísia, o alecrim, a bela-luz, o rosmaninho.
Simplesmente, então, a palavra era outra, significando o mesmo. Já dissemos que o radical "Carr" é dos mais antigos da língua portuguesa. "Carrasco" será um nome muito primitivo, significando o mesmo que Izeda. O topónimo "Carrazeda" reúne estas duas palavras com o mesmo significado: "Carr"+"Izeda". Algumas tribos de origem céltica, como os Eburones, os Eburovices e os Lemovives (radicais "bor" e "lem") estariam relacionadas com os nomes de árvores. E não seria só o carvalho mas o olmo ("Lemovives"), o azevinho, a sorveira, árvore rosácea de grande culto entre os Celtas irlandeses, medronheiro, etc.... Junto de muitos santuários plantaram árvores. Ainda hoje, na frente de muitas das nossas igrejas paroquiais ou de santuários de peregrinação, levanta-se uma velha árvore, que é motivo de estima e que representa sucessivas replantações da mesma planta. Em outro capítulo já nos referimos à azinheira da Senhora da Estrela, cujas bolotas serviam de remédio. Esta azinheira ficava junto da ermida.
Na Beira Alta, o negrilho é a árvore que simboliza estes cultos. Quando alguma desgraça os atinge (raio ou seca) as populações sofrem.
Não sabemos qual era a palavra na língua lusitana que significava "santuário". Há quem proponha "Carns", no sentido de altar. Em Céltico diz-se "Nemeton", que deu entre os Anglo-Saxónicos "Nimida". Na Galiza havia uma cidade chamada Nemetobriga. Os Romanos designavam os bosques sagrados por "Nemus" ou "Lucus". O radical "Nem" é comum a várias línguas indo-europeias. Significaria o Céu e "Namas", veneração. Não nos repugna aceitar que seja a palavra "Carns", pois o radical "Car" é dos mais antigos da nossa língua. A palavra "Ermida" tem semelhanças com "Nimida". O culto das árvores testemunha-se também pelos ramos que, em ocasiões difíceis, os povos do interior da Hispânia, particularmente os Celtiberos, levavam erguidos em sinal de rendição e pedido de paz.
As flores de amendoeira que as noivas depositam nos altares são aspectos desse culto às árvores. Na Grécia antiga a coroa de loiros e de carvalho adornava a fronte dos heróis.(...)
Os cristãos reagiram às árvores culturais pagãs e por isso passaram a abatê-las, como se vê pela lenda de S. Germain. (...) Também a toponímia regista muitos nomes que podem expressar sobrevivências de um culto à árvore: "Carrazeda" ("Carr"+"Izeda"), Izeda, Carvalhal, Carvalho de Égas, Carvalheira, Souto, Nespereira, Vale do Olmo, Pinheiro, Pinhel, Sobral, Sobreiro, Avelãs, Codeceiro, Figueira, Figueiredo, Abrunhosa, Marmeleiro... os brasões de algumas vilas e cidades, assim como o de famílias nobres, servem-se de símbolos que representam árvores.
(...)
Em Dadim, freguesia de Cimo de Vila da Castanheira, Chaves, há a caminho da igreja de S. João um venerando carvalho, conhecido por Carvalho da Missa. Muitos outros exemplos podem ser citados como exemplos de cristianização de cultos pagãos. (...)»
In «Os Lusitanos - Mito e Realidade», de Adriano Vasco Rodrigues, Academia Internacional da Cultura Portuguesa, 1998.
Fonte: Gladius
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