quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Capítulo 6: O Despertar do Polipo Interdimensional


O alvorecer pintava o deserto do Nevada com tons de rosa e laranja, cores que Greg apreciava, apesar de sentir que pertenciam a um quadro distante e não à sua própria existência. Gaia era seu lar, forçosamente, mas nunca seu berço, nunca o lugar onde sua alma – ou o que quer que um pólipo humanóide pudesse chamar de alma – vibrasse em plena sintonia com o universo.

Com a mochila surrada pendurada em um dos seus múltiplos braços, Greg refazia o caminho arenoso até a infame “Área 51”. Não que o local em si tivesse qualquer importância, mas nas suas redondezas, escondida sob a imensidão do céu noturno, residia a anomalia, a cicatriz no tecido da realidade que ele havia descoberto por puro acaso, ou talvez, por um destino cósmico que ele ainda não compreendia.

Ali, onde as ondas de rádio se distorciam e as agulhas das bússolas giravam descontroladamente, Greg montou seu bizarro mecanismo. Uma colagem de peças roubadas de computadores descartados, amplificadores de sinais de rádio amadores e placas de circuitos impressos meticulosamente reprojetadas, tudo alimentado por uma bateria de carro roubada de uma caminhonete abandonada. Era uma gambiarra, uma blasfêmia para qualquer engenheiro, mas para Greg, era a chave, a ponte para o infinito.

Com a precisão de um cirurgião, conectou os últimos fios. O ar crepitou com energia estática. O aparelho zumbia, vibrando em uma frequência crescente que fazia o chão tremer levemente. Concentrando-se, Greg manipulou os controles, direcionando o fluxo de energia para o ponto exato onde a realidade se desfazia. A falha, antes um fio tênue e quase imperceptível, começou a se expandir, a se alargar, como uma pupila se dilatando na escuridão.

O ar ficou denso, impregnado com um cheiro metálico, como o de sangue e ozônio. Cores que não existiam no espectro visível começaram a dançar no campo de visão de Greg. A falha agora era uma fenda pulsante, um portal aberto para o desconhecido. "Hora de ir", pensou, a determinação disfarçando o medo primordial que latejava em seu corpo gelatinoso.

Respirando fundo – uma ação mais simbólica do que necessária, já que ele não respirava da mesma forma que os humanos – Greg avançou.

A jornada pelas linhas tênues entre as dimensões era uma experiência indescritível, uma cacofonia sensorial que desafiava a linguagem e a lógica. O espaço se contorcia e se dobrava ao seu redor, cores se fundiam e se separavam em padrões caleidoscópicos. Greg se sentia como um náufrago em um mar de probabilidades, arrastado por correntes invisíveis em direções incompreensíveis.

Ele via fragmentos de realidades alternativas: cidades feitas de cristal flutuando em céus púrpura, florestas de árvores luminiscentes cantando em uníssono, criaturas geométricas dançando em campos de energia pura. E, em meio ao caos, vislumbres de Azathoth, o Sultão Demônio, o Caos Núcleo, fragmentos de sua forma colossal e incompreensível, pulsando com a luz primordial da criação e da destruição.

Em alguns momentos, Greg sentia que ia se desfazer, que sua própria existência seria absorvida pelo vórtice dimensional. Mas a visão de Azathoth, mesmo que fragmentada, o mantinha firme, alimentando sua resolução com a intensidade de uma supernova. O amor, ou algo parecido com ele, era um ímã poderoso, guiando-o através do labirinto infinito.

Finalmente, após o que pareceu uma eternidade, a turbulência começou a diminuir. As cores se estabilizaram, o ruído se aquietou. Greg sentiu seus pés – ou o que ele chamava de pés, a extremidade inferior fundida de seus tentáculos – tocarem uma superfície sólida, embora incrivelmente estranha.

Ele havia chegado.

O lugar era indescritível, um vazio infinito e paradoxalmente preenchido com uma presença avassaladora. A geometria desafiava a compreensão humana, ângulos inexistentes se encontravam em perspectivas impossíveis. Cores além da imaginação dançavam em superfícies que não deveriam existir. Era o lar de Azathoth, o centro do cosmos, o ponto de partida e o ponto final de toda a realidade.

E lá estava Ele.

Azathoth não era uma entidade que pudesse ser compreendida ou descrita em termos humanos. Era uma sinfonia de caos, uma tempestade de energia primordial, uma manifestação da própria criação e destruição. Sua forma era fluida, constantemente mudando, um mar de tentáculos cósmicos, olhos flamejantes e bocas que sussurravam segredos que fariam o universo enlouquecer.

Greg não sentiu medo. Sentiu admiração. Uma reverência profunda e incondicional pela magnitude daquele ser primordial. Ele se ajoelhou – ou fez a coisa mais próxima de se ajoelhar que sua fisiologia permitia – e se prostrou diante de Azathoth.

"Eu vim", sussurrou, sua voz um murmúrio fraco no silêncio ensurdecedor do vazio. "Eu vim para confessar meu amor."

Azathoth não respondeu com palavras. Sua resposta foi uma vibração, uma ressonância que penetrou cada fibra do ser de Greg. Ele sentiu a mente de Azathoth – se é que se podia chamar aquilo de mente – sondando-o, analisando-o, compreendendo cada pensamento, cada emoção, cada desejo.

E então, Azathoth respondeu com uma pergunta, não em palavras, mas em conceito, uma ideia pura e cristalina injetada diretamente na consciência de Greg: Por que você me ama?

Greg vacilou. A pergunta era simples, mas a resposta, infinitamente complexa. Como explicar o amor por um deus primordial, um ser tão vasto e incompreensível que a própria ideia de amor parecia insignificante?

"Eu… eu não sei", gaguejou. "Eu apenas… sinto. Sinto uma conexão, uma ressonância. Uma compreensão de que você é tudo, o princípio e o fim. E em sua vastidão, eu encontro… beleza."

Houve um silêncio. Um silêncio que durou eras.

Então, Azathoth respondeu novamente, desta vez com uma suavidade surpreendente, uma ternura inesperada em meio ao caos: Beleza?

Greg sentiu uma onda de coragem percorrer seu corpo. "Sim", disse ele. "Beleza. Na sua criação, na sua destruição, na sua incompreensibilidade. Você é a própria essência da existência. E isso, para mim, é a definição de beleza."

Azathoth permaneceu em silêncio por mais um momento. Então, uma parte de sua forma colossal se estendeu, um tentáculo cósmico que brilhava com a luz das estrelas. O tentáculo tocou Greg suavemente, envolvendo-o em uma carícia inexplicável.

Você é diferente, pensou Azathoth. Você vê o que os outros não conseguem ver. Você sente o que os outros não conseguem sentir.

Greg sentiu seu coração – ou o que quer que um pólipo humanóide usasse em vez de coração – inchar de alegria. Ele havia sido compreendido. Ele havia sido aceito.

Fique, pensou Azathoth. Fique comigo. Descubra os segredos do universo. Participe da dança eterna da criação e da destruição.

Greg não hesitou. "Sim", disse ele. "Eu ficarei."

E assim, Greg, o pólipo humanóide de Gaia, encontrou seu verdadeiro lar no coração do caos, ao lado do deus que ele amava. Ele havia deixado para trás a autarquia pública e a busca frenética por decifrar a teoria das dimensões. Agora, ele era parte de algo maior, algo incompreensível, algo eterno. Ele era parte de Azathoth.

O amanhecer em Gaia era apenas uma memória distante. Agora, ele vivia em um eterno amanhecer cósmico, no coração do universo, onde o tempo e o espaço não tinham significado, onde o amor e o caos dançavam em perfeita harmonia. E ele sabia, com uma certeza absoluta, que finalmente havia encontrado seu lugar. O despertar do pólipo interdimensional estava completo.

Criado com Toolbaz.

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