Por Marcelo Henrique e Marcus Braga.
Em uma fictícia cidade, isolada e distante, chegou um homem de outra cultura, com outros costumes, de paragens distantes. Se vestia de forma diferente, tinha outros hábitos e outras crenças. Resolveu se instalar na cidade a negócios e aos poucos aquela presença incomodava os cidadãos.
O homem era cordial e amigo de todos, mas, mesmo assim, passou a ser vigiado e alvo de desconfiança e afastamento de muitos. No templo daquela cidade só se falava nele… Mas ele não frequentava aquela casa, mas, estando em sua residência alguns tinham visto fotos de algumas divindades diferentes.
Um dia, no púlpito do templo, um falante mais exaltado começou a dizer que os casos recentes de catapora na cidade eram culpa daquele homem. Deveria ser um feiticeiro, um bruxo, um demônio amaldiçoando a comunidade.
E assim, um dia, o muro de sua casa apareceu pichado. Palavras rudes, desclassificantes, violentas. Adiante, num ou noutro comércio, começaram a se recusar a vender para ele. E houve situações em que, passando pela rua, duas, três ou mais pessoas, de dedo em riste ou mãos fechadas em forma de soco, lhe dirigiram impropérios. Até que, em um dia fatídico, transitando do trabalho para casa, ele começou a ser apedrejado.
Caído no chão, ensanguentado, em um momento de alucinações pelos ferimentos, ele começou a enxergar as pessoas que o apedrejavam se converterem em uma feição grotesca, como demônios… À medida em que iam jogando pedras, na sua visão, aquelas foram se convertendo, aos poucos, exatamente no que diziam abominar.
Essa fábula de abertura ilustra a incoerência da intolerância em matéria religiosa que grassa em nosso planeta. Situação, aliás que, no Brasil, não é apenas uma casuística crescente, mas tem sido objeto de normalização.
O caso mais recente, envolvendo uma professora da cidade baiana de Camaçari, apedrejada e xingada por alunos após ministrar aulas de cultura afro-brasileira é chocante. Assim como é estarrecedor perceber o baixo impacto de situações como essa na indignação da população em geral.
Aceitamos que a violência contra visões diferentes da que temos, seja tolerável. Assim, acabamos sendo tolerantes com a intolerância, o que é ainda mais grave quando essa intolerância, a princípio ideológica ou religiosa, se converte em ações criminosas, violentas, abjetas porquanto envoltas em um ódio explosivo. E, quando não, como o caso acima ilustra, coletivo, em que uns contagiam outros no combate “em nome da fé”.
Em sendo o Brasil majoritariamente cristão, tudo o que foge deste padrão hegemônico acaba sujeito a tais apedrejamentos. Os fundamentalismos batem à nossa porta, direta ou indiretamente, no cotidiano, sem que isso, muitas vezes, nos provoque espanto. Já não são mais casos isolados ou arroubos derivados de fanatismo exacerbado. Compõem um estranhíssimo “novo normal” e, para muitos, inclusive aqueles que se pautam pela fraternidade ou solidariedade em geral, não merecem a necessária empatia, como se estivéssemos revivendo o poema de Bertold Brecht (1898-1956), “Primeiro levaram os negros”.
Entristece-nos, profundamente, a falta de empatia e o desrespeito ao humano. E isto se torna, permanentemente, para os que estão despertos, objeto de nossa preocupação para muito além de uma mera questão de solidariedade. Ontem foi a professora. Quem será amanhã?
Fonte, citado parcialmente: https://jornalggn.com.br/cidadania/a-tolerancia-com-a-intolerancia-cotidiana-por-henrique-braga/
Nota: enquanto isso, o Governo busca por diálogo e conciliação com essa gente...
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