quarta-feira, 4 de outubro de 2023

A feiticeira de Ilhabela

Nascida em Portugal, Maria Perpétua Calafate de Souza desfrutou de uma vida pacata e comum ao lado do seu marido, o escrivão João Rodrigues da Siqueira, até meados da década de 1790.

Ela viu sua realidade virar de cabeça para baixo quando seu marido morreu de maneira repentina. Afinal, Perpétua havia se casado tão jovem que não fazia ideia de como era a vida de uma mulher que não fosse casada. Para tentar recomeçar, a jovem decidiu se mudar para o Brasil Colônia, desembarcando na então ilha de São Sebastião, litoral norte de São Paulo.

Assim começou a conturbada e triste jornada de Maria Perpétua, a feiticeira de Ilhabela.

A região de Ilhabela, então Vila de São Sebastião, começou a ser explorada em 20 de janeiro de 1502, quando os colonos da expedição enviada por Portugal à Terra de Santa Cruz, comandada por Gonçalo Coelho, aportou em Maembipe. A ilha ganhou o nome de São Sebastião em homenagem ao santo Sebastião de Narbona, martirizado por professar e não renegar sua fé em Jesus Cristo.

Ao longo dos primeiros 100 anos, a região permaneceu livre dos colonos portugueses e apenas habitada pelos índios tupinambás. Isso aconteceu por vários motivos, entre eles o isolamento geográfico, dificuldades de acesso e conflitos com os nativos.

Tudo mudou em 1608, quando Diogo de Unhate e João de Abreu, burocratas portugueses da Vila de Santos, se estabeleceram às margens do canal do Toque-Toque (atual canal de São Sebastião). Lá, eles plantaram cana para a produção de açúcar utilizando mão de obra escrava.

Francisco de Escobar Ortiz foi o responsável por construir os dois primeiros engenhos de açúcar de Ilhabela, consequentemente se colocando no centro do comércio de escravos, trazidos de Angola em um navio de sua propriedade para servir como mão de obra na produção de açúcar.

Em 1810, Perpétua chegou na Vila de São Sebastião quando havia começado um novo ciclo econômico no Brasil: o do café. O de sua vida também, afinal, ela não chegou sozinha, mas de braço dado ao capitão Antônio José Lisboa de Souza, militar e rico comerciante de escravos, e segurando um filho no colo.

Logo de início, a chegada de Perpétua chamou a atenção dos ilhéus, que ficaram intrigados com aquela mulher misteriosa que conseguiu conquistar o coração de um dos homens mais influentes da região.

Não se sabe exatamente como Perpétua teria começado a se envolver com o ocultismo, apenas que essa fama cresceu e se espalhou. A princípio, alguns até mesmo duvidaram que isso fosse mais do que fofoca, mas quando suas práticas começaram a atrair forasteiros, que iam até o povoado em busca de suas previsões, todos concordaram que ela estava envolvida em algo "macabro".

Enquanto as pessoas fofocavam, Perpétua acumulava uma fortuna fazendo adivinhações como cartomante, vendendo amuletos e porções supostamente mágicas que prometiam resolver os problemas mais profundos dos seus clientes.

Com isso, dois anos após sua chegada, Maria Perpétua foi formalmente acusada de bruxaria pelos habitantes de Ilhabela, que, por meio dos tribunais de passagem, fizeram a denúncia chegar até o Tribunal do Santo Ofício de Lisboa, em Portugal. Eles exigiam que ela fosse presa por suas práticas.

O capitão Domingos, um famoso comerciante de escravos da região, foi o principal denunciante das práticas de Perpétua. Sua preocupação surgiu no momento em que uma de suas escravas, Joana, morreu dois dias após uma discussão com ela.

Rapidamente, a fatalidade foi endereçada à Perpétua como um caso de vingança. Naquela época, a perda de escravos era considerado uma afronta muito grande para um senhor de engenho, uma vez que escravos eram tidos como bens materiais valiosos, e isso foi o suficiente para despertar a fúria do homem.

Dizem que o então governador da capitania de São Paulo, responsável por inspecionar a casa de Perpétua, chegou a encontrar vários itens que a incriminavam de praticar magia, como um livro com dezenas de anotações e até mesmo uma orelha humana supostamente enfeitiçada.

Maria Perpétua acabou presa em uma cadeia de São Vicente, mas não ficou lá por muito tempo. Sua influência e dinheiro a libertaram poucos dias depois, e demorou cinco anos para que os habitantes conseguissem se livrar dela.

Em 22 de outubro de 1817, Perpétua foi vítima de violência doméstica: seu marido a golpeou até a morte com uma faca em uma briga. Assim que a notícia se espalhou, as pessoas não hesitaram em especular que ela nutria um caso de longa data com o sócio de seu marido.

Reza a lenda local que Perpétua conseguiu se safar e, antevendo que o marido a mataria, escondeu toda sua fortuna com o auxílio dos escravos, que depois assassinou para que não a roubassem. Alguns acreditam que ela sobreviveu aos ferimentos, se isolou e viveu sozinha para sempre.

Não dá para saber o que é verdade ou não, apenas que Maria Perpétua entrou para a história de Ilhabela, tanto que uma das praias é chamada de Praia da Feiticeira em sua homenagem.

Fonte: https://www.megacurioso.com.br/artes-cultura/127266-maria-perpetua-a-historia-da-feiticeira-de-ilhabela.htm

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