segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Anime como autoconhecimento

Eu fiquei pensando em um texto especial para o Halloween, também conhecido como Sanhaim. Eu devo ter escrito algo em algum lugar sobre A Viagem de Chihiro, uma verdadeira festa para os olhos, pois nos mostra um pouco de como os Japoneses vêem o Mundo Espiritual.
A evidente comparação da mudança (e viagem) com o folclore ocidental sobre a morte cobre a mudança interna que Chihiro está passando e nos dá algo a pensar sobre nós mesmos, nossa existência e o propósito da vida.
No entanto, quem foi mais  notado foi Kaonashi, o Sem Rosto, o personagem coadjuvante que foi além de apoiar a saga de Chihiro. Imediatamente, o público quis saber quem é e o que ele significa.
No folclore japonês existe o/a Noppera-bô, mas Kaonashi é diferente, ele não tem rosto, mas possui uma máscara. Como em outras culturas, a máscara tem duas funções - a de disfarçar para não ser reconhecido por espíritos malignos; a de incorporar o espírito ou entidade representada. A psicologia também diz que todos nós vestimos diversas máscaras conforme o papel que temos que representar no teatro/palco da sociedade.
O criador dessa obra prima, Hayao Miyasaki, curiosamente, não utilizou o rico folclore japonês sobre Yokais para compôr Kaonashi. Na animação, inclusive, fica nítido que ele é rejeitado pelos outros espíritos e entidades, mas ele foi notado por Chihiro, quando esta estava sendo conduzida por Haru até um local seguro. Foi ela quem abriu uma janela para Kaonashi entrar na casa de banho e isso deu início ao início de uma estranha amizade que deu margem para várias interpretações.
A cena na ponte em que Chihiro encontra com Kaonashi é duplamente enigmática, pois ele é ignorado pelos seus pares e tem aparência translúcida, a mesma forma que apresenta ao entrar na casa de banho, mas adquire consistência, forma e volume por receber a atenção de Chihiro, o que o leva a desenvolver certa obsessão por ela. Kaonashi é um reflexo de nós mesmos, em nossas inseguranças e dependência de aceitação, reconhecimento social. Tal como Kaonashi, nós escondemos atrás de máscaras sociais porque não conseguimos aceitar nossa identidade.
Com a experiência e interação com Chihiro, que pode muito bem representar nossa criança interior, Kaonashi rejeita essas imposições e começa a viver uma existência verdadeira e sincera. Ele consegue, com isso, encontrar seu lugar e seu propósito de vida.
A festa do Halloween é isso, nos permite incorporar ou nos disfarçar de um outro personagem que, no fundo, também é parte de nós mesmos, mas que, pela pressão, repressão e opressão social, nos leva a introjetar essa nossa faceta, que se torna a nossa sombra. Para sermos integrais, verdadeiros e sinceros, nós temos que remover essas máscaras, compreender e aceitar nossa natureza como um todo. Assim, transmutaremos e criaremos uma sociedade mais humana, mais justa e mais igualitária.
Assim seja, assim é, assim será.

Nenhum comentário: