sábado, 9 de abril de 2022

Conto de Loki

A volta de Loki


Hum? Você de novo? Não me leve a mal, humano, mas eu tive minha cota com seu povo, especialmente com escribas. Sua gente tem medo da morte e do Apocalipse, borrariam as calças se tivessem que enfrentar o Ragnarok ou tivessem que encarar o esquecimento.


Em breve o Mundo no qual vocês se encontram chegará ao fim. Um de muitos, para ser mais exato. Gaia passou por mudanças bem extremas e conheceu muitos términos. Mas Gaia sempre dá um jeito e recomeça, juntando os cacos dela mesma e gerando novas criaturas de seu proficiente ventre. Eu quase sinto simpatia dessa menina. Quase, mas ela é Deusa de outro povo, de outra cultura. Eu pertenço a outro panteão, outro povo, outra cultura.


Isso foi há muitos séculos atrás, no tempo humano. Muito tempo depois que eu liberei o Ragnarok e acabei com Asgard. Ou é isso que eu achei que tinha acontecido e a existência, minha e de meus irmãos e irmãs, foi esquecida. Um Novo Mundo surgiu, depois outro e outro… até que sua gente criou a Era da Iluminação, decretando a morte dos Deuses e nos relegando a meras figuras lendárias e mitológicas, no sentido de nossa existência ser uma fraude, uma mentira.


Dizem que fica registrada no fundo da retina a última imagem antes de nossa existência acabar. Quando eu recobrei minha consciência, a imagem que estava gravada na minha retina era Surtur, expandindo suas negras asas, trazendo consigo o Caos, como se fosse… uma espada? Não, muito linear e elegante. Uma motosserra? Não, muito mecânico e previsível. Um triturador, fragmentador, retalhador? Isso é bem mais próximo do que Surtur faz. Enfim, não é uma boa imagem para se deitar na aniquilação.


Isso é o que eu acreditava. Então eu comecei a sentir algo. Como se algo ou alguém me cutucasse. Uma força me atraía para fora da obliteração, me colocando próximo do Sonho e da Morte, me colocando próximo das lendas e dos mitos. Eu devia ter retomado algum tipo de forma quando eu senti ser sacudido. Eu devo ter assustado o visitante, porque eu gritei, soquei, chutei e rangi meus dentes para todos os lados. Eu demorei em perceber que Surtur não estava mais ali e aparentemente o Caos estava quieto. Pisquei os olhos três vezes para ter certeza disso. Então me dei conta de que tinha recobrado meu Aspecto como Deus. Não se engane, humano, é mais certo dizer que vocês são reflexos de nós do que nós sermos imagens de vocês.


Eu primeiro situei o local onde eu… despertei… por assim dizer e foi no mesmo local onde meu último corpo havia sido depositado no ápice do Julgamento dos Deuses. Eu não reconheci, a princípio, o que é compreensível, mas eu podia ler que era o mesmo local pela assinatura espiritual. Mas onde antes era a Floresta de Metal, eu via paredes, portas, janelas e estátuas em minha volta. Desconcertado, eu voltei minha atenção ao singelo visitante que provavelmente consolidou meu despertar. Em minha época como “convidado” em Asgard, eu tinha conhecimento de outros povos e Deuses mais ao sul. Eu acho até que tenha visto Jove e Zeus confabulando formar um enorme Império. Mas esta figura era completamente diferente.


– Quem és tu, que ousa importunar o grande Loki? Perguntei eu, como se não tivesse acontecido coisa alguma e eu estivesse em pleno poder. Eu tive o cuidado de usar duriliano baixo, uma língua impura, mas conhecida e usada nos diversos reinos divinos e espirituais, por todo tipo de entidade.


– Eu sou Jeová, o Deus de Israel.


O sotaque é terrível e a entonação é primária. Que tipo de povo bárbaro e inculto tem uma entidade como esta como Deus? O tipinho é baixo, bem peludo, cheio de rugas e um tom de pele amarelado. Parece um verme. Ele porta uma armadura, escudo, espada e elmo que não são dele. A assinatura não mente e eu leio o nome do proprietário: Anu. Quando eu era criança, meus pais gostavam de nos aterrorizar com histórias sobre os Antigos Deuses que vieram das Estrelas. Eu posso dizer que, na nossa infância, Anu era o Bicho Papão. Era altamente improvável que uma criatura daquelas pudesse portar tal majestoso arsenal. Por algum motivo tudo isso me incomodava. Eu fiz o que sabia fazer melhor. Eu fingi.


– E o que o Deus dos Hebreus deseja comigo?


– Grande Loki, muita coisa mudou desde que os Deuses abandonaram a humanidade e Gaia. Por meios e expedientes muito pouco louváveis ou nobres, eu não apenas fiz o Homem esquecer seus Deuses, como eu me tornei o único Deus de todo o mundo ocidental. Mas eu sinto a chegada de uma Nova Era e o Homem está esquecendo-se de mim, me negando, me relegando ao mesmo patamar das lendas e mitos antigos.


– O que eu posso ter com isso?


– Loki, o Homem tem também relembrado de suas verdadeiras origens e raízes. Por outras formas, por outras narrativas, o Homem tem trazido de volta os seus Deuses. Eu levei muito tempo e investi muito na construção do meu Reino entre os homens e tenho muitas empresas e funcionários. Eu não posso perder tudo para a Ciência nem ceder terreno ao Paganismo Moderno.


– Ainda não percebo o que eu tenho com isso.


– Veja o que o Homem fez com sua figura.


Jeová atirou um calhamaço de algo fino, colorido, cheio de figuras e letras. Eu passei tempo suficiente entre vocês para saber a linguagem humana. O material desse objeto não era de couro de carneiro nem fibra de cálamo. Era algo mais fino, liso, suave. Consistia de figuras desenhadas com tinta, algo que uma vez eu tinha visto ao visitar Aset e Asur, mais conhecidos como Isis e Osiris. Eu tinha conhecimento que sua gente gostava de contar histórias, então esse tal de “quadrinhos” deve ser a forma pela qual sua gente agora fala de sagas, heróis e aventuras. Não é de todo desagradável, se não tivessem tido o mal gosto de terem me retratado. Eu soube até que fizeram um filme e o ator que me interpretou refletiu mais o personagem de quadrinhos do que eu. Inaceitável.


– Então agora vê o que tem com isso?


– Repugnante. Mas você não teve esse trabalho todo de vir até aqui e me acordar por ter alguma estima por mim, pelo meu nome e reputação. Não tente trapacear o Deus da Trapaça.


– Bom, exatamente por você ser o Deus da Trapaça que eu vim aqui. Eu preciso que você me ajude em meu Plano de Dominação Mundial.


– Eu imaginei que isto fosse favas contadas.


– Não mesmo. Não sabe o quanto foi difícil chegar ao comando entre os Elohim. Nem a dureza que foi negociar com os Annunaki. Ou barganhar com Ormuz, Mithra, Jove, Zeus… apenas para citar alguns dos dignitários mais influentes. Sim, eu fiz muitas e diversas concessões. Funcionou, por algum tempo. Mas… sempre tem os que não concordam, que não colaboram. Eu vou poupá-lo das coisas que eu fiz para cooptar as inúmeras religiões de mistério, o que eu fiz para erradicar as inúmeras seitas dentro do meu povo, o que eu fiz para aniquilar Gnósticos, Hereges, Bruxas… as guerras que eu tive que fazer para que Cristo fosse distorcido e deturpado para dar espaço para o Cristianismo.


– E mesmo assim, algo deu errado.


– Oh, sim. Os humanos. Eles sempre são o elemento instável. De alguma forma o Conhecimento sobreviveu e, no momento certo, deu ensejo à Renascença, ao retorno da Ciência. Eu tinha perdido a coroa dos reis, eu estava para perder a coroa dos papas. Foi muito difícil fazer com que os governos seculares concordassem em manter meus domínios. Eu tive que jogar nação contra nação em guerras fratricidas. Muitas vezes eu coloquei cristão contra cristão, quando não contra o judeu, o muçulmano, embora também sejam empresas minhas. Nada disso foi o suficiente, eu precisaria de algo tão grande e poderoso quanto fora o Império Romano. Pois bem, agora eu estou quase consolidando meu poder absoluto. Eu encontrei no Novo Mundo, em uma terra construída por imigrantes e fugitivos das guerras de perseguição religiosa [que foram fomentadas por mim], um governo que tem todo o potencial para ser tão grande, senão maior, do que o Império Romano [tanto que até utilizam a águia como símbolo]. Ali eu encontrei um “terreno fértil” para restaurar o fundamentalismo religioso disposto a combater a Ciência e a descrença.


– Eu parei na Renascença. Você consegue ser mais complicado do que Odin. Uma boa estratégia, um plano eficiente tem que ser claro e objetivo. Qual é, exatamente, o seu projeto, para, enfim, conquistar o mundo inteiro?


– Permita-me apresentar alguém que é bastante semelhante a você, pelo menos aos olhos do humano cristão ocidental. Loki, este é meu subalterno, Satan.


– Saudações, Loki, filho de Farbauti e Laufey, descendente legítimo dos Gigantes do Gelo.


Oh, sim, eu gostei do garoto. Jeová alega que o criou e isto tem diversos significados. Um artista cria uma obra. Eu acho pouco provável que Jeová tenha capacidade e competência para criar algo. Um pai e um padrasto criam um filho, mas é sempre a mãe quem gera. Olhando bem Satan, sua estatura, seu porte físico… tão diferentes de seu “Criador” que eu apostaria em sequestro. Objetos podem ser criados de matéria inanimada. Gerar um ser vivo requer um útero. Eu tentei ler para tentar detectar que tipo de feitiço Jeová lançou em Satan para ter tão abjeta subserviência que nem mesmo o mais rele mendigo de Asgard teria com meus irmãos e irmãs, mas eu não vi qualquer runa e sim outros tipos de sinais [parece aramaico], mas que possuem uma magia muito fraca para tamanha arte.


– O garoto ao menos tem educação e diplomacia. Qual o seu plano?


– Ensine a ele sua arte. A despeito de toda a doutrina e dogmática da Igreja, Satan persiste em ser meu anjo, não meu Adversário, muito menos opor-se a mim ou encenar o papel de Diabo. Sem um Antagonista, eu não posso ser o Protagonista. Sem o medo, a humanidade não se renderá à ignorância nem se entregará ao ódio. Somente quando a humanidade decair ainda mais é que eu poderei aparecer e oferecer a eles uma “salvação”, em troca de sua liberdade. E a humanidade me entregará suas vidas e almas gratuitamente, em troca de migalhas.


Foi assim que eu me vi tutelando Satan para que ele pudesse ser o Diabo necessário para os planos de Jeová. Podem me condenar se quiserem, mas eu sou Loki. Era de se esperar que tamanha fraude, mentira e trapaça viessem de mim. Mas veio de Jeová. O Deus de um povo escravo só se compraz onde há escravidão.


Ensinando o Diabo


Mas… você ainda está aqui? Você é bem persistente, escriba. Como? Você foi intimado? Eu nada tenho com isso. Hã? Não, não precisa mostrar o documento… não, não precisa confirmar com a remetente. Eu tive problemas o suficiente com Deusas em meu tempo em Asgard. Eu não estarei livre de você enquanto eu não contar como foi esse percurso no qual eu fui o tutor de Satan, certo? Foi o que pensei.


Um pequeno memorial: diga que foi… ou Destino, ou Fortuna… que eu voltei a ter uma existência e um corpo. Meu retorno ao mundo humano foi recebido por uma entidade menor que confiou a mim a preparação de seu… pupilo… para o papel que estava designado. Assim Jeová largou Satan em minhas mãos para torná-lo um personagem mais eficiente para seu Plano Divino. Sim, eu tinha meus próprios planos. Tinha algo nessa relação que me incomodava e eu quis descobrir.


– Ele foi embora?


– O Senhor dos Exércitos está sempre presente.


(suspiro) – Muito bem, Satan, essa será sua primeira lição comigo. Jeová não é o Deus Todo Poderoso. Nem é o único Deus.


– Eu posso aceitar isso. Afinal, o senhor é o Deus da Mentira.


– Touché… mas o mentiroso quando diz que mente, diz a verdade ou a mentira?


– O intento do meu Criador é o de tornar-me mais eficiente. Eu sou o promotor do tribunal que irá julgar vivos e mortos diante de Deus. Então, como advogado de Deus, eu quero ver as evidências.


– Muito apropriado. Seria até irônico se isto te tornasse ateu.


– Nós dois sabemos que isso é teimosia humana.


– Nós dois sabemos que isto não te isenta dos humanos que criaram uma religião supostamente baseada em você.


– E nós dois sabemos que satanistas são tão iludidos quanto os cristãos. Eu não sou nem represento as necessidades humanas carnais. Eu sou um anjo, não conheço as necessidades humanas nem tenho interesse por elas. Isto é apenas uma forma que o humano encontrou para divinizar a si mesmo.


– E cá estamos nós, em um projeto que envolve os humanos.


– O que é outro paradoxo. Cá entre nós, que o Criador não nos ouça, mas é no mínimo incoerente que Deus precise dos humanos para consolidar seu Plano Divino.


– Bravos! Eu acho que este é o começo de uma bela e longa amizade.


– Não fique animado, senhor Loki. Assim que minha… instrução for concluída, você voltará a ser um demônio.


– Você fala como se isso fosse ruim…


– Pare com isso! Ou eu vou acabar rindo!


– Essa será sua segunda lição, Satan. Emoções serão sua melhor arma. Saiba como controlá-las. Você poderá usar esta arte para seu autoconhecimento e libertação.


– Bom, eu não pretendo entrar nesse tipo de entretenimento, mas eu acho que estou prestes a desenvolver a raiva. E a impaciência. Evidências de que Jeová não é Deus nem único, por favor?


– Ora, quanta gentileza! Eu terei que trabalhar com isso depois. No serviço que eu… que nós fazemos, gentileza é uma fraqueza inaceitável. Acompanhe-me.


– Nós vamos para Asgard?


– Oh, não, por Yggdrasil. A última coisa que eu preciso é um agradável reencontro com meus irmãos e irmãs. Eu vou te levar para os territórios de dois dignitários que teu Criador deve conhecer: Jove e Zeus.


– Ah! Os verdadeiros autores da civilização ocidental! Eu ansiava por um momento assim!


Satan parecia um colegial em excursão. Não que Roma seja completamente desconhecida por ele. Secreta e sigilosamente, em círculos bem restritos e catacumbas escondidas no subsolo do Vaticano, padres, bispos, cardeais e papas ainda celebram Missas Negras. Sim, o Satanismo e o culto satânico existiam antes mesmo destes serem recriados para o consumo comercial. Mas este não era o nosso objetivo. Nem tampouco falar com os inúmeros Deuses da Antiga Roma que sobreviviam em suas capas de santos cristãos. Nosso alvo era Jove. Evidentemente que eu não irei dar a localização de sua atual moradia.


– Pelas barbas de Saturno! Quem bate à minha porta?


– Jove! Sou eu, Loki!


– Loki? Ah! Por Rhea! Um minuto!


Jove abre a porta envolto em pouco mais do que um lençol. Por alguns segundos eu achei que ele estava curtindo algum tipo de saudosismo, mas uma mulher esgueirando por trás da porta que dava para a cozinha me dissimulou.


– Oh! Perdão, Jove. Eu interrompi sua intimidade.


– Bobagem, bobagem. Entre. Você é de casa. Creio que vocês se conhecem… Loki, Hestia, Hestia, Loki.


– Saudações… meu primo distante.


Satan está tão deslumbrado por conhecer Jove pessoalmente que escapa dele as sutis implicações desse affair divino. Hestia e eu temos algo em comum: o fogo. Mas ela deveria ser, supostamente, intocada, virgem. Oh, bem… virgens que não são tão virgens não é novidade alguma.


– Ah, a minha educação! Jove, Hestia, este garoto que eu trouxe comigo é Satan.


– Satan… o… Diabo?


Nós três começamos a rir descontroladamente. Eu espero que seus leitores entendam a ironia da cena. Três Deuses, renegados e esquecidos, se reencontrando em Roma, a poucos metros do Vaticano, sede da multinacional de Jeová, em um encontro clandestino com o Diabo. Para ensinar a ele seu ofício. Sim, é hilário.


– Ah, puxa vida… isso merece abrir um odre com vinho de palmeira. Mas sentem, sentem. Hestia, veja se Demeter e Ceres estão por perto. Eu vou ver se consigo falar com Zeus.


– Oh, eu não quero incomodar.


– Bobagem, bobagem. Hoje em dia existem carros, aviões e smartphones. Nós acompanhamos a tecnologia. A única diferença é que nos mantemos incógnitos. Nós vamos precisar de mais duas Deusas, pelo menos, para ensinar Satan seu ofício.


– Oh, bem… eu sempre tive um fraco por Juno. E eu acho que Proserpina seria ideal para Satan. Mas não ligue para Zeus. Ele será a nossa próxima visita.


As pizzas chegaram pouco depois das “meninas”. Jove relembrou cada um de suas sagas e de seus problemas com os Césares. Hestia só falava de como estava aliviada de ter sido aposentada. Ceres tentava falar, mas ficava difícil entender o que ela falava com a boca ocupada com meus… atributos. Satan não tirava os olhos do decote de Deméter, que deixava escapar seus seios voluptuosos e fartos como sempre. Eu perdi Satan de vista quando Juno chegou e eu… nós… fomos para a cama nos enredar em lençóis de algodão. Jove também sumiu… com Héstia… para o segundo tempo.


[anotações encontradas no diário de Satan]


Eu sou um anjo de Deus… bom, o Deus dos Hebreus, se insiste, escriba. Eu realmente acreditava que anjos não tenham sentimentos, emoções e outros “problemas” tão comuns vistos em humanos.


Eu não consigo explicar o motivo de meu comportamento quando vi Jove. Sim, eu o estava bajulando e isso é arriscado, considerando a minha condição. Eu vi que Jove estava acompanhado por Héstia e não entendi porque os três começaram a rir. Jove é um Deus dos romanos, Héstia é uma Deusa romana. Desconsiderando que são deuses, são homem e mulher, então contato físico e sexual são coisas naturais entre seres vivos de sexualidade diferente.


Eu fiquei surpreso ao ver Jove tendo e utilizando um smartphone, um aparelho providencial, com isso nós conseguimos comida [smartphone deve ser um item mágico] e a companhia de Ceres e Deméter.


No começo eu fiquei constrangido [o que é estranho, se eu considerar que eu não devia ter sentimentos], eu fiquei envergonhado [eu não sei o porquê] quando Ceres começou, sem cerimônia alguma, chupar o pênis de Loki. Eu também não sei explicar porquê eu notei e não pude tirar os olhos do decote de Deméter, de onde brotavam seus seios fartos. Eu sou um anjo, não um ser humano em sua fase inicial de existência, eu não tenho necessidade de leite, mas a visão daqueles seios provocavam algo novo em mim.


Loki se ausentou, ele foi receber Juno, outra Deusa e eu fiquei a sós com Ceres e Deméter. Eu não tenho muita noção de como aconteceu, eu lembro vagamente de estar conversando com Ceres e Deméter. Uma das duas, eu não lembro qual, aproveitou um momento de conversa privada e olhando fundo em meus olhos, intimou-me.


- Gosta do que vê?

- Sim… embora eu ignore o motivo.

- Tem muito mais coisa para ver, se você quiser.

- O que está insinuando?

- Bom, dizem que anjo não tem sexo. Eu sou curiosa. Eu quero conferir pessoalmente.


Eu ia protestar [não sei porquê eu estava envergonhado, acanhado e enrubescendo], mas minha voz e minha mente foram dominados assim que essa Deusa começou a me beijar. Algo em mim saiu do controle, uma determinada parte de minha anatomia teve um aumento e endurecimento substancial, gerando uma expressão de surpresa e satisfação dessa Deusa. Quando eu recobro, ainda que parcialmente, a consciência, uma delas está em cima de mim, me cavalgando, enquanto a outra, fingindo estar brava, falou algo e juntou-se a nós.


Eu despertei todo dolorido, coberto de líquidos corporais. Loki sorria com enorme satisfação. Eu espero poder repetir essa experiência.


[fim da anotação]


Eu voltei para a sala de estar depois que deixei Juno dormindo, com um enorme sorriso de satisfação nos lábios. Ali não estavam nem Demeter, nem Ceres, nem Satan. Foi simples encontrar os três no quarto dos fundos, completamente nus, bêbados e empapados em líquidos corporais. Bom garoto. Aprendeu com facilidade a primeira lição.


Non Ducor, Duco


Partida e despedida são sempre difíceis. Ceres e Demeter estavam enredadas com Satan e sussurrando no ouvido dele coisas bem apimentadas. Emoção é uma invenção divina, ao contrário da língua e da palavra, ela não pode ser distorcida, deturpada ou fingida. Quando Juno me envolve em seus braços, o brilho em seus olhos é legítimo e é sincero seu sorriso.


– Boa viagem, Loki. Volte quando quiser. Eu sempre estarei te esperando.


Juno pressiona seus lábios aos meus de tal forma que parece querer me sorver. Juno é uma das poucas Deusas que me tiram o fôlego e a palavra. Como? Eu dei a entender que eu tinha problemas com as Deusas? Não… não de forma geral. Meu problema é familiar, algo que você conhece bem, escriba. Eu sempre fui muito bem recebido, em Roma e Atenas. Eu sempre fui muito procurado e solicitado pelas Deusas locais. Chame isso de charme ou carisma. O fato é que Deusas romanas e gregas sempre gostaram de minhas carnes. Felizmente nenhum incidente ou acidente ocorreu nesse… intercâmbio cultural.


Saindo de Roma, em pouco tempo estamos sobre o Mediterrâneo. Ao longo de seu imenso litoral, nasceram e floresceram inúmeras civilizações que tornaram o mundo tal qual é. De onde estamos, na direção sudoeste, eu vejo o território de Asur e Aset, Deuses da civilização egípcia. Garota esquisita. Juntou os pedaços do esposo, esquartejado por Seth. Esquisita, mas uma delícia. Eu sempre tinha para ela aquilo que faltava em Asur e nunca foi achado. Na direção leste-sudeste eu vejo o território de Marduk e Baal, Deuses das civilizações babilônica e assíria. Ali em algum ponto, entre cananeus, filisteus, acadianos, sumérios e elamitas deve estar o pequeno território original de Jeová.


– Q… quem é aquela?


Até então Satan estava quieto e amuado. Eu imaginei que ele estava pensando em Ceres ou Deméter. Ou tentando entender toda a nossa última atividade. Ao contrário de vocês humanos, nós Deuses não temos problema algum em relação ao sexo. Para falar a verdade, nós escandalizaríamos até seus mais devassos libertinos. Satan estava tão impressionado que saiu de sua melancolia contumaz. Eu me virei, porque para esquecer Ceres e Demeter deve ser uma bela visão. Eu pisquei três vezes, pois achei que tinha visto Sigyn e Angrboda acenando para nós de uma ilha repleta de árvores carregadas de maçãs douradas. Não, não tinha como serem elas. Eu olhei com mais atenção e tentei ler a assinatura daquela Deusa e quase fiquei cego com a cascata de cores que jorravam feito um caleidoscópio de seu corpo. Foi no último segundo, quando minha visão estava sendo coberta pelas macieiras que eu vi um pouco de sua verdadeira forma. Meus joelhos tremeram e minhas pernas fraquejaram. Era Ela.


Aset quase se tornou uma Deusa de uma religião de massas, quando Roma instituiu culto a Ísis, o seu nome ocidentalizado. Antes dela, apenas uma Deusa teve tamanha influência e popularidade entre os humanos. Seu culto e nome foram tão fortes que resistiu por séculos ao monoteísmo Persa e Hebreu. Seu nome é temido e venerado até pelos Deuses mais antigos. Os Gregos a chamaram de Afrodite, os Romanos a chamaram de Vênus. Os Babilônios entoavam Ishtar em cânticos sagrados, os Hebreus a chamavam de Shekinah e a Igreja a chamou de Lúcifer.


– Você ainda não está preparado para conhecê-la. Nem mesmo os Deuses mais antigos sabem lidar com Ela. No território de Zeus, nós conheceremos Afrodite, um pálido reflexo dEla. Se tivermos sorte, Hécate vai nos ajudar com a arte de controlar as emoções. Sem esse conhecimento, diante dEla nós ficaremos loucos. Ela é a fonte do Amor. Ela é a força da luxúria, do sexo, do prazer e do êxtase.


– Eu… eu estou confuso. Eu acabei de vê-la, mas é como se a conhecesse. Eu ainda não a vi pessoalmente, mas eu sinto uma atração tão forte que é como se eu fosse ser rasgado em dois. Por favor, Loki, diga-me quem é Ela e prometa-me que nós vamos vê-la!


– Eu não faço promessas, Satan. Sobretudo quando envolvem Ela. Quando você estiver pronto, talvez a conheça.


Satan ficou emburrado, mas aquietou-se. Próximo do centro de Atenas nós chegamos no hotel onde Zeus era proprietário, gerente e habitante. A porta abriu sem que acionássemos a campainha.


– Até que enfim! Jove avisou que vocês estavam a caminho. Vamos ao meu escritório. Hoje é temporada de turista e o meu hotel está cheio.


Realmente, atravessamos a recepção do hotel apinhada de gente. O escritório de Zeus conservou a construção original, mas era visível o cimento reforçando a estrutura. Evidente que Atena estava como sua secretária.


– Muito bem, cavalheiros, vamos aos negócios porque Dinheiro é o Deus do mundo atual. Como eu posso ajudá-los?


– Nós esperamos que você possa chamar Hécate aqui para o que eu pretendo fazer com meu garoto.


Cerâmica espatifando e espalhando pelo chão mostra que eu não sou o único a ter problemas familiares. Atena ainda guarda diversas mágoas e ressentimentos com Hécate.


– Por Gaia, papai! Você não vai chamar essa… sirigaita aqui, vai? Não foi agradável quando você trouxe aquele… aquilo… o animal do Dioniso.


– Atena… ainda zangada com a pegadinha que Dioniso e Hermes armaram, colocando você e Ares em um quarto escuro? Ainda chateada por Hécate se recusar a morar com a família?


– N… não lembre dessas coisas sujas, imundas e impudicas. Eu levo muito a sério meus votos. E eu sei que Hécate participou da pegadinha.


– Muito bem, então. Nós vamos visitar sua prima, Circe.


– M… mas… o hotel… os turistas…


– Eu tenho certeza de que você consegue gerenciar tudo. Eu não te nomeei Deusa da Estratégia por acaso. Vamos, cavalheiros.


Atena estava empacada no meio do escritório de Zeus e eu quase senti pena dela. Mas eu tenho meus próprios castigos com que lidar.


– Cá entre nós, Loki. Eu acho que você tem exatamente aquilo que Atena precisa. Essa menina tem que sair de vez desse papel de donzela guerreira. Nos dias de hoje, nem Héstia é virgem. Atena nunca vai se desenvolver se não der uma boa foda.


– Eu percebo que minha… reputação… com as Deusas é de seu conhecimento.


– Não se vanglorie, Loki. Meu histórico como conquistador precede e supera o seu.


– Hei… hei… hei… isso nunca foi uma competição. Vamos nos concentrar com Hécate. Alguma ideia de como nós vamos convencê-la a nos ajudar?


– Seu garoto, Satan. Para a Igreja, o Diabo é a fonte de toda a Bruxaria. Hécate certamente é vaidosa com seu Ofício e vai querer conhecer seu garoto.


Zeus sempre foi mais inteligente do que Jove. Nós nos afastamos do centro e seguimos pelo subúrbio. Nas comunidades rurais, votos e oferendas ainda enfeitam as encruzilhadas. Hécate nunca teve um culto oficial, religião ou sacerdotes e ela é uma das poucas Deusas que permanece em atividade.


Achamos Circe morando em uma comunidade alternativa, vendendo suas bugigangas. Ao nos ver, gritou para dentro de sua choupana.


– Mãe! Zeus, Loki e outro cara estão aqui!


Hécate me faz lembrar um pouco Angrboda. Mas Angie é menos gentil e mais lasciva.


– Pelos astros de Urano… meninos, eu não esperava pela visita de vocês. Quem é o jovem?


– Este é Satan, minha amada sobrinha.


– Ora, ora, ora… mas que garotinho gostosinho você deve ser… bom para comer e cuspir o bagaço fora.


– Mãe!


O coitado do Satan tentou entender porque todos nós começamos a rir descontroladamente. Humor e sexo não são exatamente uma rotina na vida desse anjo subserviente. Hécate entendeu que nós contávamos com ela para mudar isso. Mais calmos e relaxados com o chá servido por Circe, Hécate foi direta e precisa.


– Muito bem, meninos. Essa porra é séria. Satan tem que ter controle de suas emoções, mas ele terá que descobrir e desenvolver todas as emoções. Eu posso ajudar, orientar. Mas para o que vocês pretendem, eu terei que chamar o Antigo.


– PQP. Nós vamos… chamar Ele… mesmo?


Só tem um Deus que eu pessoalmente temo mais do que Anu. Só de pensar no dia em que eu O vi, no meio da floresta… todos nós ficamos arrepiados só de pensar. Sim, o Antigo, o Deus Touro, o Consorte da Deusa Serpente… Ele.


Os Rituais Antigos são Negros

[Vel Legis, II, 5]


Eu devo tentar explicar em termos humanos o que nós sentimos só em pensar na ousadia e atrevimento de chamar o Antigo. Mesmo que eu tenha o hábito de debochar dos humanos quando eu os via fazendo rituais e cerimônias para nós.

Os humanos vivem suas vidas pacatas, quase medíocres e tentam escapar dessa realidade que eles mesmos criam adotando uma celebridade como ideal de vida. Toda aquela expectativa e nervosismo quando se sente só de ficar perto. A palpitação e a respiração acelerada que acontecem quando se está próximo de falar com o ídolo. Mas mesmo que sejam ambos humanos, existe um abismo intransponível entre o fã e o ídolo.

Isso ainda é pouco. Vejamos, os humanos tem todo um protocolo quando se trata de figuras públicas, pessoas comuns e políticos, cada pessoa tem um papel específico e encena um roteiro específico. Sim, isso dá um vislumbre do cuidado que nós estamos tendo para realizar essa cerimônia. Zeus, estabanado, trouxe um carvalho inteiro. Circe conseguiu trazer ramos de azevinho. Satan trouxe a água, como nós pedimos. Hécate mostrou, toda orgulhosa, sua adaga, besuntada com óleo de oliva. Eu coloquei, pacientemente, seixos ao longo do círculo sagrado de nove pés de diâmetro.

-Muito bem, pessoal. Vamos distribuir os procedimentos. Zeus, você chama os Espíritos dos Ventos. Satan, você entoa a dedicação aos Ancestrais. Circe, você entoa o hino da Deusa. Loki, você entoa o hino do Antigo. Eu irei entoar o cântico das bruxas.

Minhas mãos tremiam quando eu coloquei fogo no centro do círculo sagrado. Satan estava visivelmente perturbado enquanto aspergia água pelos quadrantes. Zeus só olhava para baixo e Circe estava prestes a ter uma crise nervosa. Hécate disfarçava bem, mas ela também suava frio. Nós estávamos parecidos com moleques prestes a cometer uma travessura.

Zeus, com a voz embargada, só conseguia sussurrar aos seus tios, os Deuses dos Ventos, Bóreas, Euros, Notos e Zéfiro. Para nossa sorte, eles colaboraram e se apresentaram para testemunhar. Satan leu a fórmula dada por Hécate e ficou esquisito, por que o coitado não sabia as pausas e a entonação. Para nossa sorte, os Espíritos Ancestrais colaboraram e se apresentaram para testemunhar. Circe gritava cada palavra do hino da Deusa, o círculo foi tomado por um odor suave e adocicado, indicando que Ela estava ouvindo. Eu mal conseguia me manter em pé, meus dentes pareciam estar trincando enquanto eu proferia as palavras então, quando eu senti uma enorme paz dentro de mim, eu soube que Ele estava ouvindo. Então Hécate pronunciou aquelas palavras.

-Eko, eko, Azarak! Eko, eko, Zomelak!

O solo onde estávamos tremeu. O universo inteiro tremeu. Nada, nem o Ragnarok é comparável com o que sentimos. Nem mesmo a lembrança da minha aniquilação.

-Aqui estou, meus filhos e filhas. O que desejam?

Eu caí de joelhos. Zeus chorava copiosamente. Circe entrou em estado de êxtase. Hécate parecia uma colegial tentando falar com o diretor da escola.

(Hécate)-Oh, Grandioso, Majestoso, Imensurável e Poderoso Senhor de todos nós! Grande Rei e Pai de todos os Deuses! Nós humildemente louvamos a Vós! Oh, Grande Deus de todos os tempos e eras, nós suplicamos que ouça a nossa petição!

-Quanto formalismo! Hécate, minha amada e adorada filha, diga qual o desejo de seu coração?

(Zeus, chorando)- Pai! Grande e Eterno Pai!

-Por que está chorando, Zeus, meu filho? Eu sei que me amas. Saiba que eu te amo. Qual o desejo do seu coração?

(Circe, descontrolada)-Pai! Possua-me! Eu pertenço a Vós!

-Isso é exagerado, Circe, minha filha. Se você me pertence, não é necessário possuí-la. Qual o desejo do seu coração?

Eu junto minhas forças e falo em nome de todos.

(eu)-Meu Bom Senhor, nós tivemos a ousadia de Vos importunar para Vos pedir que ajude Satan a despertar e controlar suas emoções.

Então Ele sorriu. Toda a raiva e mágoa que eu carregava dentro de mim sumiram.

-Eu conheço esse jovem. O nome verdadeiro dele não é Satan. O Nome dele é (omitido), ele é filho de Asherah, com quem Jeová forçou ao casamento sob pretexto de manter a família dela segura. Eu não me surpreendo que Jeová não tenha cumprido com a promessa.

(Satan sai do estupor)-Eu… eu não fui criado pelo Deus de Israel? Eu… tenho uma família? Eu… tenho uma mãe?

(sorrindo)-Sim, meu filho. Jeová terá muito a explicar, no devido tempo. O importante, agora, é que você está bem.

(eu)-Meu Bom Senhor, nós precisamos de Vossa ajuda para que Satan cumpra com o propósito que Jeová traçou para ele.

(pensativo)-Esse é o desejo dos vossos corações?

Fortuna, providencial, mas discreta, cutuca Hécate e ela se põe a explicar. Eu observo, incrédulo, tamanha petulância.

(Hécate)-Oh, Grande Deus de todos os tempos e eras, nós sentimos que o ser humano está despertando. Nós acreditamos que a Humanidade irá, em breve, se rebelar contra o Usurpador. Se Satan for bem treinado e instruído, Jeová cairá na armadilha que ele mesmo armou.

(pensativo)-Esse é o desejo dos vossos corações?

(Satan)-Por favor, Grande Pai, me ajude! Eu quero servir a um propósito maior. Se eu puder ser um instrumento para a libertação da Humanidade e restaurar o poder a quem é de direito, eu me submeto a qualquer ordálio.

(pensativo)-Esse é o desejo dos vossos corações?

(Hécate, decidida)-Sim, Pai de todos nós!

(sorrindo)- Assim seja, assim é, assim será.

Eu não sei o que deu em mim. Eu só comecei a tagarelar.

(eu)-Meu Bom Senhor, vai nos ajudar? Mesmo sabendo que isso pode ser ruim? Como pode atender ao pedido de um ser tão desprezível quanto eu?

-Isso é o que vós pensais sobre vós mesmos, meus filhos e filhas?

(Zeus)-Eu… fiz muitas coisas das quais não me orgulho.

(Hécate)-Eu não consigo lidar com as mágoas que existem na minha família.

(Circe)-Eu invejo  e tenho ciúme de minha mãe.

(eu)-Meu Bom Senhor, Vós me conheceis melhor do que meus pais e ancestrais. Eu lancei o mundo no Ragnarok sem hesitação. Eu sou o Deus da Trapaça e da Mentira.

(sorrindo)-Meus filhos e filhas, acha mesmo que eu vos julgarei e condenarei? Eu vos gerei, com amor e satisfação, no ventre da minha Amada. Vós sois exatamente como nós esperávamos que fossem. Ninguém mais poderia ser como vós sois. Ninguém mais poderia fazer o que vós fizestes. Vós estais e fazeis onde devem estar e fazer. Vós fazeis a mim e à minha amada muito felizes e orgulhosos. Isso eu vos garanto, vós todos estais sempre em nossos corações.

Algo incrivelmente novo e assustador aconteceu comigo. De meus olhos as lágrimas começaram a jorrar, como se lavassem todo o medo, culpa e remorso. Zeus estava encolhido no chão, mergulhado em um profundo choro sentido. Circe e Hécate abraçavam e beijavam o Antigo como somente Deuses podem entender. Satan tremia por inteiro, tentando entender a dimensão do que acontecia. Por alguns minutos, nós todos ficamos ali, prostrados, emocionados e extasiados. Eu desmoronei quando o Antigo se ausentou do círculo sagrado. Os demais testamentários foram se ausentando assim que viram que a “festa” tinha acabado.

(Hécate)-Nós… conseguimos!

(Zeus)-Os convidados estão indo embora.

(Circe)-Não! Isso tem que ser feito da maneira certa!

(Satan)-Eu concordo. Nós precisamos nos despedir da forma adequada.

(Circe)-Rápido! Zeus, agradeça aos Espíritos dos Ventos e solicite para que partam! Satan, agradeça aos Espíritos Ancestrais e solicite para que partam! Loki, agradeça ao Antigo e solicite para que parta! Minha mãe, entoe o hino para o fechamento do círculo sagrado!

(eu)-Ela ainda nos assiste. Nós não realizamos o Hiero Gamos. (sim, eu estava provocando)

(Circe)-Isso está errado! Mãe, faça o Hiero Gamos com Loki!

Hécate percebe a minha provocação e, sábia, me coloca em uma situação desvantajosa.

(Hécate)-Minha filha, como foi você quem entoou o hino da Deusa, cabe à você realizar o Hiero Gamos com Loki.

Eu olhei, assustado e acanhado, para o rosto de Circe, roxo feito berinjela. Eu não sabia naquele momento, mas eu seria o seu primeiro.

(Circe)-Sim! Essa é a minha responsabilidade!

Eu fui jogado no chão e estuprado por Circe. Não que eu esteja reclamando. A presença dAquela que nós não ousamos dizer o Nome esvaneceu assim que aquele líquido branco, quente e pastoso sai de meu corpo para preencher o ventre de Circe. Eu fiquei esgotado e ela tem aquela expressão de satisfação que eu costumo observar em minha amantes. Enquanto minha semente escoa pelas coxas de Circe, eu fico grato por saber que nenhum incidente ou acidente ocorrerá nesse… intercâmbio cultural.

Sob os Véus


Eu sou a filha de pálpebras azuis do pôr do sol; Eu sou o brilho nu do voluptuoso céu noturno”. [Vel Legis, I, 64]

Eu me levantei quando percebi que Hélios, de sua carruagem de ouro, olhava com ar de censura na minha direção. Com as pernas ainda bambas, eu encontrei com Hécate e Circe na cozinha, preparando o desjejum. Circe virou o rosto por alguns segundos, olhou para mim e desviou o olhar, enrubescida, como se quisesse esquecer o que fizemos. Sons vindos do lado de fora chamaram a minha atenção e me deparei com Zeus fazendo algum tipo de ritual ou exercício físico.

-Bom dia a todos. Onde está Satan?

-Eu pedi para ele trazer incenso. Eu acho que nós devemos levá-lo para conhecer Asherah.

-Sim, isso faz sentido. Isso é algo que eu contava vir de você, Zeus. Jove não teria tal capacidade de raciocínio.

(pausando)-O garoto é meio cru, mas é esforçado. Eu estou dando algumas dicas e nós dois temos agido disfarçadamente no Novo Mundo.

-Talvez nós teremos que ser menos discretos nessa ação em relação ao Novo Mundo.

(enxugando o suor)-Eu prefiro deixar que o ser humano redescubra por si mesmo sua verdadeira origem e propósito. Eu aprendi muito com os Deuses do Oriente Médio e com a minha própria experiência. Jeová está perdendo o controle porque nunca teve o controle. O propósito do ser humano é o de se tornar divino. Então todos nós seremos uma grande família.

-Qual a relação entre os seres humanos e vós, Deuses?

Satan voltava trazendo consigo madeiras resinosas conforme a lista que Hécate providenciara. Diversas dessas madeiras são sagradas em diversas culturas e tal sacralidade sobreviveu por incontáveis séculos. As religiões oficiais que o ser humano criou não tinham muito o que fazer senão assimilar e ocultar o verdadeiro significado do uso dessas árvores sagradas.

-Eu acho que eu te devo algumas aulas sobre como os Helênicos contam a origem da humanidade.

-Eu tinha acabado de vencer os Titãs. Eu poupei Atlas, Epimeteu e Prometeu. Epimeteu criou a Fauna e a Flora. Prometeu decidiu criar algo diferente de todos os animais. Ele queria criar um ser que falasse e pensasse. Prometeu moldou do barro uma criatura à imagem e semelhança de nós e soprou em seu corpo o sopro da vida. Ele chamou esta criatura de Homem. Então Prometeu roubou o fogo divino e o entregou ao Homem. Eu temi que o Homem se voltasse contra nós então eu pedi para Hefesto criar Pandora, a primeira Mulher.

-Isso é bem parecido com o que Jeová me contou sobre como Ele criou o ser humano.

-Jeová imitou e copiou as lendas dos povos vizinhos do povo Hebreu. Ele nunca foi criativo ou original. O caso é que diversos povos, de diversas culturas, falam que a Humanidade é uma obra do divino. O Homem [e a Mulher] foi feito das cinzas dos Titãs e receberam a fagulha divina. Por isso que o Homem [e a Mulher] está sempre em conflito, dentro de seu ser lutam duas forças antagônicas. Outros Deuses travaram lutas e batalhas por causa do Homem [e da Mulher], os Deuses vencedores suprimiram e demonizaram os Deuses vencidos. Civilizações, reinos e impérios nasceram, cresceram e sumiram. Para cada época, formou-se o que é chamado de Espírito do Tempo, uma manifestação do Espírito Divino do Homem, que formatava a sociedade, o governo, a cultura e a religião. O Homem não tem consciência de sua natureza divina, foi nisso que Jeová apostou para consolidar seu poder no mundo humano por muitos séculos.

Zeus cessou a narrativa e Satan ficou pálido. Eu entendo o que ele sente. Eu ainda reluto em aceitar o papel que meu Aspecto tomou. Satan ainda precisa amadurecer mais antes de lidar com o peso da responsabilidade que ele está encarregado.

-Por isso que eu te falei, Zeus, que é importante que Satan conheça a família dele.

-Por isso que eu te pedi para trazer incenso, Satan. Nós vamos à cidade de Edom ver Asherah.

-Muito propício. Tanto Judeus quanto Cristãos escondem e omitem o quanto suas crenças devem aos Moabitas.

Eu aceno, concordando. Quando eu tive a oportunidade de analisar as lendas de Cristo, eu fiquei curioso com o motivo pelo qual foi profetizado que Cristo deve vir da raiz de Davi e Jessé, descendentes de Boaz e Rute, a Moabita. A Torah descreve a geração vinda de Moabitas e Amonitas como maldita, porque fez o povo de Israel celebrar outros Deuses que não Jeová. Satan precisa saber da verdade sobre Jeová e suas ações nada louváveis.

(Zeus, pensativo)-Eu ainda tenho contato com Astarte e Melcarte. Cadmo deve nos ajudar.

Eu fiquei animado, pois havia uma boa chance de rever Europa, que é irmã de Cadmo. Ambos são descendentes de Agenor e Teléfassa, rei e rainha de Tiro, Fenícia. E são, indiretamente, descendentes de Poseidon, irmão de Zeus. O que faz com que Helênicos, Fenícios e Persas terem origens em comum. Eu quase fico animado com a ideia de nos tornarmos uma grande família. Isso não irá afetar em coisa alguma meu affair com Juno. Só vai ficar mais… interessante… no ponto de vista divino, evidente.

-Vocês vão embora?

A expressão de filhotinho no rosto de Circe me indica que ela, no fundo, não vai esquecer de nossa noite juntos. Eu costumo causar essa boa impressão.

-Eles precisam ir, minha filha. Mas eles vão voltar, certo, meninos?

-Claro que sim! E nós vamos trazer muitos presentes. Da Pérsia!

Circe sumiu para dentro da cabana e nós tratamos de preparar nossa viagem. Hécate nos encheu de cestas com comida. Zeus acenou como se pedisse para nos apressarmos, aparentemente Cadmo topou nos levar em um de seus muitos navios. Nós temos que ir rapidamente ao porto de Pireus.

-E… esperem… por favor, levem isso.

Circe estende, toda retraída, três plaquinhas de cerâmica para nós.

-Amuletos… para proteção e boa viagem.

Zeus está apressado, então eu aceno, agradeço e o sigo. Esse tipo de coisa é completamente inútil para mim. A parte ruim é termos que nos misturar com os humanos, nesse tráfego de veículos. O cheiro do porto é algo que eu acho que jamais vou me acostumar.

-Boa tarde, Cadmo. Pode levar meus dois amigos para Asdode? Se souber, nos indique quem pode nos levar a Ecrom e de lá para Aman?

Cadmo olha desconfiado. Eu estou acostumado a isso.

-Negócio é negócio. Não me interessa o que vocês vão fazer ali. Duzentas dracmas de ouro.

O preço é extorsivo, mas nós não temos muitas opções. Ficamos zerados de finanças, mas pelo menos conseguimos ficar com as cestas de comida. O navio, com uma enorme imagem de Poseidon na proa, é grande como uma cidade e atravessar o Mediterrâneo foi tranquilo. No porto de Asdode, uma figura esquálida, cabelos amarelados, magra, como se acabasse de sair de uma revista de moda nos acena.

-Ufa, que sorte que eu consegui encontrar vocês!

-Afrodite! Que surpresa!

-Pois é, meninos. Eu moro em Chipre, mas eu sou nascida de Tiro, Síria. Cadmo me avisou que vocês viriam, então eu achei que vocês vão precisar de alguém para guia-los.

Eu seguro a risada ao ver a expressão que Satan faz, tentando entender essa complicada genealogia e origem dos Deuses que deram origem à civilização ocidental, mas cujas origens são tão orientais. Isso fica muito mais engraçado (pelo menos na minha cabeça) quando eu penso em pessoas que se dizem “pagãos modernos” e falam em “estirpe”. Nem os Deuses possuem essa tal de “pureza de sangue”, Deuses e Homens são miscigenados.

Afrodite nos conduz a um veículo que pertence a alguma empresa de moda. Ela certamente deve dar consultoria a toda empresa da área de saúde, estética, cosmética e moda.

-Então… vocês vão mesmo para Ecrom e depois para Aman?

-Sim, nós temos um negócio para concluir.

-Por acaso vão visitar Asherah?

-Eh… o boato e a fofoca chegam rápido, não?

-Querido, meu trabalho é garantido pela fofoca. O que eu quero saber é por que vocês vão lá.

-Isso tem a ver com nosso jovem companheiro aqui.

(sondando)-Ele que é Satan?

-Eh… sim.

(decepcionada)-Sem graça. Eu esperava algo mais.

-Eh… você pode e vai nos levar?

(desinteressada)-Eu vou fazer esse favor. Mas só porque eu quero falar com Asherah. Ela tem que fazer algo pelas mulheres islâmicas.

-Eh… bom… nós preferimos não nos metermos nisso.

(desprezo)-Eu acho bom mesmo.

Esse é um fato interessante e curioso, tanto entre os Deuses quanto entre os seres humanos. Seres de incrível beleza externa tendem a ser podres por dentro. Com uma rara e notória exceção. Mas eu não vou falar sobre Ela… ainda.

O veículo estaciona nas bordas de uma pequena vila nas cercanias de Aman. Seres humanos, em situação rudimentar, sobrevivem como podem, habitando em casas feitas de sapê. Afrodite não aparenta estar curtindo a viagem, ela se detém diante de uma choupana e grita algo no dialeto local (alsafhat alrayiysiat?). A resposta vem audível.

-lahda men fadlek!

A figura de uma mulher ergueu o enorme tecido que serve de porta e nos encarou, com surpresa nos olhos. Ela me faz lembrar Freyja, mais queimada.

-Oh, puxa… visitas… de longe. Eu não esperava. Por favor, entrem. Eu vou preparar um chá.

Não sei porque sinto um certo constrangimento. Asherah deve viver como esse povo, não parece certo fazer com que ela tire do pouco que tem para cevar Deuses tão opulentos como nós. Zeus tem que insistir muito para Asherah aceitar pegar as comidas que trouxemos nas cestas. Afrodite só fez cara de nojo para tudo. Nojenta.

-Vamos, peguem o que quiserem. Tem para todos.

-Eu vou direto ao assunto, que eu tenho mais o que fazer. Asherah, você tem que fazer algo pelas mulheres islâmicas!

-Eu tenho? Por que?

-A situação que a mulher vive nos países muçulmanos é inaceitável! Você tem que fazer algo!

-E o que sugere? Que essas mulheres assimilem e aceitem a objetificação sexual tão comum no ocidente? Com que autoridade você vem querer impor os seus padrões de cultura ao meu povo? Com que ousadia você quer que eu contrarie uma tradição cultural que eu gerei? Você, Afrodite, fez a sua escolha. Deixe que essas mulheres façam as escolhas delas. Eu vou continuar a proteger, amar e cuidar dessas mulheres, desse povo, o meu povo.

Afrodite deformou o rosto de tal forma que eu me recuso a descrever. Contrariada, levantou e saiu, sem cerimônia. O som do veículo saindo em disparada, cantando pneu, fez com que eu entendesse que estávamos por nossa conta.

-Oh, bem… ela sempre foi esquentadinha. Mais chá? Mais bolo?

-Eh… obrigado, Asherah. Nós viemos aqui por um bom motivo.

-Loki, certo? Eu fico feliz em te conhecer. Zeus eu conheço vagamente. Mas eu desconheço esse jovem que os acompanha.

-Esse jovem é o motivo da nossa visita. Nós temos boas razões para acreditar que ele é seu filho, sequestrado por Jeová.

-Isso… será? Meu jovem, por acaso você é (omitido)?

-Eu… não sei… as minhas memórias são confusas e misturadas.

-Bom, só tem um jeito de saber. Venha. Pegue em minha mão.

As mãos calejadas estão delicadamente decoradas com pintura de henna. Eu sinto o agradável perfume de óleos aromáticos que saem do chador vestido por Asherah. Memórias da minha infância invadem meu pensamento, as boas e as más, o que é doce e amargo, como tudo na vida. Satan acolhe nas mãos dele aquelas honradas mãos. Tudo desaparece. Nós estamos de volta à Canaã, no tempo em que as diversas tribos semíticas tinham Deuses relacionados, nos mesmos moldes que os Gregos e Romanos tiveram, Deuses e povos que compartilhavam as mesmas raízes e origens. Asherah está nua e grávida, seu povo está com medo, diante do exército Assírio.

-Eu me dobrei debaixo de Baal e meu povo pôde viver. Então apareceu Jeová, o menor dos Elohim, convencido e prepotente, propor casamento comigo, prometendo que manteria meu povo a salvo de invasores. Eu não sei como, mas ele tinha as armas de Anu. Baal me considerava mais uma cortesã de seu harém. Eu estava grávida e meu povo depende de mim. Eu acreditei… eu confiei… e eu me arrependo profundamente.

Asherah recolhe as mãos, constrangida em se mostrar tão frágil e fraca. Ela não tem ideia do quanto nós admiramos a coragem e força dela, é necessário ter uma forte convicção para se submeter a tal ponto. Satan dá sinais de que está recuperando a memória, tanto a boa, quanto a má, tanto o doce quanto o amargo, como tudo na vida.

-Mãe! Minha mãe!

Satan se lança em um abraço e aperta Asherah como se nunca mais quisesse se separar dela. Eu quase sinto inveja dele. Meu consolo, se eu posso dizer assim, é pensar em Juno, ou talvez pensar nEla, algo que eu não recomendo.

-Pronto, pronto. Eu estou aqui. Eu não vou desaparecer. Você está bem, é o que importa. Mas foi muito arriscado vocês virem aqui. Jeová está fazendo acordos difíceis de conciliar e esses poderes são muito agressivos.

-Pode parecer loucura, Asherah, mas nós estamos contando com o potencial explosivo desses poderes para explodir Jeová.

(pensativa)-Isso pode machucar muitas formas de vida, inclusive vocês.

-Nós acreditamos que poderes opostos de igual força vão nos proteger.

-Eu acredito em vocês, meninos. Emprestem para mim esses amuletos que vocês portam?

Eu havia esquecido completamente os amuletos que Circe nos dera. Nós três entregamos os amuletos e Asherah espargiu sobre eles o mesmo óleo aromático que ela usava, em suas roupas e no seu corpo. Só então eu me dei conta de que esse tipo de óleo foi usado da mesma forma por Hécate, certamente uma fórmula que remonta a um tempo além do tempo. Eu me senti pequeno e constrangido em testemunhar um ato tão antigo e sagrado. Ela os devolveu e estavam visivelmente diferentes.

-Meus queridos, vocês devem ir para Bagdad. Esses amuletos vão servir para que vocês possam achar e entrar no templo de Ishtar. Ela os está aguardando.

Isso não fazia parte de nossos planos. Encontrar com Ela. Eu não estou pronto, Zeus não está pronto e Satan pode enlouquecer. Mas como vocês dizem, os fins justificam os meios.

O Portal de Ishtar


Nós saímos da cabana de Asherah meio desorientados. Como eu havia percebido, Afrodite tinha nos deixado e nós não temos carro e nem minhas habilidades como trapaceiro pode lidar com a barreira linguística. Um senhor de pele cor de cobre acenou de dentro de um veículo velho, gesticulando, um sinal que eu reconheci como um convite para entrar.

De Aman fomos até Al Jizah, mais especificamente o Aeroporto Internacional Rainha Alia.

Em algum lugar entre Bagdad e Al-Hillah nós chegamos ao sítio arqueológico do que outrora fora a Babilônia.Entre as ruínas e turistas, estava o Portal de Ishtar, não como sua forma original, mas muito bem reconstruída. Nós tivemos que aguardar acalmar o volume de turistas e nos desvencilhar de “guias” nem sempre bem-intencionados para, então, tentar decifrar como e onde nós usaremos os amuletos que Asherah nos cedeu.

Somente quando anoiteceu eu vi claramente a lua no quarto crescente e bem acima dela a estrela vespertina brilhando, o mostrava que nós estávamos sendo observados. A estrela que os seres humanos chamam de Vênus piscou e algo piscou da muralha. Zeus ficou todo arrepiado ao perceber exatos três nichos, com a forma e dimensão exata dos amuletos que nós tínhamos. Com relutância, nós encaixamos os amuletos nos nichos, torcendo pelo melhor.

Uma luz forte e brilhante irrompe através do portal e de dentro do edifício. Quando nos acostumamos à claridade, eu percebi que as paredes estavam ricamente decoradas com finos tecidos. Nós fomos seguindo pelo corredor, seguindo o cheiro e som suave que vinham de algum ponto. Chegamos ao que eu acredito ser o núcleo dessa fortaleza, o chão está coberto com peles e de um trono, bem destacado no alto de uma plataforma, estava Ishtar em sua incomensurável beleza.


-Boa noite, meninos. Está uma linda noite hoje.


-Poderosa Senhora….


-Zeus, certo? Olha, eu dispenso gentílicos e pronomes de tratamento. Eu sou Ishtar. Eu sou irmã de vocês. Falem abertamente.


Um pedido difícil. Ishtar é o Aspecto mais próximo dEla, dizer que é um reflexo é uma blasfêmia, falar que é uma manifestação é um sacrilégio, pensar que é uma parte dEla é uma heresia. Como eu previra, Satan está prestes a enlouquecer e Zeus está visivelmente perturbado. Eu vou tentar usar a mesma Arte que eu uso para lidar com Angrboda, é o que me ocorre nesse momento.


-Irmã, nós viemos aqui por orientação de Asherah.


-Sim, eu os estava esperando. Este jovem deve ser Satan.


-Precisamente, irmã.


-Então diga-me, Satan o que sua irmã pode fazer por você?


-Al'ukht alkubraa, eu quero conhecer o meu passado. Eu quero saber como Jeová me tirou a pessoa mais preciosa de minha vida.


-Eu não sou tão velha assim… (risos) e eu devo explicar a vocês, meus irmãos, que isso é culpa minha.


-Como assim, irmã?


-Meu irmão Loki, os Deuses guerrearam entre si muito antes do Ragnarok. Muitas lutas, contra os Deuses autóctones de Gaia, contra os Emissários de Nibiru e lutas entre meus irmãos. Sua gente teve sua luta, a gente de Zeus teve sua luta, isso é viver, toda forma de vida luta para sobreviver. Dentre tantos assentamentos de Deuses, eu e meus irmãos não demos a devida importância quando apareceram os Elohim. Também não nos importamos quando os Elohim foram dominados pelo menor, mais fraco e mais covarde entre eles. Nós não entendemos quando esse pequeno Deus, que mais parece um verme, apareceu nos portões de Edingir, declarando guerra contra nós, portando as armas de Anu. O que eu descobri depois é que Jeová roubou as armas de Anu enquanto era cativo na Assíria e na Pérsia. Ele enganou os Helênicos quando estes tomaram a região e enganou também os Romanos com o culto de escravos que Ele mesmo criou na Judéia.


-E isso envolveu o sequestro de Satan.


-E isso envolveu o cárcere de um casal de seres humanos (que nós chamamos de Lulu) para que Jeová pudesse ter um povo seu, embora Ele e o seu povo não tenham uma terra de origem.


-Ele teve tanto esforço assim, mas mesmo assim precisou criar esse culto de escravos.

(sorrindo)-Ele acredita nisso, mas esse culto será a ruína dele, assim que o ser humano descobrir qual a verdadeira identidade e propósito de Cristo.


-Pode nos dizer?


-Sim e é por isso que eu permiti que Jeová, em sua arrogância e prepotência, enviasse vocês até a mim. De certa forma, eu manipulei Ele para que vocês me ajudem no Grande Despertar da Humanidade. Satan terá um papel importante nesse plano.


-Eu? Mas como?


-Simples, querido irmão. No momento certo, você derrotará Jeová e irá libertar a Humanidade, casando-se com Lúcifer, a Serpente, que também é Cristo.


-Eu não estou em posição de questionar ou reclamar, mas como eu, um anjo, que desconhece assuntos carnais, pode se casar com Cristo?


-Oh, querido irmão, acredite em mim, anjos também possuem sexo e sexualidade. Lilitu, uma de minhas servas, pode atestar isso muito bem.


-Novamente, eu não quero ser impertinente, mas eu prefiro ter contato carnal com uma forma de vida feminina.


(risos)-Aguarde e verá. Eu nem vou precisar usar da minha Arte quando você ver e conhecer Cristo.


-Irmã, como iremos derrotar Jeová? Nós não temos armas e somos poucos.


-Confie em mim, meu irmão Loki. Vocês terão o necessário no momento certo.


Eu tenho sérios problemas em confiar. Eu lancei o meu povo e meus irmãos no Ragnarok porque quebraram essa confiança. No entanto o meu raciocínio se recusa a trabalhar, extasiado com a visão que Ishtar nos proporciona.


-E eu, irmã? O que eu posso fazer?


-No momento, irmão Zeus, você deve voltar para o seu hotel. Sua filha Atena está precisando de sua presença. Agora vocês devem partir. Eu os autorizo.


Ishtar fez um leve meneio de sua mão e nós fomos teletransportados instantâneamente para Roma, a poucos metros do Vaticano. Algo no meu bolso me incomodou e eu fiquei pálido com o que eu li em um pequeno pedaço de papel:


-Loki, meu irmão, eu vejo o êxtase com frequência nos rostos de Deusas depois de te conhecer. Quando acabar essa missão, venha me visitar. Eu quero conferir esse seu… talento.


Eu temo por minha existência, apesar de eu ter passado pela experiência do esquecimento.


Showdown


Jeová não estava curtindo, não pegava bem Aquele que se intitula o Deus Único, Onipotente, Onipresente e Onisciente ser teletransportado por uma entidade supostamente diabólica. Mas lá estávamos nós três, diante dEle e os seus associados (cúmplices), os governantes do mundo. O homem que estava investido como Sumo Sacerdote dessa Grande Ordem Mundial entendeu que tudo estava preparado para o Armagedon, a versão Cristã do Ragnarok.


-Deus Pai Todo Poderoso, eis que a Serpente avança com seu séquito para o Juízo Final! Que os Redimidos pelo Sangue de Cristo recebam o Arrebatamento para o Paraíso e os iníquos conheçam a Ira do Senhor!


-Revelação de Roderich,4.16: “E chegará o tempo em que a constelação do jarro de água estará sobre o mundo terra”.


A voz suave, doce e harmoniosa soou pela Basílica de São Pedro sem que ninguém soubesse de onde vinha nem quem falava.


-Vós chamais a mim de Satan, mas conheçam a verdadeira identidade de Jeová, conhecido também como Yahweh. O verdadeiro Nome dele é Jaho ou Jahu, o antigo grande anjo

Schaddai ou Schaddein, ou seja, "aquele que se rejeita".


-Palavras de Astarte, 3: “Os homens são sombras dos deuses; eles agem como bem entendem. Deles é o mérito da luz, deles é culpa das trevas. Aconteça o que acontecer com o ser humano: ele é responsável por ele mesmo, ninguém culpa a divindade”.


Outra voz feminina incorpórea soou pela cúpula, sem que Jeová pudesse impedir ou deter quem quer que falasse.


-Revelação de Isais, 35: “A guerra está na dança dos séculos, incessante desde que Shaddain se lançou contra Allfather. O espaço é encontrado, o espaço é ocupado, onde a espada do herói é necessária, onde uma ação ousada é necessária”.


Jeová se contorcia, sabendo que a voz ressoava além da basílica, além do Vaticano, além de Roma e da Itália, ressoava pelo mundo inteiro.


-No sono profundo tudo ficava no começo, sem saber de si mesmo e do que ia acontecer. O Iluhe flutuou sozinho no mar cintilante de ser inexistente. Por um lado é tudo e tudo isso está em toda parte: Estas são as vibrações e as correntes, vindo do Iluhe. E porque tudo que ainda era faíscas sem luz do que poderia vir à vida, cada um dos cortes não unificantes, foi feito com uma série de suas próprias vibrações, então aconteceu que o número de vibrações de um corte era semelhante ao de Iluhe e assim o atraiu para si; e este era o de um Els que se tornaria IL, Deus o Altíssimo . Pois aconteceu que o Iluhe, a fêmea Ilu e o macho Ilu, se encontraram e se uniram logo acima daquele corte. E com isso veio o verdadeiro começo.


Eu reconheci essa voz como sendo de Asherah, o que faz com que as demais vozes femininas sejam das Deusas Astarte Ishtar.


-Pare! Eu, o Senhor, ordeno!


-Basta, Yaho, essa sua obstinação e loucura acaba agora!


-Sim, você não tem mais o apoio dos Ingi que usou para usurpar a assembleia dos Elohim.

Eu recuei, espantado. Ali, na Basílica de São Pedro, o local mais importante do Vaticano, vieram Baal e Marduk.


-Um El chamado Jaho (Jahve) subiu para ser o líder dos ímpios. Portanto, a tribo de El Jaho era uma tribo peculiar, muito diferente de todas as outras tribos no reino de Deus; pois contrário à ordem eterna, a tribo de Jaho estava sem harmonia interior, pois seus membros provinham de tribos diferentes e, portanto, também eram de modos diferentes; misturavam grande e pequeno, inteligente e tolo, El e Ingi de cores e naturezas diferentes. Foram todos os ímpios das tribos individuais que se reuniram para formar a nova tribo, para uma tribo cuja comunalidade não era a harmonia de forma, essência e espécie, mas a malícia comum. Esse foi o erro de meus pais e meus irmãos. Esse foi o meu erro. Por isso eu vos enviei Lúcifer, a Serpente, Cristo. Vinde adiante e se mostre, querida irmã.


-Eis que eu estive entre vós e vós não me conhecestes. Eu voltei, como prometido, para que o Véu que separa Mittelreich e Himmelreich seja rasgado.


As palavras de Ishtar soam como algo que eu aprendi em minha infância sobre os Nove Reinos que brotam de Yggdrasil. As coincidências são muitas para serem meras coincidências. O Aspecto que Lúcifer adota é o que o escriba me aponta de um anime chamado “Sin Nanatsu no Taizai” e eu percebo que Satan ficou realmente animado.


-Vós sois Cristo? Não foi vós quem eu vi no Calvário.


-Não, meu irmão e noivo. Aquele era Yheshua ben Yoseph, um dos muitos dos círculos secretos instruídos por mim para divulgar o Conhecimento para todas as pessoas.


-Então vós encarnastes como ser humano?


-Sim, muitas vezes e em todas eu fui perseguida, presa, torturada e morta.


-Qual foi a vossa encarnação na província da Judéia, no tempo de Tibério César?


-Miriam Magdala, esse foi o nome que minha encarnação recebeu.


-Então havia mais de um que se apresentava como Cristo sem que o fosse?


-Oh, sim! No meu tempo, nessa encarnação, eu escolhi três porta-vozes, cada qual escolhia outros três, por uma questão de segurança e para manter a tradição dos mistérios antigos que cada Coven deve ter até treze membros.


-Então a Mensagem que vós pronunciastes para o povo tem a mesma origem dos mistérios antigos?


-Sem dúvida. Sem saber, os sábios de Israel profetizaram a minha vinda, proclamando que eu viria da raiz de Davi e Jessé. O que é uma contradição, pois a linhagem de Davi e Jessé vem de Boaz e Rute, a Moabita o que, segundo a Torah, é uma geração condenada. Eu contava com a fome de poder que Yaho tem para que Ele mordesse a isca. Eu esperava que Ele tomasse para si a figura de Cristo, para criar o Cristianismo que, com a expansão e domínio mundial, fez com que Ele construísse sua própria ruína. Eu sou a herdeira legítima de uma linhagem milenar de sacerdotisas da Grande Deusa, sendo eu mesma filha dEla.


-Sendo assim, porque eu sou necessário para a derrota de Yaho? Por que me chamas de vosso noivo?


(encabulada)-Isso, meu noivo, porque somente depois que eu realizar o Hierogamos contigo é que eu posso exigir a minha herança e poder da Grande Deusa.


-Eu… nós… vamos realizar o casamento sagrado?


(enrubescida)-Sim, se me amares e desejares.


Eu sou imensamente privilegiado por ter sido testemunha desse momento único e sagrado. De nada adiantou Jeová ter as armas de Anu. Por mistérios que é melhor se calar, a união sagrada de Cristo com Satan reativou a linhagem matrilinear que remonta até a Grande Deusa. Algo ao qual até o temível Anu sabe que deve resguardar e obedecer. As armaduras míticas têm vontade própria, rejeitaram Jeová e retornaram ao descanso eterno, junto com Anu. Desarmado, Jeová é facilmente dominado, preso e conduzido ao Submundo para cumprir com sua condenação. O Mundo dos Humanos estava livre da opressão do monoteísmo, mas os efeitos dessa liberdade ainda demoraria a ser sentida, porque o ser humano ainda é dominado pelos senhores do mundo. Isso, para a sorte dos Deuses, é assunto que os seres humanos devem resolver por si mesmos. Satan e Cristo saem felizes, abraçados, para passar o próximo milênio em Lua de Mel. Eu, incômodo escriba, devo me despedir, pois eu sou obrigado a cumprir com a intimação que me foi dada. Ishtar me aguarda e eu nada tenho a reclamar disso.

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