Antes do surgimento da internet, os “anti-intelectuais” estavam dispersos, não possuíam a noção de sua força numérica e, em certa medida, se sentiam constrangidos por suas ideias esdrúxulas. Dito de outro modo, se envergonhavam de sua ignorância.
No entanto, tudo mudou com a rede mundial dos computadores. A Caixa de Pandora do obscurantismo foi aberta.
Não por acaso, ideias absolutamente controversas, como a chamada “Terra Plana”, têm ganhado um número cada vez maior de adeptos. Para os “terraplanistas”, nosso planeta não é esférico, mas plano, com o formato de um disco circular. Segundo essa “teoria”, não existe gravidade, o Polo Norte está localizado no centro do planeta e as estrelas estão “presas” ao céu.
Sendo assim, basta um computador pessoal ou smartphone para que qualquer indivíduo possa “refutar” teorias científicas corroboradas há séculos por pensadores como Copérnico, Newton, Einstein.
Aliás, este é o grande problema do “anti-intelectual”. Ele não se vê enquanto tal. Pior ainda: se considera um “tudólogo”, ou seja, especialista na área de “Tudologia”, fator que o torna apto a dissertar (com propriedade) sobre qualquer tipo de assunto, desde vacinas à geopolítica. Consequentemente, conhecimento é questão de opinião, não de evidências.
Nesse sentido, os “anti-intelectuais” questionam a eficácia de algumas vacinas e rejeitam veementemente a Teoria da Evolução formulada por Charles Darwin. No entanto, seus argumentos não são baseados em bibliografia especializada ou em estudos realizados a partir de rigorosa metodologia, mas postagens em grupos de WhatsApp “confiáveis”.
Durante a pandemia da Covid-19, o “anti-intelectual” discordava do distanciamento social para evitar a rápida propagação do novo coronavírus entre a população simplesmente porque era “sua opinião”. Da mesma forma, ele defendia o chamado “tratamento precoce” contra a Covid-19: “é minha opinião”.
No terreno pedagógico, os “anti-intelectuais” (que nunca pisaram em uma sala de aula, exceto, é claro, como alunos) querem eliminar Paulo Freire das escolas, porém acreditam que as instituições de ensino brasileiras não respeitam os valores tradicionais da família, pois são responsáveis por promover a “ideologia de gênero”, o “cientificismo” e a “doutrinação comunista”.
A solução para os problemas educacionais: o chamado homeschooling, modalidade de ensino em que crianças e jovens são educados em casa, pelos pais, em vez de irem às escolas. Logo, as novas gerações poderão ter contato com as obras dos “verdadeiros pensadores”, como Olavo de Carvalho, Leandro Narloch e Luiz Felipe Pondé.
Em relação à história do Brasil, a moda entre os “anti-intelectuais” é ser “politicamente incorreto” e negar acontecimentos como o massacre de indígenas durante o período colonial, a escravidão de negros e o golpe militar de 1964.
Os adeptos do anti-intelectualismo também não poderiam deixar de expor suas ideias políticas. Para eles, o nazismo era um regime de esquerda, simplesmente pelo fato de o Partido Nazista ter a palavra “socialista” em sua nomenclatura. Nessa mesma linha de raciocínio, podemos concluir que o peixe-boi é um bovino ou o cavalo-marinho é um equino. Uma breve leitura de trechos do livro Mein Kampf é suficiente para constatar o ódio de Adolf Hitler a tudo que remeta à esquerda política.
Certa vez, Nélson Rodrigues disse que os idiotas tomariam conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos. Pois bem, os idiotas podem (ainda) não ter dominado o mundo, mas, certamente, estão dominando as redes sociais.
Fonte: https://revistaforum.com.br/opiniao/2023/11/1/ser-anti-intelectual-esta-na-moda-por-francisco-fernandes-ladeira-146974.html
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