Não existe ciência baseada em evidências quando se trata de ciências empíricas. Existe busca de objetividade, em função de eficácia. O que tratamos como “é evidente” é do campo lógico. Não do campo empírico. Posso dizer “Todo homem solteiro é um homem não casado” e receber então uma exclamação: “é evidente!”. Posso dizer “Vitamina C melhora a pessoa com gripe”, e ninguém vai dizer que isso é evidente. Evidência é algo claro e distinto, diria Descartes. Mas os enunciados referentes às ciências empíricas, são sempre inferências, diria Hume.
Assim, nas ciências empíricas, como o caso da ciência da medicina, ou da psicanálise, tenho graus de objetividade, não tenho evidência de nada. Tentar exigir evidência de práticas baseadas em ciências naturais é confundir tudo. A objetividade da ciência é dada a partir de um modelo que, por meio do cálculo matemático e da observação com método, tenta reproduzir o real tendo por critério a eficácia. A construção do modelo, nos ensinou Heidegger, é onde impera o sujeito, a subjetividade, e portanto a objetividade que conseguimos já está impregnada pelo olhar humano, suas limitações, sua expectativa sobre eficácia.
A ciência médica, no entanto, é ainda mais complexa: ela depende da objetividade da ANVISA, da sabedoria do protocolo do Conselho Federal de Medicina e, principalmente, da literatura médica, sempre acrescida da experiência ou vivência médica. Nada disso tem critério de evidência, só de objetividade, e essa objetividade é mitigada, pois é dada por modelos que não são feitos pela lógica, muito menos pelo Olho de Deus. São perspectivas que alimentam a ciência médica, o comportamento médico por inteiro, incomensurável pela régua do laboratório. E mesmo que fosse comensurável pelo procedimento laboratorial, ainda assim, seria algo a ser visto como tendo graus de objetividade segundo a eficácia histórica, datada. Não seria nada evidente.
A psicanálise, por sua vez, ainda que oriente a parte da prática da psiquiatria, não tem qualquer intenção de ser ciência, por qualquer critério atual do que se diz que é ciência. Ela é uma das narrativas pelas quais tentamos nos conhecer, traçar descrições de nós mesmos. Como o marxismo e outras grandes filosofias. Mas a psicanálise pode estar integrada, sim, em práticas médicas. Como ocorre no campo psiquiátrico. E quando o médico olha o conjunto de sua vida, ele sabe que ele ajudou muita gente a se livrar da dor.
Fonte: https://ghiraldelli.online/2023/08/08/nao-existe-a-tal-ciencia-baseada-em-evidencias-pasternak-e-so-picaretagem/
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