Autor: Ricardo Nêggo Tom
Ao me deparar com um vídeo onde o deputado federal Sargento Isidoro, que também é pastor evangélico, para explicar que homem tem pênis e mulher tem vagina, utiliza termos como "binga", “pinto”, “cocota” e "xeca" para se referir respectivamente aos órgãos genitais masculino e feminino e justificar o seu posicionamento contrário ao casamento homoafetivo, fiquei pensando que caberia importantes reflexões acerca dessa fala e, principalmente, a respeito do furor dos bolsonaristas ditos cristãos, em represália a tal pauta, e o pânico moral que a hipocrisia dos discursos utilizados por eles pretende causar na sociedade. Não apenas o casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas outros temas como a liberação do aborto, a suposta guerra as drogas e a demonização de religiões afro-brasileiras e de ideologias políticas progressistas, também fazem parte desse processo que visa criar preocupação e ansiedade na população. Como bem definiu o sociólogo estadunidense Stanley Cohen, em seu estudo “Folk Devils and Moral Panics” (Demônios folclóricos e pânicos morais), de 1972, no qual explica como e quando uma condição, acontecimento, pessoa ou determinado grupo de pessoas e suas demandas legítimas, acabam sendo definidas como um perigo e uma ameaça aos valores sociais, morais e religiosos da sociedade.
Primeiro, dizer que o deputado em questão não é um demônio, mas já é uma figura folclórica bastante conhecida no Congresso. Certa vez, esse mesmo parlamentar se ofereceu para ter uma conversa com o então presidente Jair Bolsonaro, sobre as mudanças na flexibilização do porte de armas, porque, segundo ele, "para conversar com um doido, só outro doido". E isso ficou claro quando do seu pronunciamento na sessão que trata a pauta do casamento entre homossexuais. Usando a Bíblia como a verdade absoluta instituída, ignorando que ela foi escrita por homens arcaicos que articularam e pontuaram muitos de seus textos baseados na sua visão de mundo e nos preconceitos que outrora carregavam dentro de si - o que ratifica a sua doidice - o deputado baiano, sob aplausos dos bolsonaristas, defendeu que só existe casamento entre homem e mulher, porque assim foi instituído por Deus. Chegou a dizer que, se dois homens fossem deixados numa ilha deserta, eles continuariam a sós e lá morreriam. Do contrário, se fossem deixados um homem e uma mulher, eles iriam procriar e manter a espécie humana. Tanto inadequado como risível para o tema em questão, o “raciocínio” do parlamentar carrega de forma subliminar a intenção de fomentar um pânico quanto à desobediência aos mandamentos divinos e a uma ideia de possibilidade da extinção da raça humana – o que não seria uma má ideia para o planeta – caso o casamento entre homossexuais seja “normalizado”
Ainda sobre a Bíblia, que foi empunhada pelo deputado pastor no início de sua fala na comissão, ela não pode ser utilizada acima da Constituição da República e, muito menos, para oprimir liberdades individuais. O casamento homoafetivo não diz respeito à fé religiosa de ninguém e nem é uma questão de opinião ideológica. Tampouco de bolsonaristas, que costumam excretar, digo, raciocinar pelo mesmo órgão que condenam que se mantenha relações sexuais através dele. Sob a égide da honra de Deus e dos textos bíblicos, muitos crimes já foram e continuam sendo praticados na sociedade. Seres humanos foram escravizados, subjugados, excluídos e assassinados em nome de um deus criado à imagem e semelhança da estupidez e ignorância de homens que não tiveram civilidade o suficiente para entender que todos merecem viver com dignidade e respeito. Também não entenderam o significado do livre arbítrio que as "sagradas escrituras" relatam que Deus deu aos homens para viverem suas vidas de acordo com suas escolhas. De modo que, aquele que não crê na Bíblia, ou não a tem como livro de fé, não é obrigado a segui-la ou ter a sua vida pautada por ela. Simples assim. E, se nem Deus interfere nessa opção, por que religiosos e bolsonaristas teriam esse direito, ainda se fossem, de fato, servos fiéis desse Deus? Seriam os servos maiores do que o seu senhor?
O deputado federal Sargento Isidoro, que afirmou ser um homem de Deus e seguidor dos seus mandamentos, também classificou a homossexualidade como "fantasia" e disse que, mesmo que um homem corte a sua "binga", ele jamais será uma mulher, e nem uma mulher "tapando a sua cocota" será um homem. A pergunta que faço é: o que isso tenta ver com o casamento entre pessoas do mesmo sexo? Um parlamentar que leva um argumento tão esdrúxulo como esse para o debate, precisaria ouvir que não é pelo fato de ter sido eleito, que ele vai virar um deputado na acepção da palavra. Ainda mais formulando pensamentos tão toscos e rasos. Ao dizer que respeita o direito "fantasioso" de qualquer homem ou mulher fazer o que quiser com seu corpo, o deputado Isidoro atinge muito mais a hipocrisia de pais de família conservadores, do que a orientação dos homossexuais. São eles que à noite costumam realizar suas fantasias sexuais na companhia dos homossexuais que condenam a luz do dia. A lei da oferta e da procura por mulheres trans que trabalham com prostituição não me deixa mentir. E o Brasil de Isidoro e de tantos outros defensores da família tradicional, é o país que mais consome pornografia transexual no mundo. É muita fantasia mesmo, né?
Eu juro que não consigo entender toda essa energia empregada no combate à homoafetividade. No que poderia me afetar, a maneira como as pessoas se relacionam afetivamente? Não faz sentido essa toda essa sanha moralista. Se eu não pretendo me casar com outro homem, o que me faz lutar contra aqueles homens que querem se casar, se não uma ideia de superioridade moral ou um conceito de opressão das liberdades tendo Deus e a Bíblia como pretextos? Se Deus se opusesse à existência de pessoas homossexuais, ele, sendo o autor da vida e detentor de todo o poder sobre céus e terras, permitiria que essas pessoas viessem ao mundo? Se voltarmos um pouco mais no tempo, encontraremos membros de "comissões" se posicionando contra a abolição da escravatura, contra o direito das mulheres, contra a liberdade religiosa e outros tipos de defesa da moral e dos bons costumes da sociedade. Ou seja, o nome de Deus sempre foi utilizado para legitimar preconceitos contra pessoas tidas como inadequadas para o convívio social. Um absurdo que o deputado Isidoro defende, à luz de outros absurdos contidos na Bíblia, e que foram imputados à vontade divina para se tornarem mais críveis e aceitáveis. O racismo e o machismo são bons exemplos. Ou será que Deus odiava mesmo os descendentes de Cam e através de Noé rogou-lhes uma maldição para que fossem "servos de seus servos”? Um relato bíblico que justifica e legitima a escravização dos africanos. Ou será que Deus realmente mandou que o apóstolo Paulo dissesse que mulheres não deveriam falar nas assembleias? Ou seja, uma mulher que hoje, por exemplo, é pastora evangélica, estaria desobedecendo a palavra de Deus.
Até quando iremos aceitar que supostos representantes de Deus se comportem como o próprio, dentro dos parlamentos brasileiros? O Estado é laico ou é arcaico? Acho que vale uma reflexão.
Fonte: https://www.brasil247.com/blog/casamento-homoafetivo-como-demonio-folclorico-e-o-panico-moral-como-regra-de-fe-crista
Nenhum comentário:
Postar um comentário