Em 1632, o cardeal Ginetti encarregou padre Girolamo Bruni, da Congregação de São Felipe Néri, de realizar uma investigação para apurar o número exato de cristãos martirizados na Antiga Roma. O padre emérito executou a tarefa com diligência e o resultado foi espetacular: 64 milhões de mártires! Um valor simplesmente absurdo se formos considerar que no Império havia apenas 50 milhões de habitantes, entretanto esse número foi oficializado pela Igreja católica aos 10 de abril de 1668.
Além disso, de acordo com a tradição, os primeiros cristãos eram mansos e inocentes e, invariavelmente, enfrentavam os leões com surpreendente letícia, sustentada por uma fé firme e inabalável. Ao contrário, os opressores pagãos eram covardes, pervertidos, viciosos, brutais e impiedosos, chegando a matar os honestos cristãos sem razão, a não ser por puro sadismo. Os textos de apologética afirmam que a estirpe dos cristãos só conseguiu sobreviver à extinção total se escondendo -geração após geração- nas catacumbas (que na verdade eram simples cemitérios afastados), igual toupeiras. Esses senhores, porém, esquecem de explicar que, na verdade, as perseguições foram raras e intervaladas por longos periódos de calmaria total, tanto que o cristianismo cresceu sem parar e espalhandou-se em todas as províncias do Império.
Há algo de estranho e esquisito na história contada pela Igreja, algo que contrasta com o espírito de tolerância mostrado pelos Romanos em relação a todos os cultos do Império. O famoso historiador britânico Edward Gibbon escreveu, no século XVIII, que esse espírito encontrava respaldo na atitude romana para com os Judeus pois, “de acordo com as máximas da tolerância universal, os Romanos protegiam uma superstição que desprezavam“. Não havia, portanto, um motivo plausível para que os cristãos não fossem tolerados como os Judeus. Entretanto, diversamente de todas as outras religiões da época que conseguiam conviver em harmonia entre si, os cristãos parecem ter provocado uma grande hostilidade tornando-se notavelmente impopulares.
Tácito, por volta de 110 d.C., escreveu que eles eram “notoriamente depravados“. Suetônio (70-160 d.C.) registrou que o imperador Cláudio os expulsou de Roma por causar distúrbios contínuos. Até alguns líderes cristãos, como Cipriano, bispo de Cartago, afirmaram que os cristãos mereciam o tratamento que estavam recebendo. Objetivamente os cristãos costumavam se estranhar da realidade social da época proclamando que todas as outras divindades eram falsas e que deviam ser abatidas. Além de recusar o serviço militar e a participação às festas religiosas e civis, consideravam Roma a capital mundial do vício, digna de ser destruída com fogo e enxofre: “Caiu, caiu a grande Babilônia, e se tornou morada de demônios, e coito de todo o espírito imundo, e coito de toda ave imunda e aborrecível” (Apocalipse, 18:2). Sabe-se de soldados que, depois de terem se convertido desertaram do exército, como no caso de Teodoro de Amásia que, além de trair, botou fogo no templo de Cibele e, por isso, foi devidamente justiçado como incendiário. A Igreja o proclamou santo e mártir.
Hoje sabemos que as perseguições aos cristãos foram modestas, intermitentes, limitadas geograficamente e jamais desencadeadas por motivos eminentemente religiosos. As autoridades procediam com extrema cautela e, nas poucas cidades onde se pensava que os cristãos representassem uma ameaça, apenas alguns dos suspeitos foram presos, mas nem todos foram indiciados. Dos acusados, somente uma fração foi condenada, sendo a grande maioria dos apenados presa ou exilada, e muitos acabaram se beneficiando de anistias. As penas capitais foram realmente poucas, tanto que o apologista cristão Orígenes (185-253 d.C.) afirmou que o número de mártires “é pequeno e fácil de ser calculado”. Os rescritos imperiais sempre recomendavam que os magistrados agissem com moderação evitando de acatar as acusações anônimas e averiguando se as acusações tivessem fundamento. O bispo Eusébio de Cesaréia (265-339 d.C.) relata numerosos casos de cristãos se recusando de responder às perguntas do juiz, de dizer seus nomes ou inventando nomes falsos tirados do Antigo Testamento. Fontes históricas independentes narram que os cristãos mais fanáticos suplicavam as autoridades para que os martirizassem enquanto que os próprios magistrados imploravam que esses desvairados tivessem pena de si mesmos e desistissem de suas loucuras. De alguma forma, as Autoridades romanas agiam com a finalidade de proteger os cristãos do fanatismo popular e, em 177 d.C., os soldados salvaram a comunidade cristã de Lion que estava prestes a ser linchada pela população enfurecida.
A Igreja, além de ter manipulado e até inventado a biografia dos mártires (veja por exemplo o caso da inexistente Catarina de Alexandria), utilizou o martírio como prova da veracidade da Revelação alegando que jamais um fiel teria enfrentado as torturas e a morte se a sua religião não tivesse sido a única verdadeira. Se os cristãos conseguiram aguentar a dor e os suplícios era porque eles eram amparados por uma prodigiosa força sobrehumana advinda do Espírito Santo. Mas se esse raciocínio for verdadeiro para o Cristianismo, então deve valer também para qualquer outra fé, inclusive para o Paganismo. Efetivamente, deixando de lado o caso de Hipácia, virgem pagã martirizada em Alexandria do Egito aos 8 de Março de 415 d.C. -cuja história tornou-se popular graças o filme “Alexandria” (2009) dirigido por Alejandro Amenábar e interpretado por Rachel Weisz– ninguém jamais ouviu falar nas inúmeras pessoas que sofreram o martírio por não terem largado a sua fé nas antigas divindades pagãs. Nas escolas, nas universidade e nos livros de história, nada se fala a respeito desses outros mártires: eles simplesmente sumiram sem deixar rasto, assim como –caso a Alemanha nazista tivesse vencido a guerra- nada se saberia hoje do holocausto de milhões de Judeus.
Objetivamente têm razão aqueles que dizem que o Cristianismo dividiu em duas partes a história da Humanidade. De fato, antes havia tolerância, saber, arte, filosofia e beleza. Depois veio o terror totalitário que, com seu cortejo de ignorância e de medo, enturvou o mundo por mais de quinze séculos seguidos. Ninguém está querendo culpar Jesus por essa catástrofe, afinal ele foi um homem sábio, idealista, imbuído de patriotismo e de espírito inovador da religião israelita. O primeiro responsável foi Paulo de Tarso que, sem sequer ter conhecido Cristo, desnaturou a mensagem de Jesus inventando uma nova religião profundamente intolerante. A que segue é uma lista, necessariamente parcial, das principais perseguições e/ou atos de violência perpetrados pelos cristãos desde o início da nossa Era até o fim do Império Romano do Ocidente. Como a cronologia é relativa a anos da Era Vulgar, a notação d.C., sendo redundante, é omitida.
Ano 54. Paulo de Tarso ataca pela primeira vez o culto de Ártemis (Diana) de Éfeso, cujos sacerdotes e sacerdotisas tinham a obrigação de praticar a castidade. Quando, uns séculos depois, vieram as persecuções contra os adeptos de Diana, cerca de 30.000 gregos foram crucificados devido eles terem se recusados de abjurar o culto à deusa.
Ano 250. A seita gnóstica de Saturnino, devota de Cristo e fautora da ascese, da meditação e da pudicícia, é perseguida e exterminada pelos cristãos dogmáticos.
Ano 301. Um pregador de nome Gregório, durante uma calamidade natural e explorando a superstição do rei da Armênia Trídates III consegue convertê-lo. O rei ordena o massacre dos sacerdotes pagãos e a transformação em igrejas dos templos das antigas divindades greco-romanas. Todas as bibliotecas armênias, fundadas por soberanos helenísticos, são queimadas por serem “cofres de conhecimento demoníaco“.
Ano 315. Inicia a perseguição aos seguidores das divindades clássicas. Em Dídimos, atual Turquia, por ordem do general romano Materno Cinégio –por sua vez incitado pelos monges locais, é saqueado o oráculo de Apolo e os sacerdotes torturados até a morte. Os pagãos do sagrado Monte Atos são detidos sob a falsa acusação de traição e justiçados; todos os templos pagãos do local são destruídos.
Ano 330. O imperador Constantino I pilha os tesouros e as estátuas dos templos pagãos da Grécia para decorar Constantinopla, a nova capital do Império. Enquanto isso, os cristãos saqueiam e ateiam fogo no santuário do deus celto-romano Apolo de Bayeux onde os sacerdotes são linchados. Nenhum apologista cristão censura esse Imperador por ele ter mandado assassinar a esposa e o filho.
Ano 334. Um decreto imperial ordena o fechamento de todos os templos pagãos. Alguns deles são profanados e transformadas em bordéis por desprezo à religião pagã. Muitos sacerdotes são executados. Importantes bibliotecas em várias cidades do império são queimadas.
Ano 335. O imperador Constantino I saqueia vários templos pagãos na Ásia Menor e na Palestina e ordena a execução por crucificação de “todos os magos e adivinhos“. Destarte, todos os “oráculos e os acusados de magia” são crucificados como culpados pela má colheita daquele ano. Os livros de geometria são proibidos por serem considerados textos de magia. Sópatro de Apameia, filósofo neoplatônico defensor do paganismo e da filosofia é martirizado. Esse ano marca o começo da caça às bruxas que vai continuar na Europa até a última queima no século XVIII na França.
Ano 341. O novo imperador Constâncio persegue “todos os adivinhos e os helênicos [os pagãos]”. Muitos são aprisionados e justiçados. Todos os templos são fechados. Dois anos depois um novo decreto institue a pena de morte para os idólatras.
Ano 357. A deusa Vênus, também chamada de Luxfero, ou seja, “portadora de luz”, torna-se Lúcifer; Astarte, também chamada de Astarote, torna-se um demônio; a deusa Fortuna Mammona torna-se Mamon, o diabo mencionado nos Evangelhos. Centenas de toneladas de estátuas gregas e romanas de valor e beleza incomparáveis são jogadas nas fornalhas e transformadas em cal. Assim perde-se boa parte do patrimônio artístico da Humanidade. Também o estudo dos astros é proibido.
Ano 359. Na cidade de Citópolis, na Palestina, os cristãos organizam o primeiro entre muitos campos de concentração para a tortura e execução dos pagãos presos em qualquer parte do Império. O historiador Amiano Marcelino escreve: “Dos lugares mais remotos do Império arrastaram incontáveis cidadãos de todas as idades e classes sociais, acorrentados, e muitos deles morreram no caminho ou nas prisões locais. Quem conseguiu sobreviver, acabou em Citópolis, uma cidade remota na Palestina, onde eles colocaram os instrumentos de tortura e execuções”. Um cronista pagão escreve: “Se nós estamos vivos, então é a própria vida que está morta”.
Ano 364. O imperador comilão Joviano manda queimar a famosa biblioteca de Antioquia e, aos 11 de setembro, ordena a pena de morte para todos os pagãos que praticam o antigo culto dos deuses ancestrais ou a adivinhação. Com três decretos sucessivos determina o confisco das propriedades dos templos pagãos, punindo com a pena capital aqueles que se dedicam aos rituais pagãos, mesmo que sejam dentro de casa. Poucas semanas depois Joviano falece de morte súbita provocada, parece, por uma violenta indigestão mas, para os cristãos, dessa vez não se trata de um castigo divino.
Ano 370. O imperador Valente ordena uma tremenda perseguição contra os pagãos em toda a parte oriental do império. Em Antáquia, entre muitos outros pagãos, são executados o ex-governador Fidustius, e os sacerdotes Hilarius e Patricius enquanto milhares de inocentes são torturados ou mortos por terem simplesmente se recusado de abjurar o culto tradicional. Numerosos livros são queimados nas praças das cidades do Império do Oriente. Todos os amigos do falecido imperador Juliano (Orebasius, Sallustius, Pegasius, etc.) são perseguidos. O filósofo Simónides é queimado vivo e o filósofo Máximus é decapitado.
Ano 372. O imperador Valente ordena ao governador da Ásia, Fisto, que extermine todos os gentios e destrua suas obras. Inúmeras pessoas apavoradas começam a queimar suas livrarias para escapar do perigo. Quem tem a coragem de resistir é entregue aos carrascos. As delações são muitas, o clima é de terror. É inventado o termo pagão (de pagus = vilarejo) como forma de desprezo aos gentios. São Martino completa a destruição dos templos da Galácia e até as representações teatrais são proibidas. Valente enfrenta os Godos na batalha de Adrianópolis (378) onde, não querendo, por soberba, esperar a ajuda do imperador do Ocidente Graciano, é derrotado e morto pelos bárbaros. A perseguição é suspensa: os cristãos choram, mas os pagãos agradecem aos deuses.
Ano 380. Em 27 de fevereiro, um édito do imperador Teodósio I proclama ser o cristianismo a única religião de Roma, e proíbe todas as outras. Ele declara que os pagão são “repugnantes, hereges, estúpidos e cegos“. O bispo Ambrósio de Milão está autorizado a destruir todos os templos dos gentios. Em Constantinopla o templo de Afrodite é transformado em bordel e os de Hélio e Ártemis em estábulos. Apesar desse monstro pior que Nero haver ordenado o massacre de 7.000 habitantes de Salonica, os bajuladores cristãos da época o glorificam com o apelido “Grande”.
Ano 388. Os monges ateiam fogo numa sinagoga a Raqqa e aterrorizam as aldeias da Síria. Outros patrulham as cidades do Alto Egito em busca de ídolos. Na África do Norte os monges, armados com porretes chamados de “Israel”, varrem o interior em busca de inimigos. Hordas de eremitas fanáticos vindos do deserto invadem as cidades do Oriente Médio e do Egito, destruindo estátuas, altares, bibliotecas e templos, e linchando os pagãos. O Patriarca de Alexandria Teófilo incita as massas cristãs levando-as a realizar grandes perseguições contra os gentios e à destruição do Serapeu de Alexandria, a maior biblioteca da Antiguidade (a cena é mostrada no filme de Amenábar). Todos os sacerdotes da Galácia são degolados.
Ano 392. O imperador Teodósio I proíbe todos os rituais não-cristãos e ordena uma nova perseguição em larga escala contra os pagãos. Os Mistérios da Samotrácia são proibidos e os sacerdotes pagãos são assassinados. Em Chipre, o bispo Epifânio manda destruir quase todos os templos da ilha e exterminar milhares de pagãos. Os Mistérios locais da deusa Afrodite são censurados.
Ano 395. Dois novos decretos geram ulteriores perseguições contra os pagãos. Rufino, o eunuco primeiro-ministro do imperador Flávio Arcádio, dirige suas hordas de Godos cristianizados, liderados por Alarico, na Grécia. Estimulados por monges cristãos, esses bárbaros saqueiam e queimam muitas cidades, abatem ou escravizam incontáveis pagãos helênicos e derrocam os antigos templos. Queimam o Santuário de Elêusis com dentro os seus sacerdotes. Enquanto isso, o imperador ordena que o culto ao paganismo seja considerado ato de alta traição.
No ano 398, o IV Concílio de Cartago proibe a todos, inclusive aos bispos cristãos, a leitura dos textos pagãos: inúmeros livros são incinerados em públicas fogueiras, exatamente como na Alemanha nazista em 1933. Todo o saber da Antiguidade é banido.
Ano 401. Em Cartago, a população cristã lincha os pagãos e destrói templos e estátuas. Também em Gaza o bispo São Porfírio ordena que seus seguidores linchem os pagãos e derrubem os nove templos ainda ativos na cidade. O XV Concílio de Calcedônia ordena a excomunhão daqueles cristãos que mantenham boas relações com seus parentes pagãos. Os piores inquisidores são proclamados santos.
Ano 408. Por decreto imperial fica proibida a posse de qualquer escultura pagã. São punidos aqueles juízes que mostrem piedade para os pagãos. Em 409 é decretada a pena de morte para os astrólogos que também são todos astrônomos, como a famosa matemática Hipácia de Alexandria.
Ano 415. A filósofa neoplatônica Hipácia é agredida por um grupo de monges parabolanos às ordens de São Cirilo. Essa eminente cientista, virgem e mártir, é esfolada viva e suas carnes ainda palpitantes são queimada na fogueira. Quem atesta esse crime é o historiador cristão Sócrates Escolástico. Contemporaneamente, na África do Norte, os sacerdotes pagãos são crucificados ou queimados vivos. Em Constantinopla, o governador Anatolius e outros pagãos são condenados a serem devorados pelos leões, mas como as feras não os atacam, eles são crucificados. Estranhamente ninguém clama ao milagre e ninguém se converte quando os animais não os abocanham, como supostamente acontecia com os mártires cristãos.
Ano 416. Os inquisidores exterminam os últimos pagãos da Bitínia e, no final do ano, são despedidos todos os funcionários públicos que não se convertem ao cristianismo.
No Ano 423 o imperador Teodósio II proclama que a religião dos pagãos é “o culto do demônio”: aqueles que ainda a seguem ficam passíveis de cárcere e de tortura. Os monges parabolanos martirizam Hipácia de Alexandria.
Ano 435. Em 14 de novembro, um novo édito do imperador Teodósio II ordena a pena de morte para os cristãos dissidentes e os pagãos do Império. Nessa altura, havia poucas conversões, porque as pessoas tolerantes tinham horror a tanta crueldade e a maioria das conversões era falsa, realizada apenas para salvar a vida. Três anos depois, os pagãos, considerados responsáveis por uma epidemia de peste, são novamente perseguidos.
Ano 440 até 450. Um enésimo edito imperial manda que todos os livros não cristãos sejam queimados. Também a arte é banida, a não ser que seja usada como instrumento para divulgar a fé cristã.
Ano 457 até 491. Ocorrem perseguições esporádicas contra os pagãos na parte oriental do Império. Entre os executados estão o doutor Jacobus e o filósofo Géssio. Severiano, Heréstio, Zósimo, Isidoro e outros são torturados e encarcerados. O pregador cristão Conon e seus seguidores exterminam os derradeiros pagãos da ilha de Imbros. Os últimos adoradores de Zeus são executados em Chipre.
Termina aqui a lista, muito resumida, dos crimes cometidos pela Igreja cristã no Império Romano cuja parte Ocidental, a partir de 476, cessa de existir. Naturalmente as perseguições continuam na parte Oriental, também conhecida como Império Bizantino onde a antiga religião é ainda praticada clandestinamente por muitas pessoas. O panorama de devastação é sempre o mesmo, caracterizado pela destruição de templos, estátuas, monumentos, livros, bibliotecas, etc. Infelizmente até os modernos livros de História narram que o Império Romano acabou por causa das invasões barbáricas e isso é verdade no que diz respeito ao lado político dessa antiga instituição política. No entanto, o aniquilamento de uma imensa cultura milenar começou bem antes das invasões e foi perpetrado pelos próprios cristãos. Se, a partir de agora, na Europa ocidental as perseguições se dirigem contra os “hereges”, no mundo bizantino as vítimas continuam sendo principalmente os pagãos.
Em 528 o imperador Justiniano (casado com uma ex prostituta insaciável e lasciva) suprime a Academia, a antiga Escola Filosófica de Atenas onde havia ensinado Platão. Terminam para sempre os Jogos Olímpicos e todos os suspeitos de praticar “a bruxaria, a adivinhação, a magia e a idolatria” são executados mediante o fogo, a crucificação ou o desmembramento com garras de aço. Tido em suma consideração pelos cristãos, esse ambiciosíssimo Imperador fundou o seu poder sobre o massacre de 35.000 homens, mulheres e crianças que manifestavam pacificamente no hipódromo de Costantinopla durante a Revolta de Nika. Uma figura bem diferente dos antigos imperadores pagãos e, em particular, do mite e tolerante Julião (331-363) que Voltaire retrata com essas palavras: “Sóbrio, casto, altruísta, valoroso e clemente”.
Enquanto a Igreja cristã foi preseguida nunca deixou de solicitar tolerância e liberdade religiosa, mas não apenas conquistou o apoio dos imperadores tornou-se intolerante e perseguidora chegando a usar a violência mais brutal para aniquiliar não apenas os pagãos, mas também os cristãos tidos como heréticos. Os crimes mais repugnantes foram justificados com base em versículos do Antigo Testamento como, por exemplo, “Matai velhos, mancebos e virgens, criancinhas e mulheres, até exterminá-los” (Ezequiel 9:6). Quanto às conversões forçadas, a base doutrinal foi encontrada no próprio Evangelho onde diz: “E disse o Senhor aos servos: Sai pelos caminhos e valados, e força-os a entrar, para que a minha casa se encha” (Lucas 14:23).
Como resultado, a populaça cristã foi deixada livre e até estimulada a atacar e destruir sinagogas e templos com a certeza de pilhagem e de impunidade. Espiões disfarçados de pagãos foram designados para denunciar aqueles que não simpatizavam com a causa cristã. Falsas testemunhas foram apresentadas e aceitas sem problemas pelos tribunais partidários sendo, as confissões, extraídas com a ajuda da tortura. Jovens e idosos foram induzidos a denunciar seus amigos e familiares, assim como aconteceria no regime nazista alemão ou na Rússia de Stalin. Inúmeros inocentes foram executados e os mais sortudos apenas encarcerados ou exilados. Em algumas províncias, presos, exilados e fugitivos da intolerância cristã chegaram a totalizar mais da metade da população. As propriedades foram confiscadas, a Igreja começou a ficar imensamente rica e senhora absoluta dos corpos, das mentes e das almas de milhões e milhões de pessoas.
Moral da história: é a supressão violenta do paganismo no mundo Mediterrâneo que determina, muito mais que os eventos políticos, o fim duma esplendorosa cultura milenar conhecida com o nome de Antiguidade. A partir daquele momento a Europa regride sob todos os aspectos e começa aquela fase que os historiadores chamam de Idade Média ou, também, de Idade das Trevas.
Fonte: https://principedaliberdade.wordpress.com/2018/05/31/os-martires-na-antiga-roma/
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