Foi há muito tempo atrás quando eu li o livro de Roberto Sicuteri, “Lilith, a Lua Negra”. O livro foi publicado em 1998 [Editora Paz e Terra] e admito que me ajudou em minha jornada de volta para minha verdadeira casa, família e origem.
O livro é uma releitura do mito na linha de Carl Gustav Jung e Joseph Campbell. Mas mesmo assim se restringe essa análise nos limites da mitologia judaico-cristã. A referência que é usada no livro [Criaturas do deserto se encontrarão com hienas, e bodes selvagens balirão uns para os outros; ali também descansarão as criaturas noturnas e acharão para si locais de descanso - Isaías 34:14] foi “corrigida” [censurada/omitida] nas constantes revisões que os padres/pastores cristãos fazem em seu “texto sagrado”.
A capa do livro contém a figura de um ser antropomorfo, uma figura feminina alada, nua, portando uma coroa na cabeça (chifres), bastão e círculo em ambas as mãos, em pé sobre dois leões e ladeado por duas corujas. O interessante, na minha jornada, foi a busca pelo conceito original, pelo mito original, saber qual personagem está efetivamente representada no “Relevo de Burney” [https://en.wikipedia.org/wiki/Burney_Relief].
A interpretação sobre quem esta figura representa ainda é debatida, podendo ser Ereshkigal, Ishtar ou Lilitu [nome original, sumério, de Lilith].
A simbologia desse relevo possui diversos conceitos:
A figura encontra-se em pé sobre dois leões como símbolo de poder e soberania [leões são associados à majestade], podendo igualmente indicar essa figura como uma “mestra dos animais”, identificando seu domínio sobre a Fauna, senão sobre a própria natureza.
As “corujas” que a ladeiam assemelham ter outra função, parecem vigilantes. A coruja é um símbolo associado à Deusa Atena, mas aqui, a simbologia remete à natureza noturna da coruja. As formas das corujas, especialmente suas penas, aparentam serem “capas”, talvez disfarces e as cabeças podem muito bem serem máscaras. A semelhança das pernas das “corujas” com as pernas da figura sugerem algum tipo de identidade ou natureza comum.
A nudez, ao contrário do que o mundo ocidental interpreta [dominado pela teologia judaico-cristã que vê qualquer coisa associada ao corpo, ao desejo, ao prazer e ao sexo como algo errado, ruim e pecaminoso], aqui representa o estado de liberdade incondicional da figura, “ela” não conhece restrição, limite ou fronteira, representação reforçada pela presença de asas.
O bastão e o círculo que “ela” segura em ambas as mãos são símbolos muito frequentes na arte da mesopotâmia, usados como símbolos de poder e majestade. O círculo pode significar os limites do mundo, senão o mundo por si mesmo. O bastão é um símbolo associado à majestade até os dias de hoje. Então “ela” segura o mundo inteiro nas mãos e reina absoluta.
Aparentemente o artista, ao representar essa Deusa, não achou suficiente adornar repetidamente o quanto “ela” é poderosa e regente do mundo. A figura porta uma “coroa” que, olhando bem, é constituída de uma fileira de chifres. Igualmente presentes na arte da mesopotâmia, chifres são constantemente parte da representação dos Deuses, como símbolos de força, poder, supremacia, vitalidade e sexualidade. A título de comparação, o unicórnio é considerado uma criatura de poderes mágicos e possui um único chifre. Os Deuses contemporâneos dessa Deusa eram representados com dois chifres. Então se pode supor o tamanho do poder que “ela” tem pela quantidade de chifres em sua têmpora.
Lendo os mitos de Ishtar [e Inanna], além de sua completa falta de prurido em suas relações sexuais, ela sabe demonstrar seu outro lado. Quando Ishtar [Inanna] fica zangada ou entra em combate com os Deuses [seus pais, irmãos e filhos], o seu apetite na batalha é igual ao seu apetite na cama, ela somente para com o massacre quando seus [lindos] tornozelos estão cobertos de sangue.
Ainda enigmática, “ela” está bem longe de ser completamente compreendida pelos pagãos modernos, especialmente os seguidores da “religião da Deusa”, que frequentemente negam o aspecto sexual da Deusa enquanto Prostituta Sagrada e escondem seu terrível Lado Negro enquanto Destruidora.
Seja quem for “ela”, seja bem-vinda, Regina Mundi, na minha vida.
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