“Essa relação espacial de que o que está em cima é superior ou dominante pode ser vista em muitas imagens católicas, onde o Santo pisa o Diabo, como também pode ser visto na estátua de Shiva sobre um demônio. Isso não faz o menor sentido, em termos espirituais, uma vez que “em cima” ou “em baixo” são referenciais humanos e terrenos. Para dar uma visão melhor deste simbolismo, eu gostaria de lembrar os muitos mitos em que o herói tem que superar ou vencer um animal (seu próprio ego material) para poder realizar uma missão. Entretanto o herói não pode matar o animal, senão mataria parte de si mesmo, tornando impossível de cumprir seu destino, levando o herói a assimilar, aceitar seu lado animal, dando ao herói os poderes mágicos necessários para terminar sua saga. Ou seja, Shiva não está “pisando” o demônio, mas sendo escorado por ele, dando a Shiva a base necessária para que Shiva seja Deus. A Matéria não está em confronto com o Espírito, nem está em sujeição, como querem muitos teóricos”.
Shiva e Kali são um Deus e uma Deusa do Hinduísmo difíceis de serem compreendidos pela mente ocidental. A dança de Shiva provoca o inverso da ação de Brahma, seus homens santos vivem em cemitérios e crematórios, sua fúria é temida por Vishnu e Brahma. Sua contraparte, Kali, é mais enigmática. Carinhosamente chamada de Kali Ma, ela enfrentou Raktabija, um Asura [demônio hindu] que estava desafiando os Deuses para lutar e Ela o derrotou comendo-o. Shiva é o Destruidor, Kali é a Devoradora.
Mircea Eliade e Joseph Campbell resumiram este mito perturbador e aterrador como o “mito do eterno retorno”. Em algum ponto, ciência e religião se tocam, quando falamos no princípio e fim do Cosmo, tal como nós o conhecemos. Tanto a religião quanto a ciência acreditam que o Cosmo irá se extinguir em algum momento, mas que outro aparecerá em seguida, das cinzas do Cosmo que se consumiu. Quem diria que a ciência acreditaria no mesmo princípio de que a existência física deste Cosmo é cíclica?
Voltemos a Shiva e a forma como Ele é representado, como se estivesse dançando, em cima de um Asura, dentro de um círculo, cuja a base que pode ser considerado o começo e o fim do círculo, senão a base da manifestação de Shiva.
Criação, Manutenção e Destruição, podem ser consideradas as formas em como a mente ocidental percebe a Trindade Brahma, Vishnu e Shiva. Shiva porta o tridente [trishula] que é o próprio simbolismo da Trindade e das três dimensões de existência. O círculo representa a ilusão da passagem de tempo das criaturas carnais enquanto o centro, imutável, como um espaço pleno, está Shiva regulando a manifestação material. Enquanto vivemos como forma material, somos perecíveis, como tudo que existe dentro da manifestação divina, incluindo o Cosmo. A dança de Shiva não tem a intenção de colocar o mundo físico, a matéria, a carne, como naturalmente malignas, como algo a ser expurgado, mas sim que devemos dominar nossas pulsões, usar o corpo para transcender a ilusão de Maya.
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