Por séculos, contos de fadas vêm sendo contadas geração após geração. Os mais famosos autores são os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm. Histórias de aventuras, heroísmo, sangue, terminando sempre com um fundo moral. Pode a ciência determinar a origem desses contos e tradições? Sim, pode.
Um estudo realizado por antropólogos explorou as origens dos contos populares e traçou a relação entre as diversas variantes das histórias relatadas por culturas ao redor do mundo. Os pesquisadores adotaram técnicas utilizadas pelos biólogos para criar a árvore taxonômica da vida, que mostra como cada espécie vem de um ancestral comum. Assim temos uma espécie de histórico evolutivo que nos trouxe estes clássicos literários.
Dr. Jamie Tehrani, um antropólogo cultural na Universidade de Durham, estudou não uma, mas 35 versões de “Chapeuzinho Vermelho” de todo o mundo. Embora a versão europeia conte a história de uma menina que é enganada por um lobo mau – que pega as criancinhas pra fazer mingau – disfarçado de sua avó, na versão em chinês de um tigre substitui o lobo. Enquanto isso, no Irã, seria considerado estranho para uma menina de andar sozinha com uma cesta; logo, a história tem um menino.
Contrariamente à visão de que o conto surgiu na França pouco antes de Charles Perrault produzir a primeira versão escrita no século XVII, o Dr. Tehrani descobriu que as variantes partilham um ancestral comum que remonta mais de 2.600 anos! Segundo o pesquisador, “com o tempo, esses contos populares têm sido sutilmente mudados e evoluíram como um organismo biológico. Porque muitas delas não foram escritas até muito mais tarde, eles foram relembradas de forma incorreta ou mesmo reinventadas através de centenas de gerações”.
No melhor estilo “telefone-sem-fio”, as histórias foram “evoluindo”, no sentido que em cada lugar que eram contadas, elas sofriam adaptações. À semelhança do processo evolutivo biológico, as adaptações que se identificavam com o lugar permaneciam, caso contrário, caíam no esquecimento. Isso é explicável pelo fato de mantermos vivas em nossas mentes eventos que nos foi simpáticos, recebendo o nome de memória afetiva. Da mesma forma, quando uma história é engraçadinha (menininhas saltitando pela floresta, carregando guloseimas), guardamo-nas em nossas melhores lembranças. Se fosse hoje em dia, seria difícil, pois o lobo seria taxado de pedófilo, e aquela parte que ele come a vovozinha (no sentido antropófago, por gentileza) seria considerado como algo de brutalidade horrível para com nossas crianças. Tais histórias só são perpetuadas graças às nossas melhores lembranças.
Do ponto de vista do pesquisador, ao olhar para como esses contos populares espalharam-se e mudou, talvez eles nos digam algo sobre a psicologia humana e que tipo de coisas que nós encontramos de memorável. O mais velho conto encontrado foi uma fábula de Esopo, datada aproximadamente do século VI AC, de modo que o último ancestral comum de todos estes contos certamente precedeu a este, e o Dr. Tehrani está convencido de que este é um conto muito antigo que evoluiu ao longo do tempo. Segundo suas pesquisas, foram identificadas 70- variáveis no enredo e personagens envolvidos nas diferentes versões de Chapeuzinho Vermelho.
A versão em francês de Perrault foi recontada pelos irmãos Grimm, no século XIX. Dr Tehrani disse: “Nós não sabemos muito sobre os processos de transmissão dessas histórias de cultura para cultura, mas é possível que eles podem ser passados ao longo das rotas de comércio ou com a circulação de pessoas”.
Professor Jack Zipes, um professor aposentado de alemão na Universidade de Minnesota – especialista em contos de fadas e suas origens – descreveu o trabalho como “excitante”. Ele acredita que contos populares possa ter ajudado as pessoas a passar dicas de sobrevivência para as novas gerações. Segundo ele: “Chapeuzinho Vermelho é sobre a violação ou estupro, e eu suspeito que os seres humanos eram tão violentas em 600 AC como são hoje, para que eles tenham trocado contos sobre todos os tipos de atos violentos”.
Dificilmente um conto surge do nada em sua forma mais desenvolvida, e sim sendo refinado a cada vez que é contado, como os grandes épicos da literatura mundial, como Eneidas de Virgílio, por exemplo.
Pescado do Ceticismo
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