Conforme a pesquisadora Monika Ottermann (2004), que traça o panorama da presença da Deusa em Israel, da Idade do Bronze à Idade do Ferro, no Oriente Médio, datando a Idade do Bronze Médio (1800-1500 a.E.C), a representação da Deusa é caracterizada como "Deusa-Nua", destacando o triângulo púbico, emergindo também representações em forma de ramos ou pequenas árvores estilizadas, combinação que vem a ser denominada "Deusa-Árvore".
Na Idade do Bronze Tardio (1550-1250/1150 a.E.C), a Deusa-Árvore apresenta duas mudanças, aparecendo em forma de uma árvore sagrada flanqueada por cabritos ou como um triângulo púbico, que substitui a árvore. Neste período, já se nota a tendência de substituição do corpo da Deusa pelos seus atributos, em especial a árvore. Aparece: "na passagem do BM para o BT uma mudança decisiva no campo das figuras de material mais precioso: as Deusas Nuas foram substituídas em grande parte por deuses guerreiros como Baal e Reshef (...) o encontro dos sexos fica claramente relegado ao segundo plano e é substituído por representações de legitimação, luta, dominação e lealdade político-imperial".
A Deusa continua perdendo representatividade na religião oficial, onde divindades masculinas ganham cada vez mais força, principalmente a partir de características dominadoras e guerreiras. Na Idade do Ferro I (1250/1150-1000), a forma corporal da Deusa-Árvore vai desaparecendo enquanto que formas de animais que amamentam filhotes, às vezes com a presença de uma árvore estilizada, ganham cada vez mais espaços na glíptica, significando a prosperidade e a fertilidade. A presença da Deusa fica relegada aos espaços de religiosidade das mulheres.
Na Idade do Ferro IIA (1000-900 a.E.C), início da formação do javismo as Deusas passam a ser simbolizadas por seus atributos. A forma vegetal da Deusa confunde-se com seu símbolo, a árvore estilizada, sendo que muitas vezes é substituída por ele. Entendemos essas imagens como representações da Deusa Asherah.
Na Idade do Ferro IIB (925-720/700 a.E.C), Israel e Judá apresentam diferenças no âmbito simbólico. Os documentos epigráficos de Kuntillet Adjrud e de Khirbet el-Qom destacam um vínculo estreito entre Asherah e Yahweh, o que acima de tudo demonstra um contexto politeísta, onde se adoravam a várias divindades femininas e masculinas.
Na Idade do Ferro IIC (720/700-600 a.E.C), a Babilônia derruba a Assíria e passa a dominar Israel e Judá. Neste período encontramos o símbolo tradicional da Deusa, a árvore e o ramo. Vários selos ou impressões de selos que associam símbolos astrais com árvores estilizadas foram encontrados na Palestina e na Transjordânia, o que reforça interpretações sobre a existência de um culto a Deusa Asherah ao lado do Deus Yahweh. É principalmente na forma de árvore estilizada que, ao longo de séculos, Asherah esteve presente em Israel.
Mas é sobretudo na época pós-exílica que as vertentes políticas e religiosas dominantes vão excluir e proibir a presença de uma divindade feminina dentro do javismo.
Parece claro que por determinado tempo essa Deusa teve mais espaço e representatividade na vida do povo em Canaã/ Israel, até ser taxada como a causa de todos os males que o povo estava sofrendo nas mãos de seus dominadores, em especial na época da dominação Babilônica, com toda experiência de destruição e exílio, "Aserá, na maioria do tempo venerada sob o corpo de uma árvore, era, inicialmente, a parceira de YHWH, mas com o crescente desenvolvimento do javismo como religião de um deus masculino, transcendente e único, ela foi taxada como sua maior rival e inimiga".
A existência da Deusa Asherah remonta uma época de adoração a vários Deuses e Deusas, antes da ascensão do Javismo, "o culto da Deusa Árvore Asherah realizava-se, principalmente, em torno de uma árvore natural ou estilizada, ou seja, de um poste sagrado que podia estar ao lado de um altar seu ou de uma outra divindade, inclusive YHWH. Porém, seu culto foi realizado, de preferência, debaixo de uma árvore natural, nos chamados 'lugares altos', santuários ao ar vivo no topo das colinas e montanhas. Na maioria do tempo, uma imagem ou símbolo de Asherah estava também presente dentro do próprio templo de Jerusalém".
De politeísta Israel passa a se constituir monoteísta, pelo menos na religião oficial. Provavelmente, adorações a Deuses e Deusas dentro das casas continuaram por longo tempo, como forma de resistência. A centralização no Deus único, Yahweh, que neste processo também se apropriou das funções de Asherah, custou caro aos outros Deuses e Deusas que compartilhavam da mesma cultura. Esta proibição atingiu a vida de homens e mulheres, que ali encontravam uma significação religiosa.
É nesse contexto patriarcal, que Yahweh se torna uma forte representação do masculino no sagrado, justificando a dominação masculina, tanto no âmbito social, econômico, político, como religioso. A religião oficial israelita absorve então uma identidade somente masculina, onde o feminino passa a ser relegado ao espaço particular das mulheres.
Por isso, é extremamente importante uma memória da Deusa, em especial Asherah, consorte de Yahweh, não só numa tentativa de reconstruir a história do antigo Israel, mas principalmente dar espaço e voz às divindades femininas, que são uma possibilidade de identificação sagrada das mulheres, em busca de relações mais recíprocas e humanizadas entre os gêneros.
O culto a Asherah foi muito popular em Israel e Judá.
A partir desta perspectiva, de demonização da Deusa ou das Deusas, tentaremos constatar, nos escritos bíblicos, os impactos e as conseqüências que tal visão e atitude trouxe para a imagem da Deusa Asherah, que aos poucos passa a se tornar a Deusa proibida, a causa dos males e da ruína de Israel.
A marginalização do feminino, das mulheres é um processo que também se dá e se sustenta por meio de escritos bíblicos justificadores de uma sociedade patriarcal, atuando assim no que podemos chamar de "desempoderamento" das mulheres a partir do sagrado, o que trouxe e traz fortes impactos nas dimensões culturais, religiosas, sociais, econômicas e políticas.
O Reino do Norte, Israel, já havia sido destruído, sendo assim, Judá, Reino do Sul, tornou-se o único espaço onde a identidade religiosa do povo de Yahweh poderia ser mantida. Foi nesse contexto que Ezequias promoveu uma extensa reforma religiosa e política, com intenções de reunir o povo em torno de um só Deus e um só rei. Por isso, Ezequias é exaltado pelos redatores deuteronomistas como o rei que "fez o que agrada aos olhos de Yahweh". A reforma religiosa de Ezequias era baseada nas seguintes medidas: no combate a idolatria, na centralização do culto a Yahweh em Jerusalém e no cumprimento dos mandamentos. Tais medidas podem ter sido fundamentadas no documento trazido do Norte, que foi adaptado à reforma em Judá. Josias retoma 100 anos mais tarde este documento para empreender sua reforma religiosa e política.
O rei Josias (640-609 a.E.C) empreendeu uma reforma a partir de 622 a.E.C fazendo de Jerusalém o centro político e religioso de seu estado, destruindo os santuários de Yahweh que havia no interior e acabando com os cultos cananeus e assírios, que aconteciam no templo de Jerusalém e nos lugares altos. A reforma de Josias atingiu a liberdade religiosa popular, pois ordenou "a Helcias, o sumo sacerdote, aos sacerdotes que ocupavam o segundo lugar e aos guardas das portas que retirassem do santuário de Yahweh todos os objetos de culto que tinham sido feitos para Baal, para Aserá e para todo o exército do céu, queimou-os fora de Jerusalém, nos campos do Cedron e levou suas cinzas para Betel".
Com isso, o culto exclusivo a Yahweh é reafirmado pela corte e pela classe sacerdotal de Jerusalém, exclusividade que custou caro à religiosidade popular.
Está claro que a ascensão do culto exclusivo a Yahweh não se faz de forma tranqüila, mas de forma violenta, a partir da intolerância religiosa, da destruição e da eliminação por completo do outro, que se torna uma ameaça.
A proibição da Deusa Asherah é fruto de um dado momento histórico de elaboração e ascensão do monoteísmo javista. A identidade judaica, após a drástica experiência do exílio babilônico e na tentativa de reorganização da nação, passa a se constituir em torno de três pilares: um só Deus, um só Povo e uma só Lei. A centralidade em Yahweh se torna um fator importante de credibilidade e legitimação da nova identidade nacional em formação, resultado das reformas empreendidas por Esdras e Neemias. A idolatria se torna então a culpa da ruína de Israel e neste contexto Yahweh é triunfante. Isso irá se refletir no conflito que os textos bíblicos demonstram em relação a Asherah e a outros Deuses e Deusas, bem como, em relação principalmente às mulheres estrangeiras.
Podemos claramente perceber que a elaboração e instituição do monoteísmo não se deu de forma democrática e muito menos pacífica. A partir de um contexto politeísta, a centralidade em Yahweh é um processo violento, de destruição da cultura religiosa do outro e da outra, de proibição do diferente, demonizando-o e tornando-o uma ameaça. Um processo nítido de intolerância religiosa.
A supressão do culto e da imagem da Deusa Asherah traz consigo conseqüências profundas para as relações entre os gêneros, afetando em especial aos corpos das mulheres, que tinham na Deusa uma possibilidade de representação do feminino no sagrado. A religião judaica vai se constituindo em torno de um único Deus masculino, legitimando historicamente uma sociedade patriarcal. Este poder divino imaginado somente como Deus afetou as mulheres, as crianças, a natureza, pois quase sempre partiu de um pressuposto de dominação, opressão e hierarquização das relações, tanto humanas como ecológicas.
Autora: Ana Luisa Alves Cordeiro
Publicado na Revista Aulas [Unicamp]
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