sábado, 1 de agosto de 2009

Os fatores de união e prosperidade no Império Romano

O firme edifício do domínio romano foi erguido e preservado pela sabedoria dos tempos. Podiam cultuar a religião de seus antepassados, ao mesmo tempo que, no tocante a honras e vantagens cívicas, eram promovidas, por graus eqüitativos, até a igualdade com seus conquistadores.
A política dos imperadores e do Senado, no que respeitava à religião, era felizmente secundada pela opinião do setor esclarecido e pelos hábitos de seus súditos. As varias formas de culto que vigoravam no mundo romano eram todas consideradas pelo povo como igualmente verdadeiras, pelo filosofo como igualmente falsas e pelo magistrado como igualmente úteis. E assim a tolerância promovia não só a mútua indulgência como a concórdia religiosa.
A superstição popular não era acirrada por nenhuma mescla de rancor teológico nem acorrentada tampouco pelas cadeias de qualquer sistema especulativo. O politeísta devoto, embora afetivamente apegado a seus ritos nacionais, admitia, com fé implícita, as diferentes religiões da terra. O medo, a gratidão e a curiosidade, um sonho ou um augúrio, uma perturbação singular ou uma longa viagem, perpétuamente o predispunham a multiplicar os artigos de sua crença ou ampliar a lista de seus protetores.
Os poderes visíveis da natureza, os planetas e os elementos eram os mesmos por todo o universo. Os invisíveis governantes do mundo moral foram inevitavelmente vazados num molde fictício e alegórico semelhante. Cada virtude e cada vício adquiria seu representante divino, cada arte e ofício, seu patrão, cujos atributos, nas mais distantes épocas e países, derivavam uniformemente do caráter de seus devotos peculiares. Uma republica de Deuses de temperamentos e interesses que tais exigia, em qualquer sistema, a mão moderadora de um magistrado supremo, o qual, por via do progresso do saber e da lisonja, foi gradualmente investido das sublimes perfeições de um Pai Eterno e de um Monarca Onipotente. Era tal o espírito conciliador da Antigüidade que as nações atentavam menos na diferença que na semelhança de seus cultos religiosos. O grego, o romano e o bárbaro, ao se encontrar diante de seus respectivos altares, facilmente se persuadiram de que, sob diferentes nomes e com diversas cerimônias, adoravam as mesmas deidades.
O espírito da indagação, instigado pela emulação e apoiado na liberdade, havia dividido os mestres públicos de filosofia numa porção de seitas antagônicas; no entanto, a cândida juventude que acorria de todas as partes a Atenas e outros centros de cultura do Império Romano era de igual modo ensinada por todas as escolas a rejeitar e desprezar a religião da turba. De fato, como seria possível a um filósofo aceitar como verdades divinas as ociosas fábulas dos poetas e as incoerentes tradições da Antigüidade ou então adorar como Deuses aqueles seres imperfeitos que ele deveria ter desprezado como homens? Podemos estar certos de que um escritor versado nas coisas do mundo jamais se aventuraria a expor os Deuses de seu país ao ridículo publico caso já não fossem eles objeto de secreto desprezo entre as classes esclarecidas e refinadas da sociedade.
Em seus escritos e em sua conversação, os filósofos da Antigüidade afirmavam a dignidade e a independência da razão, porem conformavam-se, em seus atos, aos ditames da lei e do costume. Encarando com um sorriso de piedade e indulgência os variados erros do vulgo, praticavam diligentemente as cerimônias de seus maiores, freqüentavam devotamente os templos dos Deuses e, condescendendo por vezes em assumir um papel no teatro da superstição, ocultavam os sentimentos de um ateu por sob as vestes sacerdotais.
Como os próprios magistrados eram filósofos, não podiam estar sendo impelidos por fanatismo cego, ainda que sincero; e as escolas de Atenas haviam dado as leis do Senado. Não podiam estar sendo instigados por ambição ou cupidez, já que os poderes temporal e eclesiástico estavam unidos nas mesmas mãos. Os pontífices eram escolhidos entre os senadores mais ilustres, sendo o posto de supremo pontífice constantemente exercido pelos próprios imperadores. Eles estavam cônscios do valor e das vantagens da religião coligada ao governo civil. Encorajavam os festivais que humanizavam os costumes do povo. Manejavam as artes divinatórias como um cômodo instrumento político e respeitavam como o mais firme dos vínculos sociais a útil convicção de que nesta ou numa vida futura o crime de perjúrio será inevitavelmente punido pelos Deuses vingadores. Do mesmo modo como reconheciam as vantagens gerais da religião, estavam convictos de que os diversos tipos de culto contribuíam igualmente para os mesmos salutares propósitos e de que em cada país a forma de superstição que recebera a sanção do tempo e da experiência era a mais bem adaptada a seu clima e a seus habitantes.
Gibbon, Edward. Declínio e Queda do Império Romano, pg. 53 - 57. Ed. Companhia de Bolso.

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