Aplicado à religião, significa o processo de nascimento de uma nova religião a partir da combinação de elementos de religiões anteriores.
É o caso da umbanda, por exemplo, que nasce da mistura sincrética do catolicismo, do espiritismo e das diversas religiões e doutrinas negras, trazidas para o Brasil pelos escravizados.
Na filosofia, o termo também se aplica, bem como na antropologia, na linguística e em tantos outros campos.
Adaptado a cada ciência, mas sempre guardando a ideia inicial de algo que nasce da mistura e da síntese de elementos anteriores.
Podemos entender que sincretismo é um processo natural dentro das culturas, e bastante razoável até para o desenvolvimento humano.
Isso porque no campo autoral, é o sincretismo que faz com que um artista se permita buscar inspirações e influências em obras anteriores para criar, sem que com isto esteja plagiando ninguém.
Na moda, por exemplo, vemos com frequência as releituras de coleções antigas aliadas às tecnologias têxteis atuais em novas possibilidades de vestuário.
Na culinária, frequentemente se busca elementos de tradições locais para inovar e acrescentar novos sabores à mesa.
O design sempre bebe na fonte de escolas históricas para repaginar produtos mundo afora. Tudo isso é forma de sincretismo, em última análise.
Apropriação cultural
Cabe, contudo, uma outra abordagem do tema. O sincrético é o que nasce com referências anteriores.
Mas e quando o sincrético apaga, deliberadamente, a sua referência anterior?
Quando, convenientemente, utiliza-se de racismo, homofobia, machismo e outras formas de opressão para banalizar a referência, de forma a minimizar a luta por direitos do grupo “apropriado”?
Quando suprime a origem da alusão, e toma para si a criação? Temos um problema jurídico e um problema ético!
Esse problema se chama apropriação cultural. Nela, um elemento cultural anterior é trazido para um novo contexto, mas valendo-se da existência de relação de forças desiguais, num sistema de opressão ou violência social. Conforme já dito, no apagamento.
Segundo Conti (2017), o conceito de apropriação cultural surge com força nos anos 80 do século passado, quando discussões acerca “de como representar fidedigna e respeitosamente outra cultura” vieram à tona e propiciaram reflexões a partir dos direitos de propriedade intelectual de povos originários.
A Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Ompi), agência da ONU criada em 1967, atualmente se dedica a estudar, a sugerir mecanismos jurídicos supranacionais de proteção e a ensinar em âmbito mundial sobre conhecimentos tradicionais e expressões culturais tradicionais, no sentido de garantir a propriedade intelectual dos povos tradicionais sobre seus produtos culturais, evitando-se assim a apropriação cultural desenfreada, dentre outros problemas.
Por outro lado, localmente o direito também responde aos problemas da apropriação cultural, na medida em que legislações nacionais orientam procedimentos de mapeamento e inventário de bens culturais imateriais, seu registro e salvaguarda. Neste sentido, promove a proteção do bem e, mais, de sua origem, o povo que o criou e perpetua nas práticas cotidianas.
O Inventário Nacional de Referências Culturais, INRC, é um instrumento capitaneado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Iphan, pelo qual o poder público e os grupos detentores de referências culturais podem registrar a autoria de cada um dos elementos da sua cultura e buscar a sua salvaguarda.
Assim catalogados os bens culturais, é bem mais fácil verificar a sua origem e fazer menção ao seu grupo detentor. Porque a cultura se constrói no sincretismo, sim. A cultura é por si sincrética, e o que se cria hoje é revérbero do que se fruiu ontem. Mas podemos e devemos fazer a devida menção a sua origem e ao caminho percorrido pelos autores dos bens culturais.
Fonte: https://www.conjur.com.br/2024-fev-23/sincretismo-apropriacao-cultural-e-direito-onde-se-tocam/
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