Na Iakútia, muitos nativos ainda mantêm a fé pagã e se reúnem todos os anos para a principal celebração do “Ysyakh”. É um espetáculo inesquecível: assistir ao ritual do encontro com o sol, beber kumis juntos e fazer grandes danças de roda.
"Urui-aihal! Urui-tuskul", a multidão, com milhares de pessoas vestidas com trajes nacionais da Iakútia, grita essas palavras com alegria e se transforma instantaneamente em uma gigantesca dança de roda chamada "osuokhai". Na língua da Iakútia, essas palavras significam votos de prosperidade e abundância para o próximo ano.
O obuokhai é uma mistura de dança e oração ao sol, que simboliza o movimento da vida. A princípio, vagarosamente, mas, depois, cada vez mais rápido — parece até que os pés sairão sozinhos do chão e a alma se elevará.
Iakutsk fica longe de Moscou (o trajeto direto de avião entre as duas leva mais de 6 horas), mas é uma cidade muito moderna e próspera, que abriga as maiores empresas de mineração de diamantes (e a maior parte das garotas ali tem um par ou dois de brincos de diamantes), o primeiro parque tecnológico de TI do Extremo Oriente (há muitos desenvolvedores de jogos e aplicativos entre os residentes da Iakútia) e um centro de inovação ártico, onde os cientistas estão envolvidos na pesquisa do permafrost.
Os jovens se divertem com a cultura pop coreana, dirigem carros japoneses com volante à direita, ouvem rap da Iakútia, bebem matcha gelada azul, como dita a moda, e comem ramen em restaurantezinhos aconchegantes.
Mas, com o início do Ano Novo iakute, tudo muda. Quase todos os iakutes se voltam a seus rituais tradicionais pagãos, trocam os jeans por trajes nacionais e correm para celebrar.
Por séculos a fio, neste mesmo dia, os iakutes se reuniram em determinado lugar para ver seus parentes e pessoas queridas após invernos longos e rigorosos. A Iakútia é a região mais fria da Rússia, e no inverno seus termômetros geralmente caem abaixo de 50 graus Celsius negativos. Sobreviver nessas condições exige um trabalho árduo, e somente no verão os moradores locais podem descansar e aproveitar um pouco a vida a céu aberto.
A palavra "Ysyakh", que denomina essa data, significa "abundância". Este festival é realizado anualmente em todos os distritos (ulus) da Iakútia no dia do solstício de verão. Essa tradição nunca foi interrompida, exceto durante os anos soviéticos, quando os eventos eram muito menores. Alguns residentes conseguem visitar as celebrações em vários distritos ao mesmo tempo, já que eles são realizados com alguns dias de intervalo.
As celebrações em Iakutsk são as mais populares e concorridas. Geralmente elas ocorrem no primeiro final de semana após 21 de junho (em 2022, ocorreu entre 25 e 26 de junho). Mais de 200 mil pessoas de toda a Iakútia (um quinto do total de cidadãos da região) costumam ir para a capital celebrar.
A festa acontece no complexo etnográfico "Us Khatin" ("Três bétulas"), quase 25 quilômetros ao norte de Iakutsk. Dizem que os ancestrais do povo “sakha”, como os iakutes se autodenominam, viveram justamente ali. A aldeia foi construída exclusivamente para a celebração anual de dois dias e, então, mais se parece com uma cidade, abrigando mais de 250.000 pessoas. Ela fica fechado no resto do ano.
"Esperamos três anos por esta celebração, pois ela foi realizada on-line durante a pandemia" contam dois amigos, que nos oferecem kumiss, uma bebida feita de leite de égua fermentado. "Beber juntos o kumiss é nosso símbolo do fim do inverno, ficamos felizes de ter leite e comida, sobreviver ao inverno e ganhar forças para o próximo ano", dizem.
Faz mais de 30 graus lá fora, mas eles vieram não só de vestimentas longas e fechadas e paramentos de cabeça, mas também com joias pesadas no peito, costas e braços (shorts e afins são estritamente proibidos). "Tradicionalmente, as joias têm que ser de prata, mas a nossa é feita de cuproniquel, porque senão não dá para aguentar o calor."
Para chegar ao festival, é preciso primeiro passar por um rito de purificação: incensários queimam sob o portão principal e as mulheres acenam com uma “makhalka” de crina de cavalo para o convidado, desejando-lhe toda a sorte. A “makhalka” é parte do traje nacional dos iakutes. "Ela também tem um sentido prático porque nos ajuda a afastar os mosquitos ", dizem. E os insetos são insuportáveis no verão.
Em seguida, deve-se pedir bênção e prosperidade à "Grande Árvore Gigante", a "Aal luuk masa". A árvore é um símbolo da unidade dos três mundos e pode ser vista em qualquer celebração do “Ysyakh”.
Um homem caminha pela estrada, que é ladeada por pilares para prender cavalos. Os cavalos são animais sagrados para os iakutes, e por isso símbolos remetendo a eles estão por todo lado.
No final da estrada há uma enorme estaca para atar cavalos, a “Altan sergue”. Ao aproximar-se, é preciso curvar-se e encostar as palmas das mãos contra ela e fazer um desejo.
"Você pode pedir qualquer coisa e para qualquer pessoa, e acreditamos que os desejos ditos aqui se tornarão realidade", diz uma moça que espera sua vez.
Há, realmente, uma energia peculiar sobre o lugar e um sentimento de esperança.
Depois disso, os convidados vão diretamente para a parte principal do complexo, que é uma reconstrução das velhas casas de bétula iakute, que parecem enormes tendas.
Em um ponto há uma sessão de cinema, em outro são vendidos suvenires, em outro ainda são realizadas competições. Outros povos da Iakútia, como os tchuktchi, os even e os iukaguires, também têm suas instalações: a república é multinacional.
Mas muitos vêm à celebração do “Ysyakh” apenas pelos eventos esportivos. Na Iakútia, os esportes nacionais são muito populares.
O mais famoso é o wrestling em massa (cabo de guerra), e nestes dias as finais das competições internacionais são realizadas ali com a participação de atletas de outros locais da Rússia, além de Hungria, Eslováquia, Sérvia, Argentina, África e países da CEI (Comunidade dos Estados Independentes).
Em outro palco, milhares de pessoas assistem aos "Jpgps Diguin". As categorias são totalmente exótica — por exemplo, correr atrás de uma garota.
“Antigamente, quem pegasse a garota casava com ela", explica um dos espectadores. Mas, hoje, é só esporte — além disso, na atualidade é praticamente impossível alcançar a garota, pois eles escolhem a corredora campeã da república para correr!
Outro esporte interessante é arrastar uma pedra de 115 quilos. É algo surreal: ela é pesado, tem bordas afiadas e fica escorregadia com o suor. Mas o público torce com afinco!
O ponto alto das festividades é a saudação ao nascer do sol, que celebra o início do verão e o Ano Novo.
Por volta das 2 da manhã, uma voz ressoa nos alto-falantes do campo, pedindo-lhes que desliguem todo o equipamento e rumem à cerimônia principal.
Imagine: na hora antes do amanhecer, a neblina cobre o campo e milhares de pessoas formam um círculo.
O feiticeiro "alguitstchit" (e não “xamã”!) e sua comitiva, todos de roupas brancas e agitam sinos nas mãos cada vez mais. O “alguictchit” faz reverência às quatro direções da luz e acende o fogo, ofertando às divindades “kumiss”, “salamat” e “oladi”.
Pessoas de vestes brancas fumigam a clareira, passam com tigelas cheias de fumaça em círculo, plantam árvores e acolhem o amanhecer com votos de bem-estar e abundância.
Por fim, a luz vermelha do sol surge sobre o horizonte.
Fonte: https://br.rbth.com/estilo-de-vida/86857-ano-novo-no-meio-do-ano
Nenhum comentário:
Postar um comentário