terça-feira, 20 de setembro de 2022

A mais justa ou a mais bela?

Eu corrigi um erro em uma postagem. Eu errei ao identificar minha versão da lenda da Branca de Neve com a lenda da Bela Adormecida.

Como tem um excelente filme dando outra versão da lenda da Bela Adormecida, chamado Maleficent, com a impecável atuação da Angelina Jolie, eu vou apenas recomendar ao eventual e dileto leitor que assista.

Entretanto, eu vou usar a ideia contida nesse filme. Maleficent é uma fada, conforme as lendas antigas retratam essa criatura mística. Em inglês, fairy. Que vem de faerie, ou reino das fays, ou pode vir do francês faierie, derivado de faie ou fate. Mas é gramaticalmente similar a fair, que pode ser traduzido como feira (se for usado para um lugar) ou justo/a (se for usado para uma pessoa), embora o uso mais frequente seja belo/a.

Então qual a tradução mais correta dessa frase:
Mirror, mirror on the wall, who’s the fairest of them all?
Essa pergunta é atribuída à rainha Grimhilde, o nome não oficial da Rainha Má. Os irmãos Grimm, ao coletarem as lendas folclóricas, não tinham ideia do quanto essas lendas seriam distorcidas pelo império da animação, Disney. Essas tradições orais não são muito claras, os reinos e seus monarcas raramente são nomeados. Então eu vou pegar emprestado de Shrek o nome do Reino Tão Tão Distante.

No original, Grimhilde é a mãe da Branca de Neve. Na versão Disney, madrasta. A pergunta que as histórias não dizem é: por que a rainha teria inveja da filha/enteada?
Na história da Europa, na Idade Média, era bastante comum o rei (ou o herdeiro do trono) querer trocar a pessoa que iria ocupar sua cama (e seu trono).
Grimhilde quer saber se ela é a mais bela ou a mais justa? Temendo por sua vida, Branca de Neve foge e encontra exílio na Casa dos Sete Anões. No mundo contemporâneo, essa coabitação seria vista com suspeita. Mesmo se considerarmos que eles sejam gnomos.
O caçador enviado para achar e matar a Branca de Neve (capangas, gângsters e máfia nos contos de fadas?) não cumpre com o serviço.
Talvez influenciada pelo ditado quem quer faz, quem não quer manda fazer, a rainha resolve dar fim ao seu desafeto pessoalmente. Ela morre vítima de sua própria obsessão.
No original, o príncipe leva a "falecida" princesa para casa e, quando desperta, casa-se com a mesma, ainda que (no original) ela seja muito mais jovem do que ele. Outro fato bastante comum na Idade Média - jovens mulheres eram (literalmente) usadas pelas famílias como moeda em busca de dote e ascensão social. Seus futuros maridos tinham o dobro, senão o triplo da idade delas.
Se fosse uma versão do George Martin, Grimhilde teria sobrevivido e, tal como Daenerys, voltaria para se vingar. E recuperaria a coroa, casando com algum rei, mesmo que fajuto. Isso também foi bastante comum na Idade Média, a venda de títulos nobiliários por aristocratas a burgueses.
Agindo como a mão do destino ou da fatalidade, Grimhilde mostra que ela é a mais "fairest".

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