O que há em comum em um pagão, um cristão e um ateu? Todos
vão defender seu ponto de vista. Todo ser humano faz isto. Nós temos que apoiar
e sustentar nossos pontos de vista, nossas ideias e ideais. Nós somos
apaixonados por nossos pensamentos e vamos lutar por eles, por mais que eles sejam
incoerentes, contraditórios ou repugnantes.
Não faltam textos, páginas e comunidades na internet que
demonstram a versatilidade e diversidade humana. E eu não estou falando da Deep
Web, mas de páginas públicas. E eu não estou falando apenas de páginas cristã,
mas de páginas de ateus e pagãos. Dependendo de quem escreve, o internauta
consegue encontrar desde coisas rasas e estúpidas até grandes sacadas e
epifanias.
Alhures eu disse que o ateu e o cristão têm em comum a
necessidade da certeza. O ateu tem a ciência para endossar sua certeza da
verdade, o cristão tem a crença para endossar sua certeza da verdade. Um
evidente exagero, mas tanto o ateu quanto o cristão é um “crente da religião de
livro”. Exagero, porque o conteúdo dos livros científicos pode ser comprovado,
ao menos naquilo que expõem, mas costumam ser usados para emprestar certa
“autoridade” à Ciência e ao Ateísmo em suas críticas a tudo que se refere a
crenças e religiões.
E o pagão moderno? De onde ele tira sua “certeza”, de onde
vem a nossa “verdade”? Quando nós expomos nossas práticas, crenças, visões,
opiniões, teologias, nós temos que nos explicar, nos justificar? Quantos de nós
precisamos colocar em sua página um aviso legal ou se vê tendo que fazer uma
apologia?
Eu sei que eu tenho que constantemente escrever textos
“apologéticos”, diante dos ataques e críticas, tanto de cristãos e ateus, mas
também de pagãos. O que eu posso adiantar é que crença não é o mesmo que
certeza. A obsessão pela certeza, pela possessão da Verdade, tem mais a ver com
uma psicose do que com a busca da Sabedoria, da Verdade, do Conhecimento.
O pagão moderno sabe e admite que sua crença é um assunto
particular. Ainda que existam grupos e comunidades que usem a internet para
exporem suas crenças e práticas, cabe ao curioso, ao simpatizante e ao
interessado pedir para fazer parte do grupo, da comunidade. Nenhum grupo ou
comunidade do Paganismo Moderno irá fazer proselitismo.
John Beckett descreveu com exatidão como “funciona” a
religião no Paganismo Moderno como sendo um resultado da interação entre
prática, crença e experiência. Em outros termos, nós não somos uma “religião de
livro”, nem presumimos que nossa crença contenha a mais absoluta Verdade porque
é uma “revelação divina”. Eu creio que possa afirmar que o pagão moderno não
irá contestar a ciência e a tecnologia. No máximo, podemos contestar aportes
filosóficos e teosóficos sobre o divino, sua natureza e sua existência.
No meu caso, a experiência foi a primeira fonte ou base de
minhas crenças. Aquilo que percebemos do mundo, de nossa vida, de nosso
propósito de existir, não é algo que seja objeto da Ciência, mas sim da
Filosofia e da Religião. Coloque um tempero de psicologia, pois como
interpretamos e interagimos com essa percepção, com o outro e com o mundo
influencia muito nossa compreensão. A experiência é sensorial, mental,
subjetiva e errática. A experiência, ainda que seja controlada e feita em
laboratório, ainda é apreendida por órgãos sensitivos falíveis e nenhuma
observação pode ser inteiramente objetiva enquanto o observador e observado
estiverem no mesmo contexto. Eu ouso ir mais longe e provoco ao apontar como a
linguagem científica fica muito próxima da linguagem mística, esotérica e
religiosa, quando tenta explicar teorias complexas para o público comum.
A minha conclusão é de que explicar a máquina não explica o
fantasma que habita nela. E tecnologia é apenas “magia” com outro nome. A
tecnologia aplica determinadas ferramentas que utilizam dos mesmos princípios e
efeitos da magia, embora ela seja mais bem sucedida, então nós não vamos
descartar a tecnologia porque acreditamos na manipulação de energias. O mesmo
estudo e compreensão que podemos fazer em relação à tecnologia, podem ser feito
em relação à magia. Foi isso que me levou a estudar as diversas práticas de
magia. A prática é a segunda, mas a mais importante fonte de nossa crença. A
prática reforça e sustenta a experiência e a crença. A prática é bem
pragmática, algo é mantido ou sistematicamente reproduzido porque funciona.
Quando não funciona, analisamos todos os eventos, elementos, ferramentas e
procedimentos. Se a falha pode ser corrigida, a prática vai funcionar. Se não,
a prática é descartada.
A prática mostra muito como e porquê as coisas são como são,
mostra como e porque as coisas funcionam como funcionam. Mas sem a
sensibilidade, perde o sentido e sem um objetivo, torna-se fútil. A experiência
é a sensibilidade, a crença é o motivo. A crença é a terceira fonte e
geralmente a que mais dá trabalho e problema. Por causa do niilismo do mundo
contemporâneo e pelo antropocentrismo, qualquer discurso espiritualizado soa
como mera superstição.
O pagão moderno é bem diversificado, existem diversas visões
e opiniões sobre o divino. O pagão moderno sabe que os Deuses existem, através
de suas experiências e práticas. Quando acredita no divino, o pagão moderno
geralmente diz que o divino é transcendente e imanente, os Deuses estão além do
mundo físico ao mesmo tempo em que se manifestam no mundo físico. Os Deuses
tanto podem ser e parecer com as partículas e ondas que foram nosso mundo
físico como podem ser e parecer com uma pedra, uma árvore, uma montanha, um
bicho, um quadro, um ser humano.
Isto é mais do que suficiente para fomentar diversas
polemicas e controvérsias. Por exemplo, nós negamos a existência do pecado ao
mesmo tempo em que descartamos o problema do “mal”. Nós negamos a existência do
Inferno ao mesmo tempo em que refutamos os questionamentos morais humanos
diante do sofrimento. Nós nos debatemos quanto à existência do divino, se é um,
se é muitos. Nós nutrimos uma expectativa de aceitação e reconhecimento público
de nossas crenças ao mesmo tempo em que tentamos lidar com nossos conflitos
internos. Nós temos uma postura politica em defesa do ambiente e dos animais ao
mesmo tempo em que vivemos no conforto que a civilização e a tecnologia nos
provêm. Nós esperamos que sejamos respeitados por nossas práticas e crenças ao
mesmo tempo em que permitimos a existência de vigaristas e farsantes em nosso
meio. Nós defendemos a importância da tradição ao mesmo tempo em que damos
espaço para práticas ecléticas. Nós nos esforçamos para dar algum respaldo
teórico, histórico e sério ao mesmo tempo em que permitimos as mais diversas
bobagens. A única certeza é que nós não temos certeza de coisa alguma. Nós apenas
admitimos que nós somos humanos, limitados e falíveis. Não é muito difícil de
um crente ou descrente sentir um impulso em refutar nossas crenças. Se você se
sentir ofendido pelas práticas e crenças de algum pagão moderno, antes de fazer
qualquer crítica, analise suas [pseudo] certezas com o mesmo peso. Mas se mesmo
assim você sentir tal impulso, se mesmo assim você sentir que é seu dever
defender e preservar a verdade, eu vou adiantando minhas desculpas e
ressaltando o aviso legal que está bem visível neste blog.
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