quinta-feira, 14 de julho de 2022

A Cultura Castreja

De modo genérico, podemos situar os castros portugueses numa longa tradição cultural de resistência "local" (ibérica) ao que é invasor, mas isso já faz parte de nossas conclusões.

Arqueologicamente, um castro é um vestígio de uma povoação fortificada, muralhada com uma ou mais fileiras de pedras, um ou mais fossos, e quase sempre no topo de um cabeço, monte com cume arredondado e algumas vezes com encosta íngreme, geograficamente adequado para o domínio da paisagem local e uma observação à distância.

Os castros eram núcleos populacionais concentrados, forçados a um isolamento defensivo. Este é o habitat castrejo típico. Seus principais povoados estavam instalados em colinas de substrato granítico, e as populações castrejas utilizaram amplamente este material, principalmente para a construção das muralhas, feitas de blocos de granito toscamente recortados.

Com os atuais dados arqueológicos até o momento, face a inexistência de necrópoles espacialmente delimitadas, podemos especular que a maior parte do ritual funerário castrejo se dava no interior do espaço doméstico, provavelmente com o intuito de sacralizar a presença do antepassado, fortalecendo o núcleo familiar celular, base da sociedade castreja.

A permanência das cinzas enterradas em vasos na casa pode nos sugerir a sacralização do espaço cotidiano, dessa forma "protegido" magicamente contra as habituais invasões a que os castrejos estavam submetidos.

Apesar das discussões referentes à existência de um conselho de anciãos ou alguma instituição colegial, não há dúvidas quanto à autonomia de cada povoado em relação aos outros. Os calaicos não possuíam nenhum tipo de instituição superior para sancionar atos ou leis de cada povoado.

Estrabão nos fala de festas familiares que os calaicos faziam em certas noites de lua cheia, provavelmente associadas a ritos religiosos. Conhecemos uma divindade, de nome Larouco, particularmente venerada na região de Vilar de Perdizes, em Vila Real. É também conhecida a rápida propagação do culto a Júpiter, e a associação sincrética do deus Marte a algumas divindades locais. A inexistência de santuários sugere um culto ao ar livre. Mas todas as construções específicas para um culto religioso foram construídas após a ocupação romana, o que não significa necessariamente que não possuíssem algum tipo de sacerdote, ou grupo sacerdotal.

[https://www.ricardocosta.com/artigo/cultura-castreja-c-iii-ac-i-dc-longa-tradicao-de-resistencia-iberica]

A constituição social das comunidades castrejas chegou até nós proveniente, sobretudo, das fontes clássicas, arqueológicas e epigráficas. A sua constituição baseia-se nos laços de sangue e na estrutura celular familiar extensa (a domus), agrupada em unidades suprafamiliares, onde o castro (castellum) representa o elemento habitacional e social, integrando um todo mais amplo formado por unidades étnicas maiores (as civitas); ocupa territórios demarcados, gerando espaços muitas vezes suscetíveis de tensão e hostilidade, em que a figura de um chefe guerreiro (representado com frequência na estatuária castreja), surge como elemento de profundo prestígio, ou, provavelmente, como versões locais de estátuas de magistrados, já sob domínio romano. A análise da sociedade deste período revela uma proximidade assinalável entre as unidades sociais e as entidades do foro divino, evidente na sacralização dos espaços, na geografia, na vertente étnica, social e familiar, onde uma estrutura social fortemente hierárquica e guerreira é unificada por uma componente religiosa de cariz abertamente naturalista.

[https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$cultura-castreja-pre-romana]

Ao entrarem na Península, em massa, no século VI a. C. e em imigrações parciais, ao que parece, havia já dois séculos, os invasores celtas ou celtizados eram portadores da chamada cultura hallstatiana, correspondente à primeira fase da idade do ferro na Europa Central, e caracterizada pela transição do bronze para o ferro, pelo aparecimento da indústria siderúrgica e pela prática frequente da incineração.

Era uma cultura mais avançada que a cultura dos povos que subjugaram, quiçá mediante a novidade do punhal de antenas, e a cujo influxo estes não puderam furtar-se. A assimilação das novas técnicas e, porventura, de novas formas de comportamento coletivo não se operou, porém, de maneira idêntica no território da Península, e daí a formação de algumas culturas regionais, mais ou menos peculiares, que persistiram com vária fortuna e vitalidade até à romanização, pelos séculos II-III da nossa era.

A primeira ilação que sugere é a da existência de uma hierarquia de agrupamentos sociais: a família, na base, a gentilitas, no meio, relacionada com a gens, com a qual se não confundia.

A discriminação das gentilitates dentro da mesma gens, mostra que a gentilitas abrangia um certo número de famílias, devendo considerar-se, portanto, como sinónimo de clan.

Na gentilitas, os indivíduos sentiam-se vinculados entre si pelos laços de comum parentesco, a ponto de anteporem o nome gentílico ao patronímico, o que mostra o valor secundário e subordinado da família em relação ao clã; por isso o castro, além de centro de refúgio e de defesa, representa como que a amplificação geográfica da família, tanto mais que o perímetro médio destes povoados é pequeno, com escassas dezenas de casas e, consequentemente, de população, cujo teor de vida assentou, como é evidente, no predomínio absoluto da comunidade sobre os indivíduos que a constituíam.

Destas considerações como que se deduz, à maneira de corolário, que na cultura castreja, ou se se preferir, na região celtizada do Norte, o poder social teve uma origem tribal, isto é, coincidiu com a comunidade de sangue, e não, de modo geral, com a hegemonia do oppidum ou de um conjunto de cidades sobre os habitantes de certo território mais ou menos delimitado, com base num princípio mais lato e independente do parentesco.

Esta organização social, assente no princípio da comunidade do sangue, desentranhou como sequela um regime económico e político extraordinariamente simples, em que a terra pertencia ao grupo de famílias que entroncavam no mesmo antepassado e o poder estatal se reduzia ao mínimo, assim como o Direito, a bem dizer restrito a normas de Direito privado.

A ocupação do solo era coletiva, nunca individual, não originando a propriedade diferenciações, nem o trabalho carecendo do braço escravo ou servil. No seio do clã os indivíduos eram iguais, dele se excluindo os estrangeiros, isto é, os indivíduos que não participavam no sangue, não podiam usar o nome gentilício e só subordinadamente nele poderiam entrar. O princípio sobre que assentava esta sociedade estava para além da transitoriedade dos indivíduos, de cujos interesses, compromissos ou vontades não dependia; por isso as instituições do clã se apresentavam como imutáveis e perpétuas e os seus costumes e práticas foram singularmente constantes e estáveis, perdurando com notável tenacidade.

O relaxamento do vínculo de consanguinidade implicava, internamente, no seio das comunidades, a individualização das consciências e, de certo modo, a de alguns bens, e, externamente, a sujeição perante uma organização política forte, de tendência territorial —, e estes factos só começaram a verificar-se plenamente com a conquista romana.

O princípio da consanguinidade, apesar de não tolerar as diferenciações entre os indivíduos da mesma estirpe, nem por isso promovia o desenvolvimento moral das relações humanas.

[http://www.joaquimdecarvalho.org/artigos/artigo/65-A-cultura-castreja-sua-interpretacao-sociologica-]

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