segunda-feira, 7 de março de 2022

Nossa Senhora Amy Winehouse

Vejo muita gente sinceramente consternada com a morte de Amy Winehouse. Isso me parece bom e justo. Por outro lado, vejo algumas pessoas debochando da cantora por causa das drogas, do álcool, por causa da paixão obsessiva pelo namorado, transformado em marido secretamente, e por aí vai.
Não consigo evitar a ideia de que as pessoas que se refastelam em críticas, deboches e piadas sobre a cantora (nenhuma delas, porém, reconhecida por algum brilhantismo ou genialidade) alimentam sua própria ilusão de grandeza ou nobreza através do tripúdio sobre alguém, de fato especial, como Amy Winehouse.
Quando vejo os documentários sobre ela (isso é o mais perto a que posso chegar - ainda que muito distante - de sua realidade), penso que Amy era muito mais desprendida do que a maioria dos considerados "santos". Com todo o dinheiro que ganhou, nunca realmente se deslumbrou com isso. Nunca posou de riquinha. Nunca pretendeu ditar moda para ninguém. Nunca disse a ninguém o que deveriam fazer ou deixar de fazer. Ela apenas viveu como quis: cantado, sofrendo de amor, cantando o sofrimento desse amor, e se anestesiando com as drogas e o álcool para suportar a dor de viver essa dor.
Amy já tinha dito que queria morrer jovem. E morreu.
Tem gente que fica chocada, mas o que é a vida, senão nascimento, morte e alguma diversão no intervalo? Quando a dor se torna insuportável, para quê continuar vivendo? Talvez essa tenha sido a mais corajosa conclusão a que Amy Winehouse tenha chegado. E talvez seja por isso que tantos procuram se distanciar dela por meio da crítica e do deboche: Têm medo de que a loucura que lhe atribuem esteja coberta de razão. Eles têm medo da vertigem. Têm medo de se sentirem compelidos a pular também; saltar para o nada.
Isso, a meu ver, torna essas pessoas ainda mais miseravelmente desesperadas. Amy não demonstrava desespero. Sofrimento, sim. Desespero, não. Já esses santarrões do moralismo falido, alimentado pela ânsia de viver pra sempre, revelam em cada coisa que dizem um desespero nauseante.
Então, antes de falar de Amy Winehouse e outros românticos como ela, pense no que suas palavras sobre ela vão, na verdade, revelar sobre você mesmo.
E como eu disse no Twitter:
"Se deus existisse, seria realmente muito sacana. Levar a #Amywinehouse e deixar #SilasMalafaia, #Magnomalta, #Joseserra, #Edirmacedo... PQP!"
Aí, vem esses crentes querendo validar a falácia de suas crenças com o realismo da morte. Querem esquentar a falta de vida de suas vidas com a frieza da morte na vida dos outros. Sinceramente, Amy Winehouse nunca fez mal a ninguém, enriqueceu o patrimônio cultural da humanidade com sua voz e composições, conquistou amigos sem prometer nada mundo afora. Enquanto, isso esses pregadores da morte que condenam tudo na vida, prejudicam bilhões de pessoas pelo mundo todo com suas doutrinas pútridas de pecado, juízo e castigo eterno. E se pensam que suas promessas de graça, salvação e paraíso eterno contribuem para a felicidade da humanidade, enganam-se. Basta olhar para a própria vida desses coitados: mera negação, mesmo quando afirmam alguma coisa, esta é - em última instância - a morte.
Por isso, mais vale uma Amy Winehouse que viveu intensamente e morreu aos 27 anos sem prejudicar ninguém do que um Papa como João Paulo II que viveu até os 85 anos de idade, reforçando o preconceito, a homofobia, encobrindo a pedofilia no clero, enriquecendo a igreja ainda mais com a canonização recordista de santos, entre outras coisas. Isso para não mencionar Edir Macedo, Silas Malafaia, George Bush, Sadam Hussein, cada um produzindo desgraças a seu próprio modo. E todos eles, muito religiosos. ;)
Pieguismo religioso não me impressiona. O talento e a autenticidade de Amy Winehouse, sim.
O que não significa que eu considere o álcool ou as drogas como hábitos aconselháveis. Prefiro ser saudável, mas isso não me torna melhor do que ninguém. Pelo contrário, alguns usuários de drogas são melhores do que eu e a maior parte da humanidade juntos. Isso, porque não são bons graças às drogas, mas apesar delas.
Enquanto isso, a maioria de nós vai passar pela vida sem deixar rastros, esquecidos por nunca termos feito outra coisa que não consumir - o que até aos porcos no chiqueiro não exige nenhum esforço ou talento.
Genialidade, brilhantismo, inovação nos diversos campos de conhecimento humano, isso é fantástico! Transformar a realidade para melhor, isso é tremendo! E isso não pode ser feito por quem é mero expectador e crítico da vida alheia.
Amy, adoraria que você pudesse me ouvir. Se pudesse, eu diria:
Thanks for singing, dear! Keep on, sweetheart!
Fonte: Fora do Armário. Original perdido.
Nota [de pesar] da casa: A Amy viveu [e morreu] exatamente por que teve a coragem e as bolas [peitos? };)] de viver a vida dela nos termos que ela se fixou.
Infelizmente para nós, que não ouviremos [exceto em homenagens ou obras póstumas] mais sua voz e sua música. Infelizmente para seus fãs homens, que nunca mais poderão fantasiar em "fazer música" com ela.
Mas eu prefiro uma Amy Winehouse, bêbada, maravilhosa, do que um milhão de Anders Behring. Eu prefiro ouvir um espetáculo de uma Amy Winehouse do que ter que aguentar o discurso doutrinário totalitarista de um Joseph Ratzinger. Eu prefiro perder-me em silenciosa adoração a uma Amy Winehouse do que a um milhão de Cristos. Repostado. Texto originalmente publicado em 24/07/2011, resgatado com o Wayback Machine.

Nenhum comentário: