quinta-feira, 17 de março de 2022

O Sagrado Feminino

Muita bobagem vem sendo dita sobre nossos antepassados, sobretudo vindo de pessoas que deveriam ter mais cuidado com o que dizem para o público como sendo fatos históricos, quando o que dizem é apenas a velha mania de dourar a pílula para vender melhor o remédio.
Eu vou analisar o texto escrito por Claudiney Prieto, Alto Sacerdote da Tradição Diânica Nemorensis.

Seguramente, os paleo-europeus acreditavam que o poder criador universal era feminino e adoravam as forças da natureza como forma de estabelecer contato com o Divino.

Com que bases esta afirmação é feita? Os grupamentos humanos que existiam na Europa na época Paleolítica encontravam-se em diversos estágios culturais, o que certamente refletia nos credos de cada tribo. Essa visão é antes uma criação do autor que inventou uma evidência para se encaixar em sua teoria, como fica claro na sequência do texto.

O culto à Deusa Mãe é muito anterior à Era de Touro (4000 AEC à 2000 AEC), tempo em que os homens viviam da caça e pesca e as mulheres eram as grandes Sacerdotisas, Xamãs e detentoras do poder religioso. Nesta época o respeito ao feminino e aos mistérios da procriação estavam em seu apogeu. Os homens ainda não tinham associado o ato sexual à concepção e viam a gravidez e o nascimento como algo sagrado, recebido diretamente dos Deuses. Os homens ancestrais acreditavam que as mulheres engravidavam deitadas ao luar, através da Grande Deusa personificada como a própria Lua.
Foi à partir daí, que o conceito do Princípio Divino Feminino passou a existir e prevaleceu durante milênios. Nossos ancestrais acreditavam que o poder que conspirou para que o Universo existisse era feminino e por isso cultuavam a Deusa como a Criadora do mundo e de tudo aquilo que existe nele.
Segundo as crenças Pagãs primitivas, essa Deusa teria criado tudo e todos, até seu próprio complemento, o Deus, que é personificado através do Sol.

Essa é a intenção de Claudiney Prieto, distorcer fatos e evidências arqueológicas apenas para dar um embasamento racional e científico à sua visão eminentemente dentro da tealogia diânica. Os grupamentos humanos nesta época não eram compostos apenas de caçadores-coletores, mas também de grupos nômades que viviam da pilhagem e estes tinham Deuses guerreiros masculinos. Mesmo durante o dito domínio dessa falsa religião matrifocal, é possível ver nas mesmas cavernas onde se alardeiam tanto as estátuas que dizem ser a prova de um culto à Deusa-Mãe, igualmente presente estão as figuras do Deus-Cornudo. Mas será que estas estátuas realmente representam aquilo que dizem representar ou se trata de mais uma evidência forjada para se encaixar os fatos com o credo?

A adoração à Deusa foi a primeira religião estabelecida pelos seres humanos. Muitas evidências arqueológicas incluindo estátuas, amuletos, cerâmicas, pinturas nas cavernas e outras imagens indicando a veneração da Deusa foram descobertas comprovando a existência de um culto primordial, onde uma Divindade Criadora feminina era adorada.
Merlin Stone, em “When God was a Woman” (Quando Deus era uma Mulher), diz, "Archeológos localizaram evidências de adoração a Deusa antes das comunidades do Neolitico de cerca de 7000 AC., algumas das esculturas datam do Paleolitico Superior, de cerca de 25,000 AEC. Desde as origens Neoliticas, sua existência foi comprovada repetidamente até os tempos romanos".
A evidência mais convincente de adoração à Deusa vem de numerosas esculturas de mulheres grávidas com seios, quadris, coxas, nádegas e vulvas exagerados. Estas imagens foram intituladas pelos arqueólogos como estatuetas de Vênus, ou ídolos do culto à Grande Mãe. Elas são feitas de pedra, osso, barro e foram descobertas perto dos restos de paredes das primeiras habitações humanas. Estas estátuas foram encontradas na Espanha, França, Alemanha, Áustria, Checoslováquia e Rússia e parecem ter pelo menos dez mil anos.
Elas não foram meras decorações das pessoas que as criaram, mas sim objetos profundamente importantes porque representavam o meio pelo qual os seres humanos se expressavam antes mesmo de começarem a utilizar a fala. A arte, através da história, sempre revelou o que as culturas valorizavam e o conhecimento que tentavam passar às gerações futuras. Claramente o parto, a maternidade e sexualidade feminina eram considerados sagrados. Isto nos mostra que estas culturas tiveram pouco ou nenhum conhecimento do papel do homem na reprodução. Para todos, a mulher concebia o bebê por ela mesma. Sexo não era associado com o parto e as mulheres foram consideradas as doadoras exclusivas da vida. Até hoje, algumas culturas isoladas na Terra, acreditam que o homem não tem participação nenhuma na concepção.

Isso é o que se quer acreditar, mas não há evidências suficientes para se afirmar tal salto interpretativo. Em termos antropológicos, as estátuas podem ser realmente estátuas que demonstram uma adoração a uma Deusa, mas também podem ser meros totens, fetiches que, dentro do pensamento animista do xamanismo é plenamente razoável, pois pode ser que se faziam estas estátuas para se provocar pela magia simpática a gravidez das mulheres.

Além disso, como o conceito de paternidade ainda não tinha sido entendido, as crianças só pertenciam às mães e a comunidade. Crianças "ilegítimas" não existiam. As crianças levavam o nome de suas mães e a família descendia pela linhagem materna. Esta estrutura social, baseada na afinidade feminina, é chamada de "matrilinear" e ainda existe em algumas partes da África, Índia, Melanésia e Micronésia.
As culturas primitivas eram frequentemente matrifocais e isto significa que quando uma mulher casava, o marido ia morar com a família da esposa, ao invés da mulher ser desarraigada e se mudar para a casa da família do marido. Isto significa que as mulheres detiveram todo o poder e o status da mulher na sociedade teria sido certamente cada vez mais alto se não fosse a queda matrilinear. Se não fosse o domínio patriarcal da sociedade e religião, mulheres jamais teriam sido totalmente dependentes dos homens e consideradas suas propriedades. A importância da virgindade e castigos por adultério não teriam existido, pois eles fazem parte de conceitos patrilineares, onde a paternidade é mais estimada que a maternidade.
A adoração da Deusa nas culturas antigas incluía o papel principal das mulheres nos trabalhos religiosos e celebrações sagradas. As mulheres eram as grandes sacerdotisas, adivinhas, parteiras, poetisas e curandeiras. Elas presidiam templos erguidos somente a Deusas como Ishtar, Isis, Brigit, Ártemis e Diana, que estão entre as mais populares.

Sofrível interpretação dos fatos. Em muitos grupamentos humanos, a criação das crianças era responsabilidade do grupo como um todo. Assim é também a falsa impressão de uma organização social em termos matrilineares, muitas das ditas sociedades da época acabavam matando ou provocando aborto em crianças indesejadas, com direito a uma cerimônia de sacrifício a uma entidade.

Do envolvimento das mulheres com a religião vieram muitos avanços como o conhecimento do poder das ervas, que curavam os doentes e aliviavam a dor do parto, até o primeiro calendário, o calendário lunar que foi utilizado por muito tempo e que pode ter começado com mulheres que observavam seus ciclos menstruais e os comparavam com os ciclos de Lua. Além da astronomia, as mulheres desenvolveram também os idiomas, a agricultura, a culinária, a cerâmica e muito mais. As contribuições de mulheres para as culturas humanas são inúmeras e nunca tiveram o devido crédito e valor.
A Deusa teve grande popularidade e proeminência até as religiões patriarcais como Judaísmo, Cristianismo, Islamismo, entre outras, silenciarem-na. A mudança para o patriarcado foi gradual e procedeu de uma reformulação nos sistemas de parentesco que se tornou de matrilinear à patrilinear. A ênfase na paternidade e no homem é clara e evidente nas principais religiões praticadas até hoje.
A relação de pai/filho e Deus/Jesus é a chave do Cristianismo, embora a figura da mãe conseguiu persistir e aparecer no Catolicismo como Maria, que instigantemente é chamada de “A Mãe de Deus”..
Outros fatores relativo à ascensão das religiões patriarcais foi a ênfase as ditaduras militares, que aumentaram o culto aos Deuses guerreiros. Esther Harding escreveu em Women's Mysteries( Mistérios das Mulheres), " A subida do poder masculino e da sociedade patriarcal provavelmente começou quando o homem passou a acumular bens, o que não é comunitário, propriedades e achou que a força pessoal dele e a sua coragem pudessem aumentar suas posses e riquezas. Esta mudança de poder secular coincidiu com a subida da adoração ao Sol sob um sacerdócio masculino que começou a substituir os muitos cultos à Lua realizados desde tempos imemoráveis". Assim, como os homens ganharam poder sobre as mulheres e o masculino se tornou a Grande Divindade, O Sagrado Feminino passou a ser reconhecido cada vez menos. A ausência do culto à Deusa trouxe guerras, crimes, regras e a tirania.

Superestimação dos elementos tirados de algum livro esotérico superficial. O conhecimento das ervas só foi codificado com a ajuda dos homens que estavam presentes na religião antiga, trabalho que foi continuado pelos bruxos, alquimistas e químicos. Parte do texto contém mais ideologia barata, uma mistura de new age da década de 60 com feminismo da década de 70 (século XX).

A Deusa é o princípio Divino Feminino, a Divindade suprema adorada nas práticas Pagãs. Ela foi adorada ao redor do mundo por milhares de anos até que foi silenciada através das religiões patriarcais. Em anos recentes a Deusa e seus cultos tiveram ressurgimento e hoje contam com grande popularidade entre:

• feministas, que buscam uma dimensão espiritual para as suas causas políticas
• aqueles que se interessam pelas religiões antigas, abrangendo aqui todas as manifestações Pagãs
• pelas mulheres e homens comuns que sentem que algo está se perdendo nas proeminentes religiões organizadas de hoje.

Mais evidencias forjadas. O Neopaganismo é um fenômeno cultural relativamente recente e engloba diversas práticas religiosas e dificilmente algum pagão com bom senso concordaria com a Deusa sendo uma divindade suprema. A última coisa que um pagão quer é transformar a Deusa em um Jeová de saias. Pagãos atuais tendem mais ao panteísmo e ao politeísmo do que a esta forma disfarçada de monoteísmo.

É difícil definir a Deusa em alguns parágrafos, mas a versatilidade é uma de Suas características mais interessantes. Para alguns Ela é a única Divindade existente. A Deusa não é necessariamente vista como uma pessoa, mas uma força multifacetada de energia que se expressa em uma variedade de formas e pode ter inúmeros nomes diferentes.

Aqui são divagações particulares do autor. Primeiro empurra um monte de evidências forjadas para depois entrar com sua visão doutrinária, uma visão henoteísta, com tendências monoteístas.

Ela foi chamada Ishtar, Astarte, Inanna, Lillith, Isis, Maat, Brigid, Cerridwen, Gaia, Demeter, Danu, Arianhod, Ceridwen, Afrodite, Vênus, Artemis, Athena, Kali, Lakshmi, Kuan-Yi, Pele e Mary, entre muitos outros nomes. A Ela foram atribuídos muitos símbolos, como serpentes, pássaros, a Lua e a Terra.
A Deusa é a Criadora de todas as coisas e ao mesmo tempo a Destruidora. Tudo vem Dela e tudo retornará à Ela. A Deusa está contida em tudo e vive na Terra, nós céus, no mar, em cada botão de flor, em cada pingo d’água e em cada grão de areia. Ela não é um Ser distante e intocável, mas sim uma Divindade que está aqui conosco, vive e se manifesta em cada um de nós. Ela é Virgem, a Mãe e a Anciã. Ela é você, Ela é eu, Ela é tudo e todos.

Confundir Deusas tão distintas, de povos e credos tão distintos, sob a batuta de uma interpretação arquétipa psicológica junguiana é um assalto, uma violência e um estupro dessas culturas e religiões. Mas Claudiney Prieto tem outra agenda e esta passa longe do respeito aos Mitos Antigos, que são o alicerce da religião Wica.

Nas praticas Pagãs a Deusa possui 3 aspectos distintos. A Triplicidade da Deusa é muito anterior ao Cristianismo e não é difícil que seja ela quem deu origem ao pensamento da Trindade Cristã. Porém na Wicca, a Triplicidade se refere a 3 estados distintos da mesmo divindade.
Cada um destes aspectos tem suas características particulares, distintas das outras e cada uma delas traz a possibilidade de serem relacionadas com aspectos internos de nossa psiquê. Suas três faces são a Virgem, Mãe e Anciã, os seus aspectos reverenciados por toda a humanidade desde tempos imemoráveis.
A Virgem representa os impulsos, os começos e está relacionada a Lua Crescente.
A Mãe é a Doadora da Vida, a Grande Nutridora e está associada à Lua Cheia
A Anciã é a detentora da sabedoria, A Grande Conhecedora e Tranformadora e está associada a Lua Minguante
A Deusa é abrangente porque pode ser tudo que você quiser que Ela seja. A maioria dos seguidores da Deusa compartilham algumas convicções em comum. Starhawk, uma das mais atuantes Bruxas modernas e autora da "Dança Cósmica das Feiticeiras" afirma que os três princípios da religião da Deusa são: a imanência, interconexão e comunidade.
Imanência é o meio pelo qual a Deusa está presente na Terra e em nós. A Natureza, a cultura , a vida.
Interconexão é o meio pelo qual todos os seres estão relacionados e a forma como estamos unidos ao Cosmo.
Como comunidade, crescimento e transformação passam por interações íntimas, basicamente, a lei da Deusa é Amor - Amor Incondicional. Ela não tem nenhuma ordem à ser seguida à não ser o Amor, em todas as suas manifestações e formas.

Na Wica Tradicional, a Deusa é específica. Ela é imanente e transcendente. Ela é Trina em suas manifestações, mas apenas neste atributo dela que se pode dizer, sem erro, que se trata da mesma Deusa. Mas Ela é aquilo que Ela é e sempre foi e será. Não algo que se molda aos nossos desejos e sonhos. Quando se escolhe um caminho religioso, somos nós que temos que nos adaptar a ele, não o caminho às nossa necessidades. Com a Deusa e o Deus, não pode ser diferente. Se essa interpretação esdrúxula de psicologia junguiana fosse um médoto correto, então os cristãos podem muito bem entender a Virgem Maria como sendo uma face da Deusa e estaremos dando respaldo aos grupos de wiccanos-cristãos.

Das origens primitivas do Neolítico e Paleolítico surgiram todas as formas de Magia e religião e a inspiração para recriar muitas outras formas de espiritualidade que surgiram posteriormente, incluindo a Wicca.
A maioria das religiões atuais da humanidade são baseadas em figuras e princípios divinos masculinos, com Deuses e Sacerdotes ao invés de Deusas e Sacerdotisas. Durante milênios, os valores femininos foram colocados em segundo plano e em muitas culturas as mulheres fora subjugadas e passaram a ocupar uma posição inferior aos homens, quer seja no nível social ou espiritual.
A Wicca busca recuperar o Sagrado Feminino e o papel das mulheres na religião como Sacerdotisas da Grande Mãe, além da complementaridade e equilíbrio entre homem e mulher, simbolizados através da Deusa e do Deus, que se complementam.

Aqui o autor entra em contradição, pois se a Wica procura o equilíbrio entre os gêneros, por que focar apenas o sagrado feminino e não falar do sagrado masculino; por que focar apenas na Deusa e não falar no Deus; por que confundir e misturar tantos credos pagãos e as Deusas em um único aspecto? As origens da magia e da religião perpassam tempo, origem e cultura. Não há uma origem certa, nem um monopólio matrifocal na história e no desenvolvimento da magia e da religião. Muitos homens ajudaram e contribuíram para a preservação da Religião Antiga. Sem essa tradição e ancestralidade, nenhum de nós sequer ouviria falar em Wica. Ao sustentar com evidencias forjadas e interpretações tendenciosas uma visão pessoal e progressista da religião Wica, Claudiney Prieto demonstra que não está preocupado com a religião, mas em aumentar o numero de adeptos da sua própria tradição.
Repostado. Texto originalmente publicado em 12/08/2007, resgatado com o Wayback Machine.

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