O tempo é uma grandeza física e um aspecto do divino. Para o mundo ocidental, o tempo é linear; para o mundo oriental, o tempo é circular.
Quando pensamos no mundo enquanto forma ou lugar de
existência, nós pensamos em termos de espaço.
O espaço é tridimensional, formado pelos vetores altura,
largura e profundidade.
Eu não lembro onde eu encontrei, mas o tempo é formado pelos
vetores ontem, hoje e amanhã.
Na Sociedade Zvezda [extinto] eu expus a minha teoria de que
o tempo, na quinta dimensão, é líquido.
Nossos antepassados formaram a noção de tempo através da
observação da natureza, os primeiros calendários foram marcados com as fases da
lua ou com as estações do ano.
Nós somos herdeiros de um rico legado passado através de
gerações, que são os mitos e as lendas, histórias orais contando a origem das
coisas desde o tempo além do tempo. A sequência narrativa dos mitos e lendas
possui uma cronologia, mas esse é o tempo sagrado, esse é o tempo que domina a
religião [ritos] e a magia [procedimentos].
A realização de um determinado rito, bem como a sequência de
procedimentos, ocorre no tempo profano, mas tema intenção de manifestar o
sagrado. A precisão do tempo ritualístico tenta sincronizar com o tempo sagrado
ao qual está vinculado. O ritual é a encenação do drama divino e endossa,
reforça, reproduz no tempo profano a cena divina que criou o mundo e a
humanidade.
Nos mitos Gregos, o tempo é Cronos que, temendo que a
maldição de Urano se cumprisse [de que ele seria derrotado por seu descendente,
tal como Urano havia sido derrotado por Cronos], devora toda sua descendência.
Toda? Não, Rhéia, utilizando de malandragem, faz Cronos comer uma pedra no
lugar de Zeus que, no devido tempo, derrota Cronos, derrota os Titãs e derrota
os Gigantes, tornando-se o Deus Rei do Olimpo, a Pólis Divina.
A noção de que nada pode escapar da “fome” do tempo, de que
tudo, em algum momento, será engolido, devorado pelo tempo, dá a dimensão do
significado de Kali.
O mundo ocidental teve o péssimo gosto de criar a religião
Hare Krishna. Como efeito colateral do Colonialismo inglês, a cultura Hindu
virou uma vedete do esoterismo produzido em massa. O Hare Krishna é baseado no
texto Bhagavad Gita, que é um pequeno trecho da magnífica obra Mahabharata. Os
ingleses, sobretudo nas sociedades secretas, fizeram outro empréstimo cultural de
origem dos mitos egípcios, quem conhece as obras de Aleister Crowley deve notar
a egitomania presente. Isso não é uma novidade, eu creio ser necessário
escrever quem começou com essa ideia de criar e inventar religiões com intuito
de consolidar o poder ou de satisfazer os desejos de consumo do público.
Tal como no caso dos mitos clássicos, dos quais o pouco que
sabemos foi um registro posterior de tradições orais com o intuito de agradar
os donos do poder e que, portanto, tiveram distorções e censuras.
Quando eu analiso o mito de Kali, este caso pode ser
encaixado nesses mitos de tradições orais cujo conteúdo e significado constitui
um choque e um embaraço.
A contraparte mais próxima de Kali nos mitos clássicos é
Nemesis, no entanto sua fúria e sede de sangue pode ser equiparada com a de
Inanna/Ishtar.
Para um Hindu é difícil entender Kali, mais complicado ainda
se torna para um ocidental entendê-la. Nos mitos Hindus, os Devas estavam em
guerra contra os Asuras, a luta estava em um impasse, a destruição estava
ameaçando toda a existência. Os Devas rogaram para que isso tivesse fim, dizem
então que da emanação de diversos Devas ou da incorporação a partir de outra
Deusa, surge Kali.
O mito não explica porquê Kali tem forma feminina, mas quem
conhece os mitos de Inanna/Ishtar, deve conhecer o que nós chamamos de Lado Negro
da Grande Deusa. O corpo de Kali é exuberante; sua pele é negra, roxa ou azul;
seus cabelos são longos e negros; os olhos faíscam em fúria; seu [lindo]
pescoço é decorado com uma guirlanda feita de caveiras; seu [deslumbrante]
quadril é decorado com um cinto feito de pernas e braços; ela está
completamente nua; possui quatro ou mais braços; uma mão empunha uma terrível
espada em forma de meia-lua [chamada de ramdao] e a outra mão porta o tridente
de Shiva [chamado de trishula], ou faz o mudra [gestual de mão] para que o
devoto não tema; no lado esquerdo, uma mão segura uma cabeça decapitada e a
outra segura uma cumbuca repleta de sangue.
Kali entra na batalha e, sozinha, extermina o exército dos
Asuras, devorando todos, sorvendo o sangue das vítimas, sem misericórdia,
indomável. Os Devas deveriam estar gratos, mas a “solução” começou a preocupar
os Devas. E se Kali não parasse? Ninguém ali tinha o poder ou a coragem suficiente
para sequer encarar Kali. Em seu frenesi extático, Kali percebeu que seu alvo
foi completamente dizimado e, como se temia, começou a pensar em atacar os
Devas. Ela levantou sua espada e começou a avançar quando percebeu que pisava
em um corpo diferente. Kali parou estarrecida ao ver que pisava em Shiva. A relação
de Kali com Shiva é controversa. Ela pode ser considerada a consorte de Shiva, a
filha de Shiva, ou a emanação de Shiva. O gesto de Kali ao mostrar a língua é a
demonstração de vergonha, de embaraço, conforme a cultura hindu.
O mito de Kali e a história da Índia não dizem se ela foi “domesticada”,
não dizem quando Kali tornou-se uma Deusa e começou a ser adorada. Os rituais
para Kali ocorrem em crematórios e na escola tântrica “de esquerda”. Kali é
identificada como uma Deusa da destruição, da morte [para que haja renovação],
da sexualidade e da aniquilação do ego.
Uma vez eu sonhei que eu era mordido por uma entidade. A
conexão dos mistérios antigos, do caminho iniciático, do início do despertar,
com o ato de comer ou morder é rara, mas pode ser percebido no sacrifício e no posterior
ato comensal do Grande Banquete, onde todos os devotos degustam a carne assada
da vítima do sacrifício. Eu não posso dizer nem afirmar qual entidade me mordeu.
Eu posso dizer que o sonho foi crucial para a minha jornada. Se for Kali, ela
pode me morder, me comer, me chupar... [arf, arf, arf].
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