Interessante como coisas aparentemente dispersas em nossa
vida ou nossa história depois começam a fazer sentido.
Rolling Stones gravou “Simpathy for the Devil” em 1968, é
considerado um clássico do rock e é impossível ouvi-la sem imaginar que foi
escrita para ser um hino de louvor. Foi somente depois de casado, no meu
primeiro apartamento, quando eu li o livro “Mestre e Margarida”, de Mikhail
Bulgarov, um estranho presente do meu irmão, uma pessoa que é quase ausente de minha vida.
Meu irmão deu-me tal presente por que ele veio saber de
minha... heresia. Eu não fiz uma resenha do livro, que eu considero uma leitura
recomendada a todo curioso, simpatizante e estudioso do Paganismo e Bruxaria,
mas adianto que o livro é uma paródia de outra obra famosa: Doutor Fausto, de
Goethe. O livro é, no dizer do próprio Bulgarov, um “anti-fausto”.
Tanto na arte quanto no discurso oficial [secular e
clerical] a figura do Diabo está presente. Eu estou observando até uma campanha
no Patheos para resgatar a reputação de Satan. O que é confuso, pois passamos
os últimos 50 anos para distanciar Satan de nosso Deus e agora até Jason Mankey
avisa que o Deus da Floresta não é tão antigo quanto acreditamos. Mas será que
a identidade e a personalidade de uma entidade ou Deus depende do que
acreditamos, ou nós devemos melhorar a forma como vemos e interpretamos os
mitos, as lendas e mesmo nossa herança espiritual e cultural? Eu defendo
exatamente a segunda opção.
Infelizmente nós estamos no mundo contemporâneo, onde
predomina o pós-moderno e a imitação do conhecer acadêmico, mas este é outro
assunto. Eu considero infeliz, inadequado e desonesto essa distorção dos fatos
e eventos históricos, sociais e culturais que envolvem o Diabo, sua construção
piedosa [semelhante à construção do Deus Cristão], bem como a de sua transformação
em um ícone popular, um mero arquétipo, uma mera palavra ou rótulo.
Para facilitar esta análise, permitam-me ser bem direto:
Satan não é o Deus das Bruxas. Satan sequer é um Deus. A mitologia original de
Satan mostra que esta entidade é um anjo a serviço do Deus Judeu. Satan, tal
como o Deus Cristão, é um mosaico composto pelo Mithraismo, Mazdeismo e
Maniqueísmo, foi [e ainda é] utilizado pela Igreja para combater [e destruir]
qualquer outra forma de cristianismo [ou de religião].
Considerando que a cultura da Europa foi influenciada e
dominada pela doutrina católica [senão cristã] a respeito do Diabo, de Satan,
eu considero desonestidade ou preguiça intelectual quando eu leio textos de
pagãos pleiteando pela reabilitação do Tinhoso. Não podemos nos esquecer de que
testemunhos ou textos devem ser contextualizados em uma época e cultura,
inclusive quando a figura ou a entidade de Satan foi utilizada por outros grupos,
ordens secretas e religiões adversárias, para combater a tirania da Igreja.
Isso sem nos esquecer da confusão e mistura entre a mitologia do Mal Absoluto
[uma questão moral humana] e a mitologia dos daemons.
Como a história é contada pelo vencedor, pouco ou nada
sabemos destes que foram acusados, perseguidos, presos, torturados e mortos
pelo Cristianismo por serem hereges. Muitas destas heresias eram acusadas de
adorarem o Diabo e toda uma hierarquia de demônios. Um interessante exemplo é a
acusação de que os Templários adoravam Baphomet. Quando levamos em consideração
que livros de e sobre bruxaria eram feitos por e para padres da Igreja,
supostamente para combater “fogo com fogo”, não é mera coincidência que muitos
padres acabavam “versados” em bruxaria e frequentemente realizavam “missas
negras” para alguns nobres. Então, tanto grupos de camponeses que tentavam
restaurar a crença antiga quanto ordens secretas de magia e ocultismo “adotaram”
o Diabo, Satan, como sua figura central, pela própria lógica doutrinária da
Igreja. Quando começou a Caça às Bruxas, evidente que tanto o testemunho quanto
o discurso oficial refletiu os dogmas da Igreja.
A Europa conheceu a Renascença e com ela teve início a
Colonização, o sistema feudal dava lugar ao sistema capitalista, profundas
mudanças ocorreram na cultura e na sociedade que resultaram no Renascimento Romântico
e na multiplicação e expansão das ordens secretas. Com o advento da
Contracultura e a aurora do Pós-Moderno, Satan tornou-se mais um ícone pop. Tal
como a Arte Pop, Satan tronou-se uma mera palavra, um rótulo, uma ferramenta e
um material para ser moldado, plastificado e consumido. O resultado é a
aparição do Satanismo Moderno [o que eu considero uma redundância, visto que
inexistia “satanismo antigo”] e da Igreja de Satan, fundada e liderada por
Anton Szandor Lavey.
A despeito da retórica satanista, o Satanismo Moderno, a
Igreja de Satan e Anto Szandor Lavey misturam-se como se fossem parte de uma
mesma personalidade que ainda tem suas raízes na doutrina do Cristianismo. Como
filosofia de botequim, o satanismo é uma bela arapuca para adolescentes
rebeldes e nada mais. Enquanto teoria mágica e prática, o satanismo é uma coletânea
de rituais parodiados ou mimetizados. Falta para essa religião um mito para
justificar o rito e como o próprio satanismo esvaziou Satan de sua identidade e
personalidade, resta apenas o rebulho literário de diversas fontes. O satanismo
não se sustenta nem usando a muleta das missas negras ou das assembleias de
bruxas.
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