domingo, 10 de abril de 2016

Simpatia pelo Diabo

Interessante como coisas aparentemente dispersas em nossa vida ou nossa história depois começam a fazer sentido.
Rolling Stones gravou “Simpathy for the Devil” em 1968, é considerado um clássico do rock e é impossível ouvi-la sem imaginar que foi escrita para ser um hino de louvor. Foi somente depois de casado, no meu primeiro apartamento, quando eu li o livro “Mestre e Margarida”, de Mikhail Bulgarov, um estranho presente do meu irmão, uma pessoa que é quase ausente de minha vida.
Meu irmão deu-me tal presente por que ele veio saber de minha... heresia. Eu não fiz uma resenha do livro, que eu considero uma leitura recomendada a todo curioso, simpatizante e estudioso do Paganismo e Bruxaria, mas adianto que o livro é uma paródia de outra obra famosa: Doutor Fausto, de Goethe. O livro é, no dizer do próprio Bulgarov, um “anti-fausto”.
Tanto na arte quanto no discurso oficial [secular e clerical] a figura do Diabo está presente. Eu estou observando até uma campanha no Patheos para resgatar a reputação de Satan. O que é confuso, pois passamos os últimos 50 anos para distanciar Satan de nosso Deus e agora até Jason Mankey avisa que o Deus da Floresta não é tão antigo quanto acreditamos. Mas será que a identidade e a personalidade de uma entidade ou Deus depende do que acreditamos, ou nós devemos melhorar a forma como vemos e interpretamos os mitos, as lendas e mesmo nossa herança espiritual e cultural? Eu defendo exatamente a segunda opção.
Infelizmente nós estamos no mundo contemporâneo, onde predomina o pós-moderno e a imitação do conhecer acadêmico, mas este é outro assunto. Eu considero infeliz, inadequado e desonesto essa distorção dos fatos e eventos históricos, sociais e culturais que envolvem o Diabo, sua construção piedosa [semelhante à construção do Deus Cristão], bem como a de sua transformação em um ícone popular, um mero arquétipo, uma mera palavra ou rótulo.
Para facilitar esta análise, permitam-me ser bem direto: Satan não é o Deus das Bruxas. Satan sequer é um Deus. A mitologia original de Satan mostra que esta entidade é um anjo a serviço do Deus Judeu. Satan, tal como o Deus Cristão, é um mosaico composto pelo Mithraismo, Mazdeismo e Maniqueísmo, foi [e ainda é] utilizado pela Igreja para combater [e destruir] qualquer outra forma de cristianismo [ou de religião].
Considerando que a cultura da Europa foi influenciada e dominada pela doutrina católica [senão cristã] a respeito do Diabo, de Satan, eu considero desonestidade ou preguiça intelectual quando eu leio textos de pagãos pleiteando pela reabilitação do Tinhoso. Não podemos nos esquecer de que testemunhos ou textos devem ser contextualizados em uma época e cultura, inclusive quando a figura ou a entidade de Satan foi utilizada por outros grupos, ordens secretas e religiões adversárias, para combater a tirania da Igreja. Isso sem nos esquecer da confusão e mistura entre a mitologia do Mal Absoluto [uma questão moral humana] e a mitologia dos daemons.
Como a história é contada pelo vencedor, pouco ou nada sabemos destes que foram acusados, perseguidos, presos, torturados e mortos pelo Cristianismo por serem hereges. Muitas destas heresias eram acusadas de adorarem o Diabo e toda uma hierarquia de demônios. Um interessante exemplo é a acusação de que os Templários adoravam Baphomet. Quando levamos em consideração que livros de e sobre bruxaria eram feitos por e para padres da Igreja, supostamente para combater “fogo com fogo”, não é mera coincidência que muitos padres acabavam “versados” em bruxaria e frequentemente realizavam “missas negras” para alguns nobres. Então, tanto grupos de camponeses que tentavam restaurar a crença antiga quanto ordens secretas de magia e ocultismo “adotaram” o Diabo, Satan, como sua figura central, pela própria lógica doutrinária da Igreja. Quando começou a Caça às Bruxas, evidente que tanto o testemunho quanto o discurso oficial refletiu os dogmas da Igreja.
A Europa conheceu a Renascença e com ela teve início a Colonização, o sistema feudal dava lugar ao sistema capitalista, profundas mudanças ocorreram na cultura e na sociedade que resultaram no Renascimento Romântico e na multiplicação e expansão das ordens secretas. Com o advento da Contracultura e a aurora do Pós-Moderno, Satan tornou-se mais um ícone pop. Tal como a Arte Pop, Satan tronou-se uma mera palavra, um rótulo, uma ferramenta e um material para ser moldado, plastificado e consumido. O resultado é a aparição do Satanismo Moderno [o que eu considero uma redundância, visto que inexistia “satanismo antigo”] e da Igreja de Satan, fundada e liderada por Anton Szandor Lavey.
A despeito da retórica satanista, o Satanismo Moderno, a Igreja de Satan e Anto Szandor Lavey misturam-se como se fossem parte de uma mesma personalidade que ainda tem suas raízes na doutrina do Cristianismo. Como filosofia de botequim, o satanismo é uma bela arapuca para adolescentes rebeldes e nada mais. Enquanto teoria mágica e prática, o satanismo é uma coletânea de rituais parodiados ou mimetizados. Falta para essa religião um mito para justificar o rito e como o próprio satanismo esvaziou Satan de sua identidade e personalidade, resta apenas o rebulho literário de diversas fontes. O satanismo não se sustenta nem usando a muleta das missas negras ou das assembleias de bruxas.

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