Eis que a máquina dos sonhos [o cinema] lança em dezembro o sétimo filme da saga Guerra nas Estrelas. Pouco antes do solstício de verão, aqui no hemisfério sul, solstício de inverno no hemisfério norte. Não existem coincidências. Há algo na saga que foi cansavelmente indicado por Joseph Campbell e seu trabalho sobre religião comparada. Os filmes que marcam nossas vidas tem muito a ver com os antigos mitos. Jung preconizou isso com a teoria do Inconsciente Coletivo, mas mitos e lendas são formas de falar verdades universais antigas.
Pouco depois de ter alcançado sucesso, Guerra nas Estrelas fez surgir a Religião de Jedi. Se é mais uma paródia descrente ou não, pouco importa. Fazer paródia é a melhor maneira de elogiar algo. Descrentes podem mostrar sua espiritualidade, sem correr o risco de serem zoados pelos seus pares mais radicais. Mas o que seria a Religião do Jedi? No universo de George Lucas existe o que é chamado de Força, um tipo de energia onipresente que modula sua manifestação ora mais voltada para a Luz, ora mais voltada para a Sombra.
Aqui percebemos a mesma dicotomia maniqueísta do "bem" versus o "mal". Há algo de muito errado quando se atribui o valor moral de bem para a luz, tanto quanto atribuir o valor moral de mal para a sombra. Se for assim, eu prefiro mais ser um Sith.
Pagãos, bruxos e hereges sabem que não existem absolutos. Vivemos em um Universo tão multifacetado que é ridículo polarizar as coisas existentes em apenas duas categorias. Dois mil anos desse fascismo doutrinário provam que nem sempre a luz é boa, nem sempre o "bem" é bondoso.
Isso tem muito a ver com o solstício, sobretudo com essa fenômeno engraçado que acontece com os hemisférios. Aqui no hemisfério sul nós celebramos o que pode ser chamado de Meio do Verão, enquanto que no hemisfério norte eles celebram o que pode ser chamado de Meio do Inverno. O incomparável William Shakespeare escreveu "Sonhos de Uma Noite de Inverno", que eu prefiro a qualquer outra lenda ou estória natalina. Pois é extamante disso que mais se fala em dezembro: o Natal. Essa festa de origem pagã, que recebeu roupas cristãs, que nas mãos dos americanos se tornou uma festa cosmopolita e universal.
Em outubro, eu fico preparado para ouvir as mesmas ladainhas reclamando que Halloween é festa americana, é imperialismo, que "nós" devemos celebrar o Dia do Saci. Eu fico curioso em ver que o mesmo brasileiro que ufana de seu país, o mesmo brasileiro que desanda na pior manifestação de nacionalismo e patriotismo, que tanto reclama do Halloween, não vê problema algum nesse Natal europeu. Todos os enfeites, todas as comidas, remetem ao frio do inverno. E nós somos um país tropical. Ninguém sugere que se troque o pinheiro pelo coqueiro. Ninguém sugere que se troque as guirlandas de visco e azevinho por uma guirlanda de erva mate e café, por exemplo. Ninguém sugere que se troque o Papai Noel por Zumbi dos Palmares. Ninguém sugere que se troque as [caras] comidas gordurosas e frutas oleaginosas mais típicas do natal europeu por comidas e frutas nacionais. Ninguém [exceto eu] sugere que se troque o Natal pela Saturnália ou o nome original da celebração nos tempos pagãos.
O solstício de verão é um evento cíclico, marca o auge do verão [hemisfério sul] ou o auge do invero [hemisfério norte]. Hoje o dia é mais longo, mas em breve as noites serão longas. Aqui não dá para perceber muita diferença, mas em meridianos mais extremos, esta diferença é mais significante, daí o porque que nossos ancestrais marcarem esse evento com uma celebração religiosa. Recentemente a televisão deu espaço para gente fantasiada falar do Sanhaim, cosplayers de bruxas apareceram para falar do "ano novo celta". Sanhaim não é o "ano novo celta", nem é o "ano novo" dos pagãos.
Nós celebramos o ciclo da natureza, então não cabe falar em "ano novo", mas se eu for escolher um evento que marque o fim e início de um ano, seria o solstício de verão/ solstício de inverno. Afinal, o sol chegou ao seu auge, em breve ele irá começar seu trajeto para a Terra dos Ancestrais. Por três dias, o sol estará "morto" para então "ressuscitar", tal como Mithra e Cristo.
Sim, meus caros brasileiros cristãos, o Natal é nada mais do que a celebração do Sol Invictus, genuinamente pagão e romano. Vocês comemoram o que nós comemoramos: o retorno do sol, da luz, da esperança. Tal como em Guerras nas Estrelas, a cultura ocidental, devidamente colonizada pelo pensamento judaico-cristão, acredita que o sol, a luz e a esperança são naturalmente boas.
Mas para o pagão, o bruxo, o herege, as coisas nem sempre são o que parecem. A Esperança foi a última a sair da caixa de Pandora, junto com todos os males do mundo, então a Esperança não é tão boa assim. Quando o sol está forte, tudo que nós procuramos é uma sombra e torcemos para que chova. Quando chega a noite e queremos durmir, a luz incomoda e preferimos o aconchego da sombra.
Pense: como poderíamos nos encantar com o espetáculo dos fogos de artifício, senão de noite? Como os reis magos poderiam achar Cristo sem que Venus brilhasse no manto de Nix? O julgamento moral humano é falível e tendencioso, tanto a luz quanto a sombra são boas. Tanto o verão quanto o inverno são bons. Nós também podemos ser bons. Basta deixar de lado esse maniqueísmo perverso que tem apenas causado guerra, ódio, violência e destruição.
Nós não precisamos do Natal para sermos bons. Depende de cada um para que tenhamos, efetivamente, Paz na Terra. Tanto faz sua origem, sua cultura, sua identidade/opção/preferência sexual, sua ideologia política/social. Sejamos, enfim, Humanos.
Feliz Saturnália, Feliz Die de Soli Invictus, Feliz Yule/Litha, Feliz Natal.
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