Desta vez eu prometo um pouco de humor no final do ‘causo’, como diz o mineiro, mas é que agora vou pedir para vocês usarem a imaginação, pois o que tenho para contar é um conto de bruxaria, literalmente.
Imagine um agrupamento pequeno de humanos em seus primórdios, coisa de umas 100 pessoas. Elas conseguiram chegar neste número porque perceberam que se andassem juntos com outros da mesma raça ficavam mais fortes e eficientes. Já reparavam que precisavam se manter unidas. Já caçavam juntos e começavam a plantar o suficiente, a processar peles, forjar armas rústicas. Eles tendem a deitar com mulheres, agora reservadamente e na maioria das vezes aos pares, já que começaram a se reconhecer individualmente e uns aos outros, tanto pelo prazer oferecido pela companhia ou pelo coleguismo entre pares do ofício. Este foi o princípio da individuação...
Os perigos naquela época eram iminentes em todos os momentos, mas ao mesmo passo, não havia distinção na natureza entre o ‘natural’ e o ‘sobrenatural’. Foi ali que o culto nasceu: dançando com fadas, inspirados pelas chamas do fogo em novas descobertas e avisos de perigos nas caças, conversas inspiradas com animais...
Naquela época em que viviam, podiam plantar onde quisessem. Contudo, com o passar do tempo, as unidades familiares cresceram, e passou a ser necessário denominar as pessoas pelos seus ofícios ou pelo lugar onde viviam. Poderíamos então exemplificar assim: o “Paulo, filho do Zé da Oficina”, ou o “Sílvio, lá do brejo”. A expansão humana aumentava enquanto os espaços se dividiam, e a necessidade de aprender ocupações aumentou com as demandas de trocas. Agora as pessoas tomavam padrinhos que eram também professores de ofício familiar, e então os filhos do “Sílvio, lá do brejo” foram aprender com o “Zé da Oficina”, e lá aprendiam a fazer portões primorosos, como tradicionalmente só a família do Zé sabia fazer. Eles se educavam na casa do Zé, onde também moravam e aprendiam, junto com o ofício, o conhecimento acumulado por toda a família do Zé, cuidados zelosamente por sua esposa, Zilda, que dava àqueles meninos a medida exata de desafios para que amadurecessem. Estes eram os ‘filhos adotivos’ daquele que mais tarde foi chamado Mestre, ou Pai, e daquela que mais tarde foi chamada Mestra, ou Mãe. A tradição de apadrinhamento surgiu daí, tanto espiritualmente quanto no que tange aos ofícios e ordens.
Acho que você agora pensou nos mil traços romanos de ‘santos padroeiros’, deuses patronos, protetores ‘disto’ ou ‘daquilo’, e você pode enxergar Tubal Caim em sua forja, ou Hefesto e suas maravilhosas criações, todas elas remanescentes de percepções locais de quando o mundo não se dividia entre natural e o sobrenatural...
Aqui, de volta à nossa época, ‘Maria Brejo’ procura traçar na poeira da história as suas habilidades naturais, talentos que contam a história de sua constituição física apropriada, ou do canto primoroso, ou a habilidade em reconhecer plantas, ou de ouvir e se comunicar com o invisível, embora menos que sua irmã, ou ainda, em planejar edifícios....
Decidiu por um ofício, engenheira, e fica sabendo que existe uma antiga sociedade, uma ‘guilda de ofício’, que hoje é uma sociedade que nada constrói factualmente além de seus valores espirituais. Mas é difícil para ela se identificar desde que ela mantém suas portas fechadas à Sabedoria de Binah.
Sua irmã, ‘Glória Brejo’ (aliás, ela odeia este nome!), que está na mesma fase de buscas, sempre foi atormentada pela incredulidade. Ela via o que a ‘sociedade informada’ não podia ver, tal qual a mitológica Cassandra, e então, buscava encontrar uma forma de evitar visões ou vozes.
Pesquisou e encontrou um professor de oráculos, runas, parecia isto, e todo um universo de opções, investigações e aprendizados se desdobrou à sua frente. ‘Glória Brejo’ se encontrou na espiritualidade do campo, aprendeu a se orgulhar de seu nome e aos poucos foi aumentando seu contato com a natureza, onde ela ficava mais receptiva a energias mais puras das poluições emocionais dos grandes centros. Ela aprendeu a lidar com sapos que vivem ali perto, a extrair o seu veneno e fazer remédios, e recebe em sua casa as pessoas que estão aflitas, ou que precisam se aliviar de suas poluições, ou ainda aquelas que querem ser “adotadas por ela”. Ela se tornou uma bruxa, pelo direito do ofício. Glória denominou o que se tornou sua casa/escola de filhos e irmãos queridos como ‘Clã da Romã Prateada’, pois foi aos pés de uma árvore de romã que ela viu a mulher mais bonita que ela já havia visto na vida, a mais brilhante e formosa visão. Aquela terra falava com ela. Ela fez como seu professor na Arte, e o Clã da Romã Prateada é o nome da sua casa, daquela terra onde está o pé de romã, enquanto que a de seu professor, ‘João Lobo’, se chama ‘Grande Rocha’ (desconfio que ele conheça bem os dons de seu nome). Eles preservam conhecimentos que os auxiliam a compreender o talentoso ‘Zé da Oficina’ através do caminhar do ferreiro mítico, assim como compreendem os desafios de ‘Maria do Brejo’ ao se voltarem à essência da geometria sagrada e seus ensinamentos. Ambos moram em apartamentos na cidade...
Será mesmo que os caminhos de volta à indivisibilidade da natureza devem ficar fechados a quem busca? Seria um preço justo fechar estas portas para salvaguardar rótulos? Para um bruxo tradicional, não há como você entrar na família se não pisar naquele chão com respeito, pois é sagrada àquela família a união com aquela “santa padroeira” do pé de romã. Mas para ele, um pedaço de papel merece uma ‘cara de interrogação’, e vale mais o que esta pessoa faz do que ela diz fazer.
Se prometi agora um humor, é porque o tempo vai passando e as tolices sempre dão cor à nossa história pessoal, mas posso jurar que houve no meio virtual alguém que quis, sem ao menos ver o pé de romã da Glória, chamar-se pelo nome de “Brejo”.
Autora: Qelimath
Fonte: Diablerie [link morto]
Um comentário:
Querido, estou em Sampa (escrevendo pelo celular). Como a comunidade foi excluída não vou postar aquele teu primeiro comentário. Isto porque parece que, finalmente, ele me ouviu, e ainda penso que vamos todos ter a oportunidade de sermos amigos e/ou aliados, colocando todos estes tropeços e tolices para trás. Beijos mil.(escrever do celular é um porre)
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