terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Oh tempora, oh mores

O que é comum a toda a moral pagã é que, seja qual for, visa um fim humano, a organização da pessoa humana, não a transcendência dela. A moral pagã é portanto uma moral de orientação e de disciplina, ao passo que a moral cristã é uma moral de renúncia e de desapego. A moral epicurista é, no fundo, a tendência para a felicidade pela harmonização de todas as faculdades humanas – o que é, deveras, uma ideia de disciplina, pois que o é de coordenação. A moral estóica é uma moral de subordinação das qualidades superiores do espírito às superiores, mas superiores e humanas; o auge do cristismo está no sacrifício e na dedicação à humanidade espiritual, o auge do estoicismo na disciplina de si-próprio e na dedicação ao próprio destino, e, se à humanidade, à humanidade concebia civicamente. O estoicismo é a mais alta moral pagã porque é a moral pagã reduzida ao princípio abstracto que é a essência de todas as éticas do paganismo. A Disciplina é a única deusa ética dos estóicos; e é a disciplina, como dissemos, que é a base real das doutrinas éticas do paganismo.
[Fernando Pessoa, em seu heterônimo Alberto Caieiro][As Tormentas][link morto]

Fernando Pessoa discorrendo sobre Paganismo e moral em tempos modernos se parece muito com os reconstrutivistas culturais com suas reivindicações absurdas, recheadas de nacionalismo, xenofobia, racismo, sectarismo.
Independentemente de que seja um texto escrito por Fernando Pessoa, isso não torna o texto ou seu autor imunes a erro.
Paganismo são diversas religiões que existiam antes do Cristianismo se tornar a religião oficial do Império Romano, ou melhor, os povos antigos não identificavam sua religião como Paganismo, esta alcunha pejorativa veio após a institucionalização do Cristianismo.
Quanto a questão moral, pelo discurso da Igreja e teólogos, o Cristianismo parece ter o monopólio ou o privilégio de ser moralmente superior, sobretudo quando se fala das crenças e hábitos dos povos "Pagãos".
A julgar pela história da Igreja e as noticias mais recentes, o Cristianismo está longe de ser o estandarte da moral que diz ser.
Diversos filósofos e pensadores falaram sobre a moral muito antes do Cristianismo sequer sonhar em nascer: Cícero, Tito, Seneca foram pensadores romanos com impressionantes obras sobre valores morais.
Na Grécia Antiga, existiram duas escolas: a Estóica e a Epicurista. Destas, a Estóica influenciou e muito o pensamento moral Cristão. Mas nenhum desses filósofos e pensadores tinham o Paganismo como religião: a crença deles bem como de todos os povos antigos tinha ligação ou com o reino (celebrações em comum destes povos), ou com a cidade (celebrações a um Deus ou Deusa tutelar da cidade), ou pessoais (devoção a um Deus ou Deusa), provavelmente sem um nome institucional.
Os pensamentos deles sobre a moral não eram uma preocupação de cunho religioso, mas comunitário e humano. Nós, em nosso provincianismo, nos achamos moralmente mais civilizados do que os povos antigos ou povos tribais. No entanto, mesmo povos tribais demonstram ter um senso de ética que supera e muito nossos falíveis e limitados valores morais.
As notícias do dia a dia são o maior exemplo, vemos constantemente ações criminosas motivadas por ganância, cobiça, inveja, ciúmes, vingança.
Condutas éticas e morais são uma preocupação humana que independem de religião ou civilização, são princípios que não podem ser impostos, mas seguidos por serem o mais certo a se fazer, porque é o que se espera receber, é a medida da forma como respeitamos aos outros e a nós mesmos.
Isso só é possível quando a família e a sociedade dão ao indivíduo condições para a formação de seu caráter, quando quem discursa sobre esses princípios éticos e morais o faz porque segue e é exemplo desses princípios.

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