domingo, 28 de dezembro de 2008

A revolução que broxou


Introdução [no bom sentido]

De todos os fenômenos de natureza social e cultural que afetaram o comportamento nas sociedades ocidentais durante o século XX, o mais importante foi a chamada Revolução Sexual. Séculos de repressão criaram uma maneira de viver antinatural e neurotizante. A libertação tornou-se, assim, uma necessidade da espécie e sua urgência se manifestou tanto em termos teóricos quanto práticos. As descobertas da psicanálise foram radicalizadas e muita gente transformou suas próprias vidas nesse processo.

Por que revolução?

Não há dúvidas de que a chamada Revolução Sexual começou, no plano teórico, com as ideias de pensadores como Freud e Reich, num primeiro estágio, e continuou com Herbert Marcuse e Norman O. Brown, num estágio mais avançado. Mas ela só ganhou verdadeiro significado para a civilização ocidental quando atingiu grandes segmentos da população, modificando a mentalidade e, principalmente, o comportamento das pessoas. O principal objetivo é a eliminação, ou pelo menos a diminuição, da repressão sexual - que Freud via como um mal necessário à civilização, e Reich como um instrumento do domínio exercido por uma classe dominante sobre o todo da sociedade. A aspiração, em suma, é por uma maior liberdade sexual. Essa aspiração sempre foi experimentada como uma necessidade crucial pela maioria das pessoas que, porém, tradicionalmente optavam entre duas alternativas mórbidas - as que lhes eram normalmente oferecidas: ou se submetiam de corpo e alma à repressão, o que originava distúrbios psíquicos, que iam da neurose generalizada até extremos psicóticos mais graves, ou procuravam atender às solicitações naturais do instinto em segredo, escondidos de modo hipócrita e mentiroso, o que levava a uma cisão interna de tipo esquizóide. De qualquer maneira, a repressão sexual sempre levou à doença psíquica. O combate à repressão e a aspiração pela liberdade sexual significam, portanto, uma busca decidida da saúde psíquica, que exige sinceridade consigo próprio, honestidade de propósitos e principalmente coragem. Essas qualidades sempre marcaram aquelas pessoas que, de diferentes maneiras, se notabilizaram como o que poderíamos chamar de revolucionários sexuais. Além da audácia do espírito em busca da liberdade, a chamada Revolução Sexual foi favorecida por avanços tecnológicos, como o advento da pílula anticoncepcional. Assim, a derrubada de práticas obscurantistas, como o tabu da virgindade, a justificação de crimes passionais em nome da honra e outras aberrações de comportamento do mesmo quilate, passou a ser um objetivo prioritário das novas gerações. Essas mudanças marcaram o século XX e, embora incompletas, abriram caminho para uma libertação mais ampla e saudável nos primeiros anos do século XXI.

A Contracultura

Para os jovens dos anos 60, a geração que se caracterizou por seu interesse em sexo, drogas e rock and roll, e cujo slogan favorito era make love, not war, o sexo vinha indiscutivelmente em primeiro lugar. A liberdade sexual foi o traço de comportamento que melhor caracterizou o flower power. Costuma-se caracterizar essa geração, a da contracultura, pelas drogas. É bem verdade que o uso de drogas naturais mais leves, como a maconha, ou de drogas sintéticas criadas com propósito de tratamento psiquiátrico, como o LSD, foi bastante disseminado. Mas não era essencial para o movimento, nem sequer seu principal objetivo. A experiência com estados alternativos da consciência era apenas uma aventura capaz de atrair uma geração de jovens cujo fascínio pelo inusitado, pela exploração de áreas da experiência humana estranhas aos seus pais, foi sem dúvida marcante. Mas não era sua necessidade mais urgente. Na verdade, a necessidade mais urgente era por uma gratificação sexual plena, satisfatória. A geração da contracultura foi a primeira a colocar em questão a tradição do amor romântico, passivamente aceita por todas as gerações anteriores. A descoberta da possibilidade de se amar várias pessoas ao mesmo tempo e ter uma vida afetiva mais rica, mais diversificada, foi a grande revelação. Todo mundo podia transar com todo mundo. Essa liberdade inédita, a famosa permissividade da contracultura, foi duramente criticada pelas gerações anteriores como promiscuidade e degeneração. É possível que, em muitos casos, tal crítica tivesse até algum fundamento, mas, de maneira geral, o que se descobriu foi simplesmente a capacidade do instinto para autorregular-se, para estabelecer espontaneamente seus próprios limites e os mecanismos de autocontrole porventura necessários, sem a imposição artificial de uma repressão externa. A liberdade sexual não acarreta necessariamente uma orgia permanente de maneira que ninguém faça mais nada na vida a não ser trepar o tempo todo. Isso só é assim na imaginação dos reprimidos. Na realidade dos que experimentaram essa liberdade, como os jovens da contracultura, há também moderação, equilíbrio e tempo de sobra para se fazer outras coisas. A experiência da contracultura forneceu a evidência mais palpável, até hoje, da possibilidade de uma cultura governada pelo princípio do prazer e não pelo princípio da realidade, gerador de neurose. Ou seja: pode-se dizer que a experiência da contracultura foi a primeira experiência capaz de desmentir, na prática, a suposição de Freud de que não pode haver cultura sem repressão. A possibilidade de uma cultura libidinal, não-repressiva, cuja idéia é exposta e desenvolvida por Herbert Marcuse em Eros e Civilização, é fundamental, decisiva para os destinos de nossa civilização. Ou continuamos a nos afundar no pântano da neurose coletiva, com suas manifestações secundárias de violência e doença a que estamos assistindo todos os dias, em toda parte, ou conquistamos a liberdade necessária para criar uma maneira de viver mais saudável e mais feliz.

A repressão sexual

Ainda nos anos 30, Herbert Marcuse já considerava, a exemplo de Reich, a repressão sexual como uma das características mais importantes da ordem social exploradora. Sua crítica do dualismo ocidental enfatizou não só a miséria econômica, mas também a miséria sexual perpetuada e racionalizada pela metafísica dualista, através da noção de "pecado". Segundo Marcuse, o embotamento da sensualidade resulta na atrofia e embrutecimento de todos os órgãos do corpo humano. A repressão da sexualidade contribui assim para a manutenção de uma ordem social repressiva em todos os seus aspectos. Além disso, Marcuse acentuou a correlação direta entre a repressão da sexualidade e a erupção da agressão, nas formas mórbidas do terror sádico e da submissão masoquista. A violência é consequência da repressão sexual. Só quando a libido é forte e não-sublimada, só quando se permite à sexualidade ser livre, tanto quantitativamente no sentido de uma vida sexual mais intensa, como qualitativamente como uma sexualidade mais variada (polimórfica), só nessas condições é que a agressividade e destrutividade geradas pela repressão podem ser reduzidas.

Visão Antropológica

O húngaro Geza Roheim nasceu em Budapest, em 1891, e foi discípulo de Sandor Ferenczi, um dos grandes pioneiros da psicanálise junto com Adler e Jung. Roheim dedicou-se à Antropologia e foi atraído pelas descobertas de Freud, criando em 1915 o que chamou de "antropologia psicanalítica". Segundo Roheim, o homem se distingue dos outros animais por sua prolongada infância; essa dependência primordial é a origem da repressão. "Quanto mais prolongado for o período de íntima associação entre pais e filhos, maiores serão os efeitos dinâmicos do trauma a ser controlados", diz ele. Com Freud (e contra Reich) ele aceitou a inevitabilidade da repressão mas manteve, intransigentemente, que a civilização exagerou em seu papel ao exigir uma repressão muito maior do que a necessária. Na sua obra fundamental, A Origem e a Função da Cultura, de 1943, a prolongada infância do homem e sua demorada dependência é tomada como ponto de partida. O processo civilizatório é, no fundo, um esforço do homem para compensar o sentimento de perda que experimenta ao separar-se da mãe. Todos os esforços civilizados do homem são, na realidade, tentativas de retornar ao ventre materno. Por outro lado, o medo da morte é a manifestação final do horror do homem em ser abandonado sozinho no escuro. Em Animismo, Mágica e o Rei Divino, de 1930, Roheim já havia mostrado que a política é uma espécie de magia negra. O líder político emerge das profundezas do inferno. É um descendente dos feiticeiros e a ciência política, por conseguinte, é um ramo da demonologia. Roheim não era um cientista frio. Pelo contrário: ficava violentamente indignado com a repressão imposta pela sociedade sobre os indivíduos. Uma cólera reprimida caracterizava seu estado de ânimo. A mensagem central de sua obra é que pagamos um preço excessivamente alto pela civilização. A tolerância sexual do homem primitivo, ao contrário, é a medida e a fonte de sua felicidade. Apesar de suas privações, ele resolveu o problema da vida em comum de maneira muito mais satisfatória do que o homem civilizado. Para Roheim, a civilização moderna, com seus métodos "insanos" de educação, sua repressão da sexualidade e sua "moralidade de esfíncter" criou um homem doente. A cultura é uma neurose e as neuroses individuais são "uma supercultura", um exagero do que é especificamente humano.
Fonte: Cama na Rede [link morto]

Nota: O artigo falha ao não analisar de como ficou a dita Revolução Sexual nos dias de hoje. Talvez por ter passado tanto tempo reprimido pelo pensamento puritano, a humanidade não assimilou os princípios da Revolução Sexual, não houve a preocupação em trabalhar na conscientização do indivíduo e da coletividade (da sociedade) para se reformular os tabus e as proibições, as pessoas simplesmente se atiraram na permissividade e na liberalidade, cujas consequências fizeram retornar o puritanismo e a repressão, aumentando a violência e os desvios sexuais.

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