Na antiga Roma, a família não consistia apenas de pessoas ligadas por laços de parentesco. Na família romana estavam incluídos os clientes e os servos. Em alguns casos, tanto os clientes como os servos acabavam incluindo em seus nomes o patrístico da família. Em famílias que moravam em áreas rurais, animais e espíritos faziam parte da família. Na Strega, preserva-se o hábito de ter um santuário aos lares, espíritos protetores das habitações da família.
Na Europa romanizada, onde as pessoas eram majoritariamente composta de camponeses, esse hábito foi facilmente assimilado, graças ao rico folclore local e suas muitas lendas sobre fadas, gnomos, duendes e outros gênios da natureza.
As bruxas adotaram como seus familiares vários tipos de espíritos que, usualmente, se manifestavam em uma forma física semelhante a algum objeto, animal, pessoa ou criatura mágica. Nos famigerados processos contra as bruxas, os familiares eram descritos como espíritos malignos que ficavam obedecendo as ordens da bruxa ou servindo como elo espiritual para suas práticas.
As formas mais visadas pelos Inquisidores acabou sendo exatamente os animais. Consta que na França houve um verdadeiro 'holocausto' de gatos. Na Alemanha, chegaram a queimar estábulos inteiros com os cavalos dentro. Na Espanha, sapos eram esmagados após uma missa de exorcismo. Na Inglaterra, o alvo foram as corujas.
Os rumores não perturbavam a senhora Carcharon, ela ria das pessoas que a procuravam em busca de proteção ao seus animais e ria mais ainda do medo que as pessoas tinham do Inquisidor. Ela dava os conselhos que podia e se ocupava com o casamento de sua sobrinha, a senhorita Beachon.
Quando o Inquisidor chegou na cidade, todos correram para dentro de suas casas e esconderam tantos animais quanto puderam. Mas o Inquisidor nem deu atenção ao porco premiado do senhor Bedran, nem ao garanhão do senhor Sevoir. Ele foi direto ao casebre da senhora Carcharon e tratou de fazer os soldados revistarem aquele lugar em busca de sinais de Bruxaria.
Na vila, os moradores respiraram aliviados, pensando que seus preciosos animais estavam salvos, enfim. Ficaram até, eu diria, alegres e esperando o desfecho inevitável da visita do Inquisidor, pois o condado inteiro sabia ou falava das estranhas atividades da senhora Carcharon. Dentro da casa da senhora, o Inquisidor despejava as perguntas de praxe, tal como constava no Malleus Malleficarum.
A senhora Carcharon não respondia coisa alguma, sequer dava atenção ao Inquisidor, eu diria até que ignorava a presença dele e dos soldados. Ela tinha toda a atenção fixada nos cabelos de sua sobrinha, penteando e enfeitando ela para o encontro em breve com seu noivo.
Como as horas passavam e os barulhos diminuíram, os vilões resolveram dar uma espiada no casebre da senhora Carcharon para ver o que estava acontecendo.
Encontraram a senhora olhando feliz para sua sobrinha, bem vestida e arrumada, mas nenhum sinal do Inquisidor e dos soldados, apenas de alguns animais, muitos dos quais lá estavam por insistência de seus donos. Tendo o perigo passado, cada qual foi reclamar o seu animal, incluindo o prefeito, o único que notou que havia um porco e quatro patos sobrando. Como ninguém havia reclamado por eles, o prefeito quis reclamar para si, para os animais serem mortos e assados em uma festa.
- Lamento, senhor prefeito, mas estes não são teus para que reclames, mas são da minha família. Aquele porco é o senhor Inquisidor, que na distração cortejou minha sobrinha e os patos são os soldados do rei, que igualmente cortejaram minha sobrinha. Eu lhes disse que minha sobrinha só pode ser cortejada por quem é da família... e... bem, eles aceitaram... e... bem, o resultado está bem à vista.
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