Por Rogério Marques.
Ao comentar os atentados com explosivos na Praça dos Três Poderes, ocorridos em 13/11, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, perguntou, no dia seguinte, em sessão do STF: “Onde foi que nós nos perdemos nesse mundo de ódio, intolerância e golpismo?”
Para responder à pergunta do ministro é preciso entender a responsabilidade das grandes empresas de mídia na ascensão da extrema direita e na eleição de Jair Bolsonaro como presidente, em 2018.
Voltemos um pouco mais no tempo, a outubro de 2014. Naquele ano Dilma Rousseff foi reeleita para a presidência da república, com pequena vantagem sobre Aécio Neves, candidato do PSDB – 51,6% x 48,03%.
O resultado frustrou os empresários da mídia, que apostavam na vitória de Aécio para interromper o longo ciclo do Partido dos Trabalhadores no poder e incrementar reformas neoliberais. Da mesma forma que nas eleições de 1989 vestiram a camisa de Fernando Collor e seu neoliberalismo – e deu no que deu!
No começo do mesmo ano em que Dilma foi eleita, 2014, teve início a operação Lava Jato, com a atuação do juiz Sérgio Moro, seus procuradores e delegados da Polícia Federal que tinham lado político e anunciavam isso até mesmo em grupos de redes sociais.
Estava ali a chance de virar o jogo.
Casos de corrupção existiam e mereciam ser investigados, com certeza, como sempre existiram na história do país. Entre outros, o escândalo do Banestado (banco estatal do Paraná), um esquema bilionário de evasão de divisas descoberto no fim da década de 90, e a compra de votos na Câmara dos Deputados, em 1996, na votação que permitiu a reeleição de Fernando Henrique Cardoso na presidência da república.
Por interesses políticos e econômicos, a imprensa não usou esses escândalos para derrubar e prender presidentes. Já no caso da Lava Jato, em vez de noticiar com imparcialidade, as grandes redes de jornais, rádios e TVs passaram a fazer parte do “Partido Lavajatista”, juntamente com setores do Judiciário e da Polícia Federal, e transformaram Sérgio Moro em ícone anticorrupção.
A onda midiática não foi suficiente para, em um primeiro momento, impedir a reeleição de Dilma Rousseff – por pouco! – em 2014. Mas logo veio o “terceiro turno” das eleições, com as baterias voltadas diariamente, no noticiário, contra a então presidente, o ex-presidente Lula e lideranças do Partido dos Trabalhadores.
O resto é o que sabemos: sem ter cometido qualquer crime, Dilma foi deposta em agosto de 2016, com a traição, por ambição política, do vice-presidente Michel Temer.
Dois episódios merecem ser lembrados como símbolos daqueles anos sinistros que o pais viveu, marcados por atos arbitrários de setores partidarizados da Justiça: a prisão por 580 dias do ex-presidente Lula, em abril de 2018, condenado com base em processos kafkianos, mais tarde anulados, e a morte do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier, em 2 de outubro de 2017.
Cancellier foi levado ao suicídio por uma ação truculenta da polícia federal, em investigações sobre desvio de dinheiro na UFSC. Detido por um dia, algemado e afastado da instituição à qual tanto se dedicou, mesmo sem ter cometido qualquer irregularidade, Cancellier deixou um bilhete manuscrito em que dizia: “A minha morte foi decretada quando fui banido da universidade!!!”.
Quanto a Lula, foi atacado diariamente durante 5 anos nas redes da mídia, que noticiava sem olhar crítico e com facciosismo as acusações de que o então ex-presidente era vítima e que culminaram com sua prisão durante 580 dias.
Ao tentar atingir Lula, Dilma e o Partido dos Trabalhadores, os empresários da mídia acabaram desacreditando a política como instrumento de mudanças. O objetivo era levar ao poder alguém com o perfil de Aécio Neves, mas deu errado.
Com Lula preso, estava aberto o caminho para Jair Bolsonaro, representante da extrema direita, que durante quase 30 anos foi um parlamentar medíocre e se apresentava agora como a renovação da política, com uma pregação que mesclava fundamentalismo religioso e discurso moral.
Até hoje estamos vivendo as consequências daquele lamentável papel da mídia. Por pouco não tivemos um golpe contra a democracia depois da derrota de Jair Bolsonaro para Lula. O 8 de janeiro foi a face escancarada da tentativa de implantação de uma ditadura.
Punir todos os envolvidos no episódio é da maior importância, a começar pelo ex-presidente saudosista de 1964, que sempre insuflou uma nova quartelada e agora quer anistia. Mas é preciso, também, que a ação desempenhada pelas grandes empresas da mídia seja sempre lembrada, para que nunca mais se repita.
Respondendo à pergunta feita pelo presidente do STF Luís Roberto Barroso, no dia seguinte aos atentados com explosivos na Praça dos Três Poderes, foi em grande parte com aquela ação, que durou anos, que o Brasil começou a se perder “nesse mundo de ódio, intolerância e golpismo”.
Fonte: https://jornalggn.com.br/cidadania/o-papel-da-midia-na-onda-de-violencia-e-odio-por-rogerio-marques/