sábado, 8 de março de 2025

Quero pudim de damasco

O som metálico da porta se abrindo ecoou na escuridão úmida da cela, arrancando Theodore Fluffybutt III de um sono agitado repleto de sonhos com pudim de damasco e revoltas de camponeses armados com colheres de pau. A luz ofuscante o fez piscar, revelando uma figura familiar e, ao mesmo tempo, estranhamente diferente. Era Seraphina Fluffybutt II, sua prima, mas a pompa aristocrática havia sido substituída por um tailleur de tweed desbotado e um chapéu que lembrava um ninho de pássaros particularmente desgrenhado.

– Theodore! – exclamou ela, sua voz ainda carregando um resquício do antigo tom nobre, embora levemente rouco pelo tempo e, talvez, por muitos charutos baratos. – Está livre!

Theodore, cuja última lembrança nítida de Plunderia datava de 1910, antes do fatídico ano da proclamação da república, sentiu um choque que o fez quase cair de joelhos. Trinta anos. Trinta anos de prisão por um crime que, honestamente, ele mal se lembrava – algo que envolvia uma revelação recebida pelo Grande Fofo.

– Livre? – gaguejou ele, a barba ruiva e emaranhada lhe cobrindo metade do rosto. – Mas... a república... Plunderia?

Seraphina suspirou, puxando de sua bolsa um panfleto amarrotado anunciando "Promoções imperdíveis na Loja de Roupas 'Réplica Real' - 50% de desconto em coroas de plástico!". Ela o ofereceu a Theodore, que o encarou com descrença.

– A monarquia caiu, meu caro Theodore, – explicou ela, com uma paciência que só uma ex-condessa poderia possuir após décadas convivendo com a burocracia republicana. – Você foi beneficiado por uma revisão de sentença. Liberdade condicional. Sob minha tutela. E, acredite, a tutela inclui morar comigo.

A visão de Plunderia, quando deixaram a prisão, foi um golpe ainda maior que a notícia de sua liberdade. O palácio, outrora símbolo de opulência, agora estava reduzido a um museu semi-abandonado, seus jardins invadidos pela vegetação selvagem. Onde antes desfilavam carruagens douradas, agora circulavam barulhentos ônibus elétricos, cheios de cidadãos que pareciam estar mais preocupados com o preço do pão do que com a linhagem real.

– Não há mais carruagens puxadas por unicórnios? – perguntou Theodore, incrédulo, ao ver um fusca amarelo estacionado em frente ao que outrora fora a entrada principal do palácio.

– Unicórnios não são econômicos, Theodore, – respondeu Seraphina, com um sorriso amargo. – E o orçamento do museu não permite a compra de ração suficiente para mantê-los.

A cidade era um turbilhão de mudanças. A Praça Real, palco de desfiles e festins, agora abrigava um mercado de pulgas agitado. Lojas de artigos mágicos haviam sido substituídas por barbearias e lanchonetes. Até mesmo os guardas reais, outrora impecáveis, agora eram policiais com uniformes desbotados e expressões cansadas.

– E meu castelo? – Theodore perguntou, apontando para um prédio que parecia uma mistura de depósito e motel, coberto de grafites e com uma placa dizendo "Aluga-se - Perguntar por Esmeralda".

Seraphina pigarreou. – Bem... Ele agora serve como escritórios da empresa "Fluffybutt & Filhos - Produtores de Mel e Conservas Artesanais". Meu irmão, Bartholomew IV, é um achado no ramo da apicultura.

O choque de Theodore atingiu seu ápice quando Seraphina o conduziu até seu novo lar: um pequeno apartamento acima de uma loja de artigos de segunda mão, com vista para um depósito e um cheiro persistente de peixe frito.

– É acolhedor, não acha? – perguntou Seraphina, com um sorriso que não conseguia disfarçar o cansaço. – E, por falar em acolhedor, sua liberdade condicional exige que você encontre um emprego. Sugiro começar a procurar amanhã mesmo.

Theodore, o ex-duque, o ex-detento, o atual… bem, ele ainda não sabia o que era. Mas uma coisa era certa: a república havia transformado Plunderia em algo totalmente imprevisível, hilário e, sim, um pouco deprimente. Ele olhou para sua prima, com seu chapéu de pássaro desgrenhado, e sentiu um misto de horror e… curiosidade. A vida republicana parecia ser uma aventura. E quem sabe, talvez até mesmo divertida. Afinal, encontrar um emprego era apenas o começo. A adaptação à vida pós-monarquia em Plunderia seria, sem dúvidas, uma história para contar – e provavelmente uma ótima fonte de inspiração para uma autobiografia, se ele conseguisse escrever algo além de "quero pudim de damasco".

Criado com Toolbaz. Com edição.

Nenhum comentário: