sábado, 15 de agosto de 2020

A Igreja e a Liberdade

Denúncia divulgada pelo Caturo [Gladius] e que convém ressoar, agora que a mesma vem falar em "liberdade religiosa " e/ou respeito às crenças.
Em 1832 o papa Gregório XVI publicou a encíclica Mirari Vos, onde condenou a liberdade de religião, a liberdade de opinião (consciência), e a liberdade de imprensa (a qual, para o papa, é uma "monstruosidade"):

"(...)
Delírio da liberdade de consciência
10. Dessa fonte lodosa do indiferentismo promana aquela sentença absurda e errónea, digo melhor disparate, que afirma e defende a liberdade de consciência. Este erro corrupto abre alas, escudado na imoderada liberdade de opiniões que, para confusão das coisas sagradas e civis, se estende por toda a parte, chegando à imprudência de alguém se asseverar que dela resulta grande proveito para a causa da religião. Que morte pior há para a alma, do que a liberdade do erro! dizia Santo Agostinho (Ep. 166). Certamente, roto o freio que mantém os homens nos caminhos da verdade, e inclinando-se precipitadamente ao mal pela natureza corrompida, consideramos já escancarado aquele abismo (Apoc 9,3) do qual, segundo foi dado ver a São João, subia fumaça que entenebrecia o sol e arrojava gafanhotos que devastavam a terra. Daqui provém a efervescência de ânimo, a corrupção da juventude, o desprezo das coisas sagradas e profanas no meio do povo; numa palavra, a maior e mais poderosa peste da república, porque, segundo a experiência que remonta aos tempos primitivos, as cidades que mais floresceram pela sua opulência, extensão e poderio sucumbiram, somente pelo mal da desbragada liberdade de opiniões, liberdade de ensino e ânsia de inovações."

"Monstruosidade da liberdade de imprensa
11. Devemos tratar também neste lugar da liberdade de imprensa, nunca condenada suficientemente, se por ela se entende o direito de trazer-se à baila toda a espécie de escritos, liberdade que é por muitos desejada e promovida. Horroriza-Nos, Veneráveis Irmãos, o considerar que doutrinas monstruosas, digo melhor, que um sem-número de erros nos assediam, disseminando-se por todas as partes, em inumeráveis livros, folhetos e artigos que, se insignificantes pela sua extensão, não o são certamente pela malícia que encerram, e de todos eles provem a maldição que com profundo pesar vemos espalhar-se por toda a terra. Há, entretanto, oh que dor! quem leve a ousadia a tal requinte, a ponto de afirmar intrepidamente que essa aluvião de erros que se está espalhando por toda parte é compensada por um ou outro livro que, entre tantos erros, se publica para defender a causa da religião. É por toda forma ilícito e condenado por todo direito fazer um mal certo e maior, com pleno conhecimento, só porque há esperança de um pequeno bem que daí resulte. Porventura dirá alguém que se podem e devem espalhar livremente venenos activos, vendê-los publicamente e dá-los a tomar, porque pode acontecer que, quem os use, não seja arrebatado pela morte?

12. Foi sempre inteiramente distinta a disciplina da Igreja em perseguir a publicação de livros maus, desde o tempo dos Apóstolos, dos quais sabemos terem queimado publicamente muitos deles. Basta ler as leis que a respeito deu o V. Concílio de Latrão e a constituição que ao depois foi dada a público por Leão X, de feliz recordação, para que o que foi inventado para o progresso da fé e a propagação das belas artes não sirva de entrave e obstáculo aos Fiéis em Cristo (Act. Concílio Lateran. V, ses. 10; e Constituição Alexand. VI "Inter multiplices").O mesmo procuraram os Padres de Trento que, para trazer remédio a tanto mal, publicaram um salubérrimo decreto para compor um índice de todos aqueles livros que, por sua má doutrina, deviam ser proibidos (Conc. Trid. sess. 18 e 25). Há que se lutar valentemente, disse Nosso predecessor Clemente XIII, de piedosa memória; há que se lutar com todas as nossas forças, segundo o exige a gravidade do assunto, para exterminar a mortífera praga de tais livros, pois o erro sempre procurará onde se fomentar, enquanto não perecerem no fogo esses instrumentos de maldade (Encíclica "Christianae", 25 nov. 1776, sobre livros proibidos). Da constante solicitude que esta Sé Apostólica sempre revelou em condenar os livros suspeitos e daninhos, arrancando-os às suas mãos, deduzam, portanto, quão falsa, temerária e injuriosa à Santa Sé e fecunda em males gravíssimos para o povo cristão é aquela doutrina que, não contente com rechaçar tal censura de livros como demasiado grave e onerosa, chega até ao cúmulo de afirmar que se opõe aos princípios da recta justiça e que não está na alçada da Igreja decretá-la."

De notar que tudo isto foi declarado pela suprema autoridade da maior Cristandade, que destarte se afirmou como dona da verdade com direito a impôr a sua consciência à dos outros esmagando a intimidade alheia (princípio do totalitarismo), não na Idade Média, nem sequer na Idade Moderna, mas já na Idade Contemporânea, e, no final desse século, ainda a Igreja era contra a liberdade de escolha, de culto e de pensamento - a encíclica «Libertas Praestantissimum», do papa Leão XIII, datada de 20 de Junho de 1888, declarou o seguinte:

«Não é de modo algum permitido pedir, defender, ou acordar sem discernimento a liberdade de pensamento, de impressão, de ensino, de religiões, como sendo direitos que a natureza conferiu ao homem.»
Texto resgatado com Wayback Machine.

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