O culto público, sob o controle do Estado, era efetuado por certo número de oficiantes e confrarias religiosas. Na época da monarquia, o rei ocupava o primeiro posto na hierarquia sacerdotal: era o rex sacrorum. Infelizmente, pouco se sabe sobre a maneira como eram celebrados os ofícios. Sabe-se no entanto que, na Regia, a casa do rei, praticavam-se três categorias de ritos: destinados a Júpiter (ou a Juno e a Jano), a Marte e a uma deusa da abundância agrícola, Ops Consina. Desse modo, a casa do rei era o lugar de encontro, e o rei, o agente de síntese das três funções fundamentais que, como em breve veremos, eram administrados separadamente pelos flamines maiores. É lícito supor que, já na época pré-romana, o rex tinha a seu lado um corpo de sacerdotes. Contudo, a religião romana caracteriza-se por uma tendência ao fracionamento e à especialização. Em Roma, cada sacerdote, cada colégio ou sodalidade tinha sua competência específica.
Depois do rex vinham, na hierarquia sacerdotal, os 15 flamines, em primeiro lugar os flâmines maiores: os de Júpiter (flamines Dialis), de Marte e de Quirino. Os flâmines não formavam uma casta; além disso, não constituíam sequer um colégio; cada flâmine era autônomo e ligado a uma divindade da qual tirava seu nome. A instituição é por certo arcaica; os flâmines distinguem-se por seu costume ritual e por um grande número de proibições.
Para os flâmines de Marte e Quirino, as obrigações e proibições eram menos severas.
São poucas as informações que temos sobre a origem do colégio pontifical. O colégio compreendia, além dos pontífices, o rex sacrorum e os flâmines maiores. Ao lado do flamen Dialis, o pontifex desempenhava, no círculo sagrado do rei, uma função complementar. Os flâmines exerciam seus ofícios de certa forma "fora da história"; efetuavam regularmente as cerimônias prescritas, mas não tinham o poder de interpretar nem de resolver situações inéditas. A despeito de sua intimidade com os deuses celestes, o flamen Dialis não traduzia a vontade do Céu, responsabilidade afeta aos áugures. Por outro lado, o colégio dos pontífices, mas precisamente o pontifex maximus, de quem os outros eram apenas o prolongamento, dispunha ao mesmo tempo de liberdade e de iniciativa. Comparecia às reuniões em que se decidiam sobre os atos religiosos, respondia pelos cultos sem titulares e fiscalizava as festas. No tempo da República, incumbia ao pontifex maximus criar os flâmines maiores e as vestais sobre os quais possuíam poderes disciplinares e ser o conselheiro, por vezes o representante destas últimas.
As seis vestais estavam vinculadas ao colégio pontifical. Escolhidas pelo sumo pontífice entre os seis e os doze anos de idade, as vestais eram ordenadas por um período de 30 anos. Protegiam o povo romano alimentando o fogo da cidade, que tinha a obrigação de nunca deixar se extinguir. Sua força religiosa dependia da virgindade: se uma vestal incorresse em falta contra a castidade, era enterrada viva num túmulo subterrâneo, e seu parceiro era supliciado.
O colégio augural era tão antigo e tão independente quanto o colégio dos pontífices. Mas o segredo da disciplina foi bem guardado. Sabe-se apenas que o áugure não era convocado para desvendar o futuro. Seu papel limitava-se a esclarecer se este ou aquele projeto era fas. Entretanto, já no fim da realeza, os romanos começaram a consultar outros especialistas.
Além destes colégios, o culto público compreendia muitos grupos fechados ou sodalidades, cada qual especializado numa técnica religiosa particular. Os 20 Fetiales sacralizavam as declarações de guerra e os tratados de paz. Os salii, dançarinos de Marte e de Quirino, em grupos que contavam com 12 membros cada um, atuavam em março e em outubro, sempre que se dava a passagem da paz à guerra e da guerra à paz. Os Frates Arvales protegiam os campos cultivados. A confraria dos Luperci celebrava, em 15 de fevereiro, os Lupercalia.
Tanto no culto público quanto no privado, o sacrifício consistia na oferenda de determinada matéria alimentar: primícias de cereais, uva, vinho doce e principalmente vítimas animais. Com exceção do cavalo de outubro, o sacrifício das vítimas animais obedecia à mesma encenação. Efetuavam-se libações preliminares sobre o lar portátil (foculus), que representava o foculus do sacrificante, e situava-se em frente ao templo, ao lado do altar. Em seguida, o sacrificante imolava simbolicamente a vítima, passando a faca sacrifical sobre o corpo, da cabeça até a cauda. Nos primeiros tempos, ele abatia o animal, mas no ritual clássico essa tarefa era desempenhada por certos sacerdotes (victimarii). A parte reservada aos deuses - fígado, pulmão, coração e alguns outros pedaços - era queimada sobre o altar. A carne era consumida pelo sacrificante e por seus companheiros no culto privado, e pelo corpo de sacerdotes nos sacrifícios celebrados em favor do Estado.
Autor: Mircea Eliade em "História das Crenças e das Idéias Religiosas II", pg 112 - 115, Editora Zahar.
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